Futebol

Casos de LGBTfobia crescem no futebol brasileiro e ligam o sinal de alerta

Atenta aos fatos, a CBF endossa o discurso de combate ao preconceito com orientações a árbitros e punições a clubes

Em 27 de setembro do ano passado, o ex-técnico da Seleção Brasileira, Tite, deu um importante recado após uma banana ser atirada na direção do atacante Richarlison, na vitória canarinho por 5 x 1 no amistoso contra a Tunísia, no Parque dos Príncipes, em Paris. "No futebol, não vale tudo. Lugar de estádio não é para fazer o que se quer. O processo de educação e punição tem que ser, também, dentro do estádio, também com a torcida", ressaltou. Oito meses se passaram, mas nada mudou, seja na França ou no Brasil. O esporte mais popular do planeta flerta com a intolerância, sobretudo em clássicos.

O confronto entre Corinthians e São Paulo, no último domingo, comprova isso. De Majestoso passou para clássico manchado, após gritos homofóbicos da torcida corintiana. É uma manifestação que contrasta com as bandeiras levantadas pelo próprio clube. Considerado o mais engajado em questões sociais e no desenvolvimento do futebol feminino do país, o Alvinegro viu parte da torcida que cobrou a saída do técnico Cuca, condenado por estrupo de uma menor em 1989, chamar os adversários de "bichas".

Os cânticos homofóbicos na Neo Química Arena foram relatados pelo árbitro na súmula da partida e o Corinthians denunciado no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O prejuízo corintiano pode ser sentido na pele, ou melhor, na tabela. O regulamento de competições da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) prevê multa e até perda de pontos caso ocorram manifestações discriminatórias.

Em 2022, o Alvinegro do Parque São Jorge também foi denunciado pelo mesmo motivo em clássico contra o mesmo São Paulo. Portanto, haveria reincidência, com perda e pontos e punições dobradas para o clube. Mas o caso da semana passada é só a ponta de um iceberg no oceano preconceituoso do futebol brasileiro. Um relatório do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ , em parceria com a CBF, aponta aumento de 76% nos casos de homofobia envolvendo futebol (dentro e fora de campo). Em 2022, foram registrados 74 episódios de intolerância, 32 a mais que no ano anterior. Em 2021, 20 relatos foram comunicados.

Vários episódios podem sem relembrados. Poucos, porém, chegam aos tribunais. Em 22 de maio do ano passado, na partida entre Independente e Santos do Amapá, pelo estadual, o presidente santista foi alvo de ofensas homofóbicas da torcida adversária. O árbitro sequer relatou o fato na súmula. No entanto, dias depois, o Independente foi multado em R$ 3 mil, além de perda de mando de campo. A equipe de arbitragem foi suspensa por 30 dias diante da omissão.

As injúrias não ficam apenas entre os adultos. Em outubro de 2022, uma jogadora de 10 anos revelou ter sido chamada de "machão" em um torneio sub-11 no Piauí. Abalada e sem conter o choro, a atleta sequer conseguiu dar entrevista após a atuação.

"São casos que se repetem toda semana, é uma luta complexa e desafiadora. Há clubes que já detectaram isso e trabalham o tema com seus jogadores, funcionários e torcedores. Mas ainda é insuficiente. A LGBTfobia é um mal social que se alastra em todos os ambientes, em especial no futebol. Essa intolerância motivada por ódio e discriminação é profundamente violenta e deixa marcas profundas", relata o fundador do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ , Onã Rudá.

Existe uma preocupação com reeducação dos torcedores. Afinal, as arquibancadas são reflexos da sociedade. Segundo dados de 2021 do Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é o país que mais mata população LGBTQIA . Os números indicam um óbito a cada 29 horas. A realidade, porém, deve ser ainda mais assustadora. Uma das ferramentas sociais mais poderosas, o futebol deve para a sociedade. As manifestações alvinegros não são as únicas de torcidas.

São-paulinos também têm manifestações preconceituosas contra corintianos, assim como flamenguistas contra torcedores do Fluminense. O Cruzeiro parou no STJD no ano passado por conta de canções intolerantes da torcida contra o Grêmio. Os times do Sul, inclusive, são alvos constantes de intolerâncias xenofóbicas e homofóbicas, assim como os do Nordeste. "Não me sinto à vontade para falar neste assunto. Esse assunto extrapola o departamento de futebol. Sai da esfera do futebol e vai para a jurídica. Agora, que é muito gozado a gente escutar o que escuta aqui, e, quando a torcida do Grêmio faz qualquer coisa, nós somos penalizados", disse o vice-presidente gremista, Denis Abrahão.

A declaração de Abrahão lembra a exclusão do time na Copa de Brasil de 2014, quando uma torcedora do Grêmio chamou o então goleiro Aranha, do Santos, de macaco. "O trabalho mostra uma triste realidade, que estamos lutando para acabar no futebol. A CBF vai sempre combater os preconceitos e trabalhar para que o futebol seja um lugar de inclusão", afirmou Ednaldo Rodrigues, primeiro negro e nordestino a presidir a entidade.

O desejo da CBF é que os xingamentos ocorridos em campo, cânticos nos estádios e comentários ofensivos parem. Clássicos costumam aflorar os ânimos dos torcedores e, hoje, dois fecham a sétima rodada do Campeonato Brasileiro. O Corinthians visita o Flamengo, às 16h, no Maracanã, no duelo que mais mexe com corações no país. Às 18h30, Grêmio e Internacional protagonizam mais um capítulo de umas das maiores rivalidades do planeta bola.