O homem que se tornou o maior jogador de futebol de todos os tempos e entrou para o panteão do esporte mundial também foi reverenciado como majestade por reis, papas e presidentes. Foi exemplo para crianças de gerações e de nacionalidades diferentes, que sonhavam com a magia da bola, além de modelo para outros craques. O planeta se curvou aos lances geniais de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que desafiava a gravidade e ousava fazer poesia com os pés. Em torno dele, criou-se até o mito de que um jogo entre o Santos Futebol Clube — o único clube brasileiro em que atuou — e a seleção da Nigéria parou um sangrento conflito civil por 48 horas, em 1969.
Há controvérsias. Especialistas garantem que a chamada "Guerra do Biafra" estava sob controle do governo. De qualquer modo, a paz reinou por dois dias para que Pelé e seus companheiros de time esbanjassem talento na Cidade de Benin, no sudoeste da Nigéria, em meio a uma excursão do alvinegro praiano à África. O time brasileiro ganhou a partida por 2 a 1, com dois gols de Pelé. "Ele nos ensinou e comprovou que o futebol tem esse poder de unir e unificar as pessoas em qualquer situação, até mesmo numa guerra", afirmou ao Correio a jornalista Angélica Basthi, mestre em comunicação e cultura e biógrafa de Pelé.
Um ano antes, o atleta marcou o seu 900º gol durante um amistoso entre jogadores paulistas e cariocas, no Maracanã. Na tribuna de honra, ninguém menos do que a rainha Elizabeth II, então com 42 anos, assistiu à partida e entregou o troféu à equipe de Pelé, que derrotou os cariocas pelo placar de 3 a 2. Ao ser apresentada ao Rei, que marcou um dos gols, a monarca britânica respondeu: "Já o conheço de nome e me sinto muito feliz em cumprimentá-lo". Elizabeth II condecorou Pelé, 19 anos depois, como Cavaleiro da Coroa Britânica — uma comenda equivalente ao título de "Sir", honraria dada apenas aos britânicos.
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Pelé também foi recebido por três papas — Paulo VI (em março de 1966), João Paulo II (em março de 1978) e Bento XVI (em agosto de 2005) — e presenteou um quarto, o atual pontífice argentino Jorge Mario Bergoglio, com uma antiga camisa da seleção brasileira acompanhada da dedicatória "Para o papa Francisco, com respeito e admiração. Edson, Pelé".
Cinco ex-presidentes dos Estados Unidos se renderam ao Rei. No encontro com Richard Nixon, em 8 de maio de 1973, Pelé ouviu do anfitrião: "Você é o maior do mundo". Em 28 de junho de 1975, o brasileiro tentou ensinar Gerald Ford a fazer embaixadinhas, no jardim da Casa Branca. Uma bola foi oferecida por ele a Jimmy Carter, em 28 de março de 1977. Pelé jogava havia dois anos pelo New York Cosmos, onde encerrou a carreira. "Ele elevou o futebol a um nível nunca antes visto na América", declarou Carter, durante a reunião.
No ano seguinte, Carter veio a Brasília e fez elogios a Pelé, ao discursar ao lado do então presidente Ernesto Geisel. "Não posso deixar de mencionar o nosso agradecimento ao Brasil por ter partilhado conosco um dos mais valiosos tesouros nacionais, na pessoa que, talvez, seja o maior atleta de todos os tempos, o incomparável Pelé". Em 1982, foi a vez do encontro com outro líder, em Washington. "Prazer, sou Ronald Reagan, presidente dos EUA. Mas você não precisa se apresentar. Pelé todo mundo sabe quem é", disse o republicano.
De fato, a Organização das Nações Unidas (ONU) o reconheceu como "Um cidadão do mundo", por meio de certificado. "Fiquei muito comovido com essa deferência", disse o rei, no momento em que buscava planos para depois da aposentadoria no futebol. Ao longo dos 82 anos de vida, Pelé teve 17 passaportes e visitou 72 países. Não apenas "parou" a guerra na Nigéria, como fez com que empregados suspendessem as atividades por algumas horas para vê-lo jogar. "Hoje não trabalharemos, pois vamos ver Pelé" — a frase estampava um cartaz na Cidade do México, em meio à Copa de 1970.
Em 14 de outubro de 1997, Bill Clinton veio ao Brasil e se reuniu com Pelé, então ministro do Esporte, na Vila Olímpica da Mangueira, no Rio de Janeiro. Ambos chegaram a bater bola em uma escolinha de futebol e posaram para foto com crianças da comunidade, diante da bandeira da Estação Primeira de Mangueira. O democrata Barack Obama esteve com Pelé em 30 de maio de 2019, em São Paulo, onde o primeiro presidente negro da história dos EUA ministrou palestras. "Ele é a única lenda viva que eu queria conhecer e ainda não tinha conhecido", disse Obama.
Um encontro em particular marcou o brasileiro. Convidado para um amistoso em homenagem ao 89º aniversário de Nelson Mandela, Pelé visitou o ex-presidente sul-africano em Joanesburgo, acompanhado do camaronês Samuel Eto'o. "Estive com grandes personalidades na minha vida, mas Nelson Mandela é uma pessoa extraordinária", afirmou o brasileiro, que chegou a ter o milésimo gol reproduzido pelo pintor Andy Warhol, em 1977. O próprio artista pop reconheceu a importância do Rei. "Você é a única celebridade que, em vez de durar 15 minutos, durará 15 séculos", brincou Warhol. Ontem, a majestade sem fronteiras tornou-se lenda.