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A vida discreta de Zico em Brasília quando foi ministro do Esporte

Nos 70 anos do Galinho de Quintino, o melhor parceiro do craque no DF abre baú de revelações em entrevista ao Correio Braziliense: Zico recusou imóvel funcional, morou na casa de amigo, foi "chofer" de criança, dava autógrafo na porta de colégio da Asa Norte e teve carro histórico de 1981 empurrado no Lago Sul

Marcos Paulo Lima
postado em 03/03/2023 20:12 / atualizado em 03/03/2023 20:15
 (crédito: kleber sales)
(crédito: kleber sales)

O melhor amigo de Arthur Antunes Coimbra no Distrito Federal chama-se Marcus Vinícius Bucar Nunes. Aos 78 anos, o piauiense de Floriano tem livro sobre o maior ídolo do Flamengo: "Zico, Uma Lição de Vida". Radicado em Brasília desde 1960, Marcus Vinícius se mudou para o Rio, onde viveu de 1964 a 1971 e conheceu a Família Coimbra. Voltou para o Quadradinho e lá se vão 45 anos de amizade. Em entrevista ao Correio Braziliense, Marcus Vinícius conta histórias inéditas da passagem do camisa 10 da Gávea pelo DF como morador na época em que foi ministro do Esporte de Collor. Motorista da filha dele nas horas vagas, Zico parava o trânsito no portão do Maristinha da Asa Norte em um Fiat Uno.

 

Como vê a chegada do amigo Zico aos 70 anos?
O moleque responsável de Quintino chega aos 70 cercado de muito carinho e com a certeza e a sensação de que está e (sempre) esteve no rumo certo.

Por que o Zico é sinônimo de sucesso?
Zico soube sobreviver à sua época. Poucos conseguem isso. Suas conquistas e seus méritos continuam explícitos e suas histórias vão continuar por meio das gerações, provavelmente não só por conta da paixão popular que passa de pais para filhos, mas, principalmente. pela disponibilidade da Internet que manterá ao alcance das mãos as lembranças, dos gols, das jogadas brilhantes — dentro e fora das quatro linhas.

Mas nem sempre foi fácil…
O caminho foi longo, às vezes, cruel. E nesse caminho pude acompanhar de pertinho a trajetória dele aqui (no Brasil), na Itália e no Japão. Nos bons e nos difíceis momentos. Por isso, posso afirmar, de forma categórica, que Zico carrega, sim, junto às conquistas e feitos, uma força imensa de exemplo às gerações, em termos sociológicos e humanos e em nome de uma determinação sem limites.

Quando se aproximou do Zico?
Conheci a família por meio do irmão dele, Antunes, outro bom de bola. Estudávamos na Universidade Gama Filho, ali também, em Quintino. Convivi com todos e nossa amizade surgiu.

A amizade virou livrou…
A carreira dele já foi contada por mim quando escrevi a biografia “Zico Uma Lição de Vida”, evidenciando feitos nos gramados, a determinação e a história, de forma minuciosa. Quero enaltecer aqui o Zico amigo de verdade, sempre com atitudes de um grande homem, de um grande amigo.

Um amigo que morou na sua casa quando foi ministro do Esporte?
Zico foi ministro do Esporte (no governo de Fernando Collor de Melo). Veio morar em Brasília. E não quis o apartamento funcional a que tinha direito. Quando decidiu que aceitaria o convite, foi direto: “Tem um canto pra dormir na tua casa? Vou ficar lá”. E ficou.

Como foi ter o Zico como hóspede?
Nos quase dois anos que ficou por aqui, ele nos deu a honra de uma convivência realmente fraterna.Vários foram os momentos descontraídos nesse período. Minha família adorava as brincadeiras dele. E o carinho encantava a todos nós.

A ponto de ele assumir carinhosamente o papel de chofer da sua filha?
Não tem como esquecer algumas atitudes de muito carinho. Era simplesmente inacreditável ver o Zico dirigindo algumas vezes um Uno Fiat, para pegar minha de 11 anos no colégio. Não satisfeito, descia do carro para abrir a porta para ela entrar cheia de vergonha dos amigos que vinham juntos para fotos e autógrafos.

