A crítica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre os jogos de tiro durante um discurso segue sendo rebatida pela comunidade gamer do país. Na terça-feira (18/4), enquanto abordava as recentes chacinas em escolas, o chefe do Executivo brasileiro relacionou os games como um dos motivos para o crescimento da violência. Pouco depois, diversos nomes do setor repudiaram a fala. Nesta quarta-feira (19/4), foi a vez da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames) se manifestar.
Em nota ao Correio, a entidade, criada com o objetivo de fortalecer a indústria nacional de desenvolvimento de jogos, tratou as falas de Lula como um “pretexto equivocado e leviano para justificar falhas que envolvem segurança pública, educação, economia, saúde e outras tantas atribuições do Estado”. As associações do Distrito Federal, do Rio Grande do Sul, do Amazonas, do Maranhão, do Ceará, de Goiás, de Minas Gerais, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte, do Rio de Janeiro e de São Paulo também assinam o comunicado.
Durante o discurso, além de reclamar da existência de jogos de tiro — um dos pilares da cena competitiva de eSports em todo o mundo —, o presidente afirmou não haver títulos tratando de “amor e educação”. “Dizer que ‘os jogos ensinam a molecada a matar’ é, no mínimo, irresponsável e demonstra desconhecimento tão grande ou maior do que afirmar que ‘não tem game falando de amor, nem game falando de educação’. Os jogos falam de amor e de educação, assim como falam de cultura, de inclusão social, de diversidade, de superação, de respeito, de esporte e de tantos outros temas extremamente importantes e que nem sempre têm o protagonismo que deveriam ter na sociedade”, pontuou a Abragames.
Inserida no setor há 20 anos, a Abragames citou o trabalho de mais de 130 estúdios de desenvolvimento de jogos no Brasil. “Nesse período, o que não faltam são projetos incríveis, sensíveis e criativos que, pelas mãos de profissionais talentosos e dedicados, contam histórias únicas que transformam vidas e ensinam a trabalhar em equipe, superar adversidades, tomar as melhores decisões e solucionar desafios”, destacou a entidade, citando, ainda, estudos internacionais que afirmam não existir correlação entre os títulos e alterações psicológicas e/ou comportamentais com atos de violência.
A fala de Lula e o posicionamento da Abragames vem à tona poucas semanas após a realização de um encontro entre as partes para aparar as arestas de outra declaração polêmica em âmbito governamental. Em 24 de fevereiro, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o Ministério da Cultura (MinC) receberam representantes da entidade para falar sobre a indústria dos games e o fortalecimento da produção de títulos no país. Em janeiro, a ministra do Esporte, Ana Moser, afirmou não ter interesse em priorizar os eSports por não considerar o cenário como um esporte.
Na nota desta quarta-feira (19/4), a entidade reforçou a importância dos games no crescimento da economia criativa global. “Somente no Brasil, empregam, diretamente, mais de 12.400 profissionais que atuam em mais de 1.000 estúdios. Se referir a um produto tão importante e transformador como “porcarias” é desrespeitar todo legado e todo o potencial intrínseco a ele. Por fim, em um aspecto parece que todos concordam. ‘Somente assim a gente pode mudar o jeito de governar o Brasil: ouvindo quem sabe mais do que a gente’”, destacou.
Repercussão
Ainda na terça-feira (19/4), nomes importantes da comunidade gamer no Brasil se manifestaram em tom de contrariedade com as falas do presidente Lula. Bicampeão mundial de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), um dos games de tiro mais consagrados no mundo, Gabriel "FalleN" utilizou as redes sociais para abordar as falas do chefe do Executivo brasileiro.
“Se o presidente tivesse ideia dos seriados disponíveis na Netflix, acabava o mundo das séries. (Estou na) temporada 4 de “You” e ainda não cometi um homicídio”, ironizou. O influenciador Felipe Neto foi outro a criticar o posicionamento de Lula sobre os games. “Essa análise é rasa, ultrapassada e não reflete a realidade. Mais um erro grotesco na comunicação do Presidente.”, postou no Twitter.
Se o presidente tivesse ideia dos seriados disponíveis na Netflix acabava o mundo das séries
— Gabriel Toledo (@FalleNCS) April 18, 2023
Temporada 4 do “you”e ainda não cometi um homicídio. E olha que da vontade de matar o @vini as vezes ???? https://t.co/O29bV3z7YP
Leia a nota da Abragames na íntegra
Imputar aos games a responsabilidade por atos violentos é se apoiar em um pretexto equivocado e leviano para justificar falhas que envolvem segurança pública, educação, economia, saúde e outras tantas atribuições do Estado. Dizer que “os jogos ensinam a molecada a matar” é, no mínimo, irresponsável e demonstra desconhecimento tão grande ou maior do que afirmar que “não tem game falando de amor, nem game falando de educação”. Os jogos falam de amor e de educação, assim como falam de cultura, de inclusão social, de diversidade, de superação, de respeito, de esporte e de tantos outros temas extremamente importantes e que nem sempre têm o protagonismo que deveriam ter na sociedade.
A Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos), no papel de representante de mais de 130 estúdios nacionais de desenvolvimento de games, assim como cada associação regional espalhada pelo Brasil, acompanha, estuda e incentiva diretamente a indústria brasileira desse setor há quase 20 anos. Nesse período, o que não faltam são projetos incríveis, sensíveis e criativos que, pelas mãos de profissionais talentosos e dedicados, contam histórias únicas que transformam vidas (de quem faz e de quem joga) e ensinam a trabalhar em equipe, superar adversidades, tomar as melhores decisões e solucionar desafios.
Aliás, os principais estudos internacionais não revelam evidências de que os jogos induzem alterações neurológicas, psicológicas e/ou comportamentais e atos de violência. Pelo contrário, eles apresentam descobertas consistentes em relação a melhoras de habilidades cognitivas, com ganhos documentados em relação à velocidade de raciocínio, controle de atenção e memória. Mais do que isso, há diversos exemplos de jogos com objetivos diretamente relacionados à melhora da saúde, da educação e da socialização.
Os games encabeçam o crescimento da economia criativa global e só no Brasil empregam, diretamente, mais de 12.400 profissionais que atuam em mais de 1.000 estúdios. Se referir a um produto tão importante e transformador como “porcarias” é desrespeitar todo legado e todo o potencial intrínseco a ele. Como os filmes, as novelas, a música, os livros, as notícias, os esportes, os formadores de opinião e tantas outras referências, os games fazem parte de uma sociedade diversa e muito rica, onde os exemplos não podem ser tirados de contextos nem servir como desculpa para falhas estruturais e políticas públicas ineficazes.
Por fim, em um aspecto parece que todos concordam. “Somente assim a gente pode mudar o jeito de governar o Brasil: ouvindo quem sabe mais do que a gente”. A Abragames e as associações regionais se compadecem pelos recentes episódios violentos e, cientes de suas responsabilidades e deveres, estão sempre dispostas e disponíveis para abrir diálogo e contribuir com a criação de um ecossistema saudável de informações no que tange a indústria dos games. Mais do que isso, estão prontas para colaborar com diversos exemplos e projetos brasileiros que vão ajudar a combater a desinformação e a orientar famílias com relação ao desenvolvimento e consumo dos games por crianças e adolescentes.
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