Com as devidas adaptações e licenças poéticas à letra da música Mulheres, interpretada por Martinho
da Vila, a exigente dona bola já teve parceiros eleitos melhores do mundo de todas as cores, de várias idades e de muitos amores. Com uns até certo tempo ficou. Para outros, apenas um pouco se deu. Madame bola já teve craques do tipo atrevido, do tipo acanhado, do tipo vivido. Gênios cabeças e desequilibrados. Astros confusos, de guerra e de paz. Mas nenhum deles fez a senhorita pelota tão feliz como Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, fez durante 82 anos com apenas três camisas: Santos, New York Cosmos e Seleção Brasileira.
Nascido em 23 de outubro de 1940, o mineiro de Três Corações estreou como jogador profissional no feriado do Dia da Independência, em 1956, contra o Corinthians de Santo André (SP). Coincidentemente, naquele ano, a revista France Football inaugurava o prêmio mais tradicional. O inglês Stanley Matthews, do Blackpool, conquistava o Ballon d’Or (Bola de Ouro) — restrito a jogadores em atividade na Europa até 1994. Mais tarde, em 1991, surgiu o Fifa Player of The Year da Fifa, rebatizado Fifa The Best.
Levantamento do Correio mostra que, da estreia de Pelé no futebol até hoje, 47 jogadores diferentes
conquistaram a Bola de Ouro e/ou a estatueta da Fifa. Outros dois ganharam o prêmio em caráter especial: Maradona, que atuou na Europa por Barcelona, Napoli e Sevilla; e Pelé, fiel ao Santos e depois ao Cosmos, nos EUA. Uma revisão deu ao Rei sete troféus, em 2014.
Mal sabiam os criadores das diferentes e badaladas distinções que Edson Arantes do Nascimento nasceu para ser hors concours. Enquanto os vencedores em série se achavam reis nos limites geográficos da Europa, Pelé deixava o mundo aos pés dele com as conquistas de três Copas (1958, 1962 e 1970), duas Copas Intercontinentais, duas Libertadores e 1.283 gols.
Em 19 de novembro de 1969, a Terra parou para testemunhar o milésimo gol da majestade. O reconhecimento ao mandato infinito do Rei que não abdica partiu de vários príncipes melhores do mundo.
Vencedor da Bola de Ouro, em 1966, ao levar a ao brindar a Inglaterra com o título inédito da Copa do Mundo, o ídolo do Manchester United, Bobby Charlton, 83, definiu o Rei. “Às vezes, acho que o futebol foi inventado para esse jogador mágico”.
Coroado Bola de Ouro em 1971, 1973 e 1974, Johan Cruyff (1947-2016) também assumiu o
papel de súdito. “Pelé foi o único jogador de futebol a superar os limites da lógica”. Antes de Messi e de Maradona, o argentino naturalizado espanhol Di Stéfano (1926-2014) era colocado no patamar do melhor de todos os tempos. Mas até o craque laureado em 1957 e 1959 desceu do pedestal. “O melhor de todos os tempos? Pelé. Messi e Cristiano Ronaldo são ótimos jogadores com qualidades específicas, mas Pelé era melhor”.
Eleito cinco vezes melhor do mundo, Cristiano Ronaldo endossa na língua de Camões.”Pelé é o maior jogador na história do futebol, e só haverá um Pelé no mundo”. O Rei não se distingue dos
melhores do mundo só na bola. Era simpático com a maior ameaça. “Messi é incansável,
maravilhoso e brilhante. É lindo te ver jogar. Bem-vindo ao clube dos 700 gols. Obrigado pelo espetáculo”, postou Pelé, em 2 de julho de 2020, nas redes sociais.
Aos 30 anos, o Rei tinha três Copas e mais de mil gols. Messi, aos 33, ainda não tinha Mundial —
conquistado pela primeira vez neste ano — mas é candidatíssimo a alcançar o milésimo gol.
Pelé foi além do futebol. Desfilou no mundo da política, economia, cultura... Cumpriu a profecia de Andy Warhol (1928/1987), papa do pop art. “No futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos. Todo mundo, vírgula. Pelé será famoso por 15 séculos”.
O negro pobre de Três Corações (MG) tornou-se Cavaleiro Honorário do Império Britânico. Recebeu a distinção luxuosa das mãos da Rainha Elizabeth II. Ganhou status de Cidadão do Mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU). Foi celebrado por presidentes dos EUA, na Casa Branca, e pelo papa, no Vaticano.
Lutou no estilo Pelé de ser contra o racismo, como no discurso do Rei documentado na autobiografia publicada no Brasil, em 2006, pela editora Sextante. “A escravidão não está muito distante no passado — sou apenas da terceira geração que nasceu livre na minha família. Gritem comigo: ‘Digam não ao racismo’”, pediu o Rei, em 2010, no estádio Newlands, quando a anfitriã África do Sul aguardava
pelo início da Copa do Mundo. Aos que duvidam, hoje, da eficiência e da arte de Pelé no futebol pós-moderno, ele mesmo deu a resposta quando celebrou 70 anos. “Michelangelo pintaria bem hoje? Mozart tocaria bem? Pelé jogaria bem? Claro. As condições são melhores”.
O camisa 10 virou Rei antes mesmo de ser, como definiu o jornalista Armando Nogueira em um encontro com ele aos 17 anos, no Maracanã, depois de uma vitória do Santos por 5 x 3 contra o América-RJ. “Pelé
já era o melhor muito antes de ser e continua sendo mesmo depois de ter sido.” A frase foi publicada pela revista Placar na edição comemorativa de 50 anos do Rei. Texto de Armando Nogueira. O mesmo homem do encontro com o menino de 17 anos, no vestiário do Maracanã, depois de uma vitória sobre o América, por 5 x 3. “Pelé já era o melhor muito antes de ser e continua sendo mesmo depois de ter sido”, escreveu na revista Placar, em 1990, quando Pelé completou 50 anos.
“Pelé foi o único jogador de futebol a superar os limites da lógica” Johann Cruyff, Bola de Ouro em 1973 e 1974
“Às vezes, acho que o futebol foi inventado para esse jogador mágico” Bobby Charlton, Bola de Ouro em 1966
“Pelé é o maior jogador na história do futebol, e só haverá um Pelé no mundo” Cristiano Ronaldo, Bola de Ouro em 2008, 13, 14, 16 e 17
“O melhor de todos os tempos? Messi e Cristiano Ronaldo são ótimos, mas Pelé era melhor” Di Stéfano, Bola de Ouro em 1957 e 1959