E como ele reagia?
Pacientemente atendia a todos com o maior carinho.

Lembranças da intimidade quando ele morou na sua casa?
Como era bom, tirar manga do pé, sentados literalmente em um tamborete para devorá-la sem medo dos protocolos, relembrando fatos, contando histórias; Como eram boas as peladas em Brasília. Nunca marquei tantos gols como nesses rachas. Era até fácil demais.

Quais foram os momentos inesquecíveis?
Alguns momentos marcam nossa amizade de maneira muito especial. A primeira foi quando jantávamos em casa e falávamos do triste Brasil x França (na Copa de 1986). Propus um jogo “revanche” entre as duas seleções de máster. A reação dele foi incrível. Acionou Platini
por telefone, falou da ideia e pediu que ele tentasse motivar os jogadores que haviam participado do jogo da Copa. A ideia era fazer um evento beneficente com renda toda doada. Assim fizemos. Realizamos um grande jogo (Brasil 5 x 2). Uma tarde de gala inesquecível (no Mané Garrincha) com renda inteiramente doada para uma entidade filantrópica do Distrito Federal.

Houve outros momentos eternos em Brasília?
A segunda, foi a parceria que fizemos com o Sebrae, com a Feira do Empreendedor. Pela primeira vez, ele permitiu que quase todos os troféus dele saíssem do Rio para uma exposição. E até o Toyota Celica, que ele ganhou como melhor jogador no Mundial de Clubes de 1981, veio parar nessa exposição. Coisa de amigo. Mas deu trabalho.

Você dirigia o carro do Mundial de Clubes nas ruas do Distrito Federal?
O fato inusitado está no pane que o carro teve na carburação, parando no meio da rua principal do Lago Sul, em plena hora de trânsito total, 18h30. Sem perder tempo, larguei a direção e sai empurrando o “troféu” para um posto de gasolina bem próximo.

Certamente o veículo chamou a atenção.
Foi nesse momento que outro carro parou e o motorista perguntou se aquele carro não era o que o Zico havia ganhado no Japão. Confirmei que era e obtive magicamente mais três flamenguistas ajudando a fazer o carro chegar no posto de gasolina. Quando contei a história pra ele (Zico) de forma hilária, a gozação foi total com muitas risadas.

A ideia do jogo de despedida do futebol partiu de você?
Quando ele começou a falar em parar, o evento da despedida já ocupava a minha cabeça com um roteiro dígno de um ídolo de verdade. Contei para ele como havia imaginado numa viagem entre Udine e Verona, na Itália. Logo depois, já no Brasil, o conceito da festa estava pronto – Se futebol tem alma, o nome dela é Zico.

Quais são as lembranças daquele dia especial?
Em 6 de fevereiro de 1990, o Maracanã, explodindo de emoção, recebeu mais de 100 mil pessoas. E vale um detalhe: no domingo anterior, o Fla-Flu ficou com o público de 18 mil. Antes de entrar em campo, com os efeitos de raios laser agitando o Maracanã, Zico, muito emocionado, parado ao meu lado, disse que o velho Antunes (pai) gostaria de ver tudo aquilo. Era hora de entrar no gramado. O acesso, foi no túnel, de árbitros, oposto aos túneis tradicionais usados pelas equipes e por onde já haviam entrado a Seleção do Mundo e o Flamengo de todos os tempos. Os raios laser criaram um túnel e ele partiu para a despedida com o manto sagrado no corpo.

Como é conviver há tanto tempo com um ídolo-amigo?
A força modeladora que o ídolo possui tem uma influência enorme sobre a criança, o jovem, adolescente. Quando ele surge, principalmente nos nossos dias, de maneira positiva, formando um contexto de ações que envolvem determinação, vitórias, sucesso, conscientização familiar, realmente é um fato extraordinário. Zico sempre teve essa dimensão. É difícil falar de um amigo com essas virtudes sem parecer um bajulador sem noção. Tenho orgulho de me localizar no contexto da sua história. Vida longa ao Rei Arthur.

Está de malas prontas para ir à festa no Rio?
Fui convocado para a festa. Ele cobrou agora há pouco. Estou indo pra festa dos 70 anos amanhã (hoje). Mesmo com um incômodo na coluna.

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