Doha — Entre os labirintos de Souq Waqif, o mercado popular da capital do Catar, um dos caminhos leva a uma loja que virou parque de diversão dos torcedores argentinos. O estabelecimento chama-se Bescht Al-Salem. No interior está um discreto empresário nascido em Hadramout, no Iêmen. Asaad Haj surge por trás de um vidro. Na área privativa onde ele estava funciona uma ateliê. Os colaboradores dele tiveram uma missão inesquecível 10 dias antes da final da Copa do Mundo: confeccionar o bisht usado por Lionel Messi ao levar o troféu do tricampeonato alviceleste depois da vitória por 4 x 2, no Estádio Icônico de Lusail, na final das finais do último domingo. Segundo o proprietário, a roupa também pode ser chamada de najafi.
A loja virou ponto turístico. Havia uma romaria no corredor estreito na noite de segunda-feira e na manhã de ontem. A porta mal fechava e uma mano de D10S rapidamente a abria novamente. Peças do mostruário são usadas por fanáticos dispostos a vestir a túnica preta e dourada, tirar fotos, produzir vídeo e ostentar nas redes sociais o gesto do jogador eleito sete vezes melhor do mundo. "O movimento aumentou. Vendemos cerca de 50 depois da final para argentinos e outros fãs interessados no nosso produto", contabiliza Asaad, em entrevista ao Correio.
Não é barato. "Nós oferecemos diferentes preços. Parte de 200 riales (R$ 300) e pode chegar a 4.500 riales (R$ 6.750)", revela.
Na noite de segunda-feira, o torcedor Gonzalo Scarramberg foi até a loja para tirar onda. Queