Antes de a bola rolar pelo Campeonato Brasileiro, era pouco provável que os clubes adeptos à Sociedade Anônima do Futebol estariam em tanta evidência como agora. Após seis rodadas, dois dos quatro clubes mais bem colocados no principal torneio do país vivem a realidade empresarial. O Botafogo, do magnata norte-americano John Textor, é líder. O Cruzeiro, comandado por Ronaldo Fenômeno, fecha o G-4, atrás apenas de Palmeiras e Fluminense. É um início empolgante e que pode render frutos. Mas tornar-se SAF não é garantia de sucesso. Especialistas alertam sobre o modelo de gestão.
O torcedor tem memória curta. Quem vê o Botafogo no topo da Série A, com cinco vitórias em seis jogos, talvez não lembre a pressão sobre o alvinegro desde a assinatura do contrato com Textor, em março do ano passado. A pressão por investimentos e, consequentemente, títulos, mais atrapalhou do que ajudou. Porém, o time parece ter entrado nos trilhos após o ano de testes. O cenário é o mesmo para o Cruzeiro. Amargou três anos na segunda divisão e retornou após o incentivo de R$ 400 milhões de Ronaldo Fenômeno. A Raposa capenga no estadual, ficou sem treinador e agora surpreende na quarta colocação.
Para o doutor em administração, mestre em administração de empresas e bacharel em propaganda em marketing, Gustavo Cesário, apesar da largada positiva, é preciso avaliar o cenário com calma. "Ainda não podemos concluir que a SAF tem sido o balizador para dizer que os clubes com esse modelo de gestão estão indo melhor. Como é início de campeonato, também temos que colocar outras variáveis, como se o time fez uma boa pré-temporada, realizou contratações, como estão os técnicos, pois vários clubes tiveram como problemas com treinadores. Os clubes do Campeonato Brasileiro gostam de trocar o pneu com o avião voando, diferente da Europa, que tem mais planejamento", avalia.
Especialista em gestão de marketing, direito do esporte e mestranda em propriedade intelectual e inovação, Roberta Ferreira Severo acredita que o modelo veio para inspirar sucessos. "Existem vários fatores que influenciam. É um bom retrato e prova que a SAF veio para remediar um problema de décadas e histórico do futebol brasileiro, com gestões amadoras e endividamentos sem fim. É a forma mais eficaz de dar a oportunidade para os clubes serem janelas de investimento, mas possibilidade de investimento com segurança. É um grande apanhado histórico que vai te dar o resultado no final das contas", ressalta Severo.
Embora tenha surgido como "salvação", Cesário lembra que o caminho de um SAF não é fácil. "Os clubes movimentam muita gente. Ser seguido por 10 milhões de pessoas é grande para qualquer serviço. Se o profissional consegue fazer a gestão correta, trabalhando o aspecto do financeiro, do torcedor, aí, sim, tem o produto vendável. Não é só sobre o torcedor ir ao estádio. Ele consumirá a marca, que é o mais importante. É a possibilidade de sair de uma gestão amadora para uma profissional", analisa.
Reflexão
O amadorismo no comando dos clubes é um ponto que Roberta Severo chama a atenção. "Vemos que clubes não reconhecem a potencialidade como produto de consumo. Para falarmos do evento esportivo propriamente dito temos que envolver uma série de fatores que contribuem para a experiência do torcedor. É 'fácil' aderir à SAF porque você estará terceirizando a gestão do clube, passando para terceiros com visão profissional. A segurança jurídica é aparente e acreditamos que funcione, mas temos o perigo de ela não dar certo e do gestor fazer o que bem entender. Evidentemente é uma possibilidade e, com certeza, vai ter um impacto positivo para maior competitividade, mas a custo de quê?", questiona.
"Se não transformarmos o futebol brasileiro em um produto atrativo para o mundo inteiro, um local de espetáculo esportivo, continuaremos sendo apenas 'vendedores de commodities'. Somos os maiores exportadores de talentos, mas somos apreciados apenas na Copa do Mundo. Fora dela, o que temos a oferecer?", endossa Roberta.
A especialista chama atenção para um ponto importante: os clubes não devem se desesperar na hora de fechar negócios. Afinal, existem casos de rompimentos na Era das SAFs. Primeira instituição a aderir o movimento no Distrito Federal, o Gama viveu tempos sombrios. A diretoria, porém, comprovou a falta de pagamentos por parte dos investidores e conseguiu a extinção do CNPJ. "Geralmente, o investidor não chega com o contrato pronto. Quem detém o maior bem de maior interesse é associação. O investidor tem o dinheiro. A maior atração é o futebol e os torcedores atrelados a ela. Essas cláusulas precisam ser muito bem discutidas e pontuadas", explica.
Gustavo Cesário faz outro alerta. Presente na gestão Pirelli no Palmeiras, ele comenta sobre o fim de contratos e investimentos. "Trabalhei na época do Palmeiras pós-Parmalat, quando a Parmalat deixou de patrocinar. Toda a mudança foi dramática, pois o clube havia ganho tudo e chega um novo patrocinador que coloca novo investimento, mas não tão grande. Clube e torcida sentem. Se um dia a Crefisa sair do Palmeiras, haverá um baque. Quando se tem uma SAF bem planejada, de olho no futuro, isso não acontece. Haverá um investidor para cobrir as despesas e não ficará tudo na mão de um empresário que toma conta do clube", esclarece.
Aulas de gestão
O mundo da administração esportiva parece um bicho de sete cabeças. Para isso, Gustavo Cesário e Roberta Severo ministrarão um curso na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de 1 a 3 de junho, com abordagens de marketing, estratégia e gestão. Destinada a profissionais da comunicação, administradores, advogados e dirigentes, as aulas presenciais no Rio de Janeiro e on-line para os demais interessados abordarão conceitos básicos do direito desportivo e as modificações legislativas, com análises práticas e estudos de caso. O objetivo é evitar riscos para as marcas dos clubes, empresas, atletas e conflitos jurídicos.
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