Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, vivia em um mundo à parte monárquico, mas algumas vezes saiu do trono para assumir um papel, digamos, republicano. Foi assim, por exemplo, em 1995, quando aceitou a missão de assumir o Ministério do Esporte no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Comandou a pasta por três anos e fez um barulho danado. Queria modernizar o futebol. Um dos caminhos era a garantia dos direitos trabalhistas dos atletas. Na gestão do Rei, FHC sancionou a Lei Pelé. Deu pano para as mangas.
O texto previa a extinção do passe nos contratos dos jogadores de futebol com os clubes. Dava mais autonomia nas relações. Era praticamente uma carta de alforria. À época, os atletas eram praticamente propriedade dos times. Incomodado com a influência do Estado nas relações trabalhistas, o então presidente da Fifa, João Havelange, ameaçou tirar o Brasil da Copa de 1998. Confeccionado em uma era analógica, o texto elaborado há mais de 20 anos passa por uma atualização para a era digital no Congresso Nacional.
As relações de Pelé com a política começaram bem antes, no Regime Militar. Alguns o consideravam próximo demais do poder. Outros, perigosamente distante daquele sistema. Depois do tri, em 1970, o craque decidiu deixar a Seleção. Não cedeu à pressão para que fosse à Alemanha defender o título em 1974. Diante da negativa, não teve direito sequer a uma homenagem no adeus. O governo considerou a atitude indisciplina esportiva.
O então ministro Jarbas Passarinho explicou à época por que a aposentadoria de Pelé da Seleção estava sendo ignorada pelo regime. “Só na despedida definitiva é que governo e o povo lhe prestarão a consagração que o encerramento justificará”, alegou.
Presidente da Confederação Brasileira de Desportos, rebatizada de CBF, João Havelange recorreu às leis para impor a presença de Pelé na Copa de 1974. Apelou ao decreto-lei 5.199. O texto lhe dava o direito de “requisitar qualquer jogador” sujeito a “ser suspenso e sofrer outras punições legais, dentro da legislação” em caso de recusa.
O último apelo para que ele representasse o Brasil no Mundial foi feito aqui na capital do país. Em janeiro de 1972, a imprensa destacou: “Pelé não aceitou, ontem à tarde, em Brasília, o último e mais importante apelo de quantos lhe foram feitos para voltar à Seleção Brasileira: do presidente Garrastazu Médici, que o apresentou ‘na condição de representante da torcida brasileira’, durante audiência concedida no Palácio do Planalto ao jogador e à diretoria do Santos.”
O “não” foi um golpe também em Havelange, que tentava organizar um torneio com as principais seleções do mundo em 1972. Era parte de sua campanha para assumir a presidência da Fifa, que viria a ser bem-sucedida. Mas o torneio não foi. Além de Pelé, Alemanha, Itália e Inglaterra também não quiseram participar.