inteligência emocional

Atletas apostam na inteligência emocional para obter melhores resultados

Pausa para cuidar da mente ajuda Gabriel Medida a conquistar etapa inédita do Circuito Mundial de Surfe. Inteligência emocional também vira trunfo para o astro do basquete Antetokounmpo enfrentar cobranças excessivas

Victor Parrini
postado em 29/04/2023 03:55
 (crédito: Aaron Hughes/World Surf League)
(crédito: Aaron Hughes/World Surf League)

Atletas do mundo inteiro e das diferentes modalidades entenderam que levar o corpo ao limite é normal para seguir em alto nível. A maior preocupação deles e delas, porém, é com o fator psicológico. Quando a saúde mental está em jogo, muitos optam por fugir dos holofotes e buscar a recuperação. Afinal, eles são gente como a gente. Gabriel Medina comprova isso. Em janeiro do ano passado, pediu um tempo para tratar dessas questões. Admitiu que foi difícil reconhecer o próprio estado e, mesmo assim, tomou a decisão e garantiu que voltaria mais forte.

Dito e feito. Medina não apenas voltou fortalecido como retornou tirando onda. Na madrugada de ontem no Brasil e tarde na Austrália, realizou o sonho com o título inédito na etapa de Margaret River. Superou o norte-americano Griffin Colapinto e faturou o primeiro caneco na temporada 2023 do Circuito Mundial de Surfe. É uma vitória que o fez subir da 11ª para a 7ª colocação, manter vivo o sonho de brigar pelo tetra e de representar o Brasil nos Jogos Olímpicos Paris-2024.

Para o Dr. João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, o caso de Gabriel Medina reforça a necessidade de se cuidar e reconhecer as emoções, além de entender que o atleta, antes de ser um competidor, é um ser humano. "Ele precisou se afastar um pouco (das dispustas) para se reencontrar, buscar e compreender as demandas, atender e fortalecer as necessidades psicológicas e emocionais", analisa ao Correio.

Atuante na área há 30 anos, inclusive com trabalhos desenvolvidos em grandes clubes do país, Cozac explica que o momento da pausa é comum para alguns competidores. "O atleta campeão, muitas vezes, chega em um ponto da carreira que precisa parar um pouco para compreender o momento e se sentir pertencente e merecedor de todo o sucesso e acolher as vitórias e fundamentalmente se preparar para os triunfos seguintes", comenta.

Gabriel Medina seguiu o movimento que ganhou corpo com Simones Biles na final por equipes da ginástica artística e na decisão do individual geral do solo nas Olimpíadas Tóquio-2020. No início, a escolha surpreendeu o mundo, mas foi bem recepcionada. "Assim que eu piso no tatame, sou só eu e a minha cabeça, lidando com demônios. Tenho de fazer o que é certo para mim e me concentrar na minha saúde mental e não prejudicar minha saúde e meu bem-estar", explicou em 2021.

Olhando para trás, Simone Biles reconhece que ter aberto mão dos pódios foi uma das melhores decisões da carreira. "Sair dos Jogos Olímpicos foi uma vitória em si. Eu sei que muitas pessoas pensaram que falhei porque esperavam que eu saísse com cinco ou seis medalhas, mas sair foi minha maior vitória", relatou no ano passado, durante um evento de lideranças nos Estados Unidos.

Mas, ao contrário de Gabriel Medina, Biles perdeu um pouco do espaço nas competições mais relevantes. Em outubro do ano passado, ficou de fora do Mundial de Liverpool. A brasileira Rebeca Andrade assumiu o protagonismo e conquistou o ouro inédito do individual geral. Ao Correio, a queridinha do Brasil fez uma revelação. "Por muitos anos, me preocupei muito com o que as pessoas achavam e esperavam que eu me tornasse no esporte. A partir do momento que mudei a minha cabeça e decidi que não poderia me importar com as expectativas dos outros, (entendi que) a única pessoa que posso controlar, sou eu mesma. Por mais que você queira que eu ganhe, se eu não ganhar, você pode ficar decepcionado comigo, mas isso não pode me afetar a ponto de eu não conseguir ir para o próximo dia de competição", ressaltou.

No tênis, a japonesa Naomi Osaka também optou por deixar as quadras em prol do bem-estar mental. A vencedora de quatro torneios Grand Slam desistiu da disputa de Roland Garros em 2021 ao citar os quadros de depressão e ansiedade. Neste ano, ela ficou de fora do Aberto da Austrália. O motivo, porém, não foi revelado, mas o cuidado psicológico esteve na pauta.

Fracasso que nada

Seguindo a tendência de saber quando desistir, atletas também se mostram adeptos à normalização da derrota e críticos ao rótulo de "máquinas". Na última quarta-feira, o astro da liga norte-americana de basquete, a NBA, Giannis Antetokounmpo, rebateu um jornalista que definiu a eliminação do Milwaukee Bucks para o Miami Heat como "fracasso". Isso porque o time defendido pelo grego foi líder da Conferência Leste, com 58 vitórias, e contrariou os prognósticos com o revés por 4 x 1 para o rival classificado via repescagem.

"Não foi um fracasso. Na verdade, foi um passo rumo ao sucesso. Há muitos degraus para se chegar ao sucesso. O Michael Jordan jogou por 15 anos e foi campeão seis vezes. Então, os outros nove anos foram fracassos? É isso que você está me dizendo?", retrucou.

Visivelmente incomodado com a pergunta, Giannis foi além. "Sua pergunta está errada. Não existe fracasso no esporte. Existem dias bons e dias ruins. Em alguns dias você terá sucesso, em outros, não. Em alguns dias será a sua vez, em outras vezes, não. É disso que os esportes são feitos. Você não ganha sempre. Algumas vezes, as outras pessoas vencem. E, neste ano, outro time vai ganhar. É simples assim", respondeu com veemência.

Dr. João Cozac chamou a atenção para a postura firme de Giannis Antetokounmpo, diferente de outros atletas, que se "encolheriam" diante das críticas da torcida e da mídia. "Ele fala que o Michael Jordan disputou 15 campeonatos, ganhou seis e não fracassou nos outros nove. Ele nos traz a noção de desempenho, de processo. Isso é muito importante no esporte de alto rendimento. Melhorar os processos não significa diretamente que haverá resultados imediatos, mas quando acontecerem, serão muito mais consistentes e duradouros do que quando você não olha para os processos que melhoram o desempenho", frisa.

O psicólogo entende que o posicionamento do astro do basquete reforça que nenhum atleta é uma "máquina". "É uma fala que envolve tanto um caráter humano, no sentido de esforço, dedicação e aprimoramento, quanto no caráter esportivo. Uma vitória é construída pouco a pouco, tempo a tempo, jogo a jogo. Nem sempre essa somatória resultará em um título, uma conquista obrigatória, mas muitas coisas serão fortalecidas para que esse título venha na sequência", pontua o especialista.

 


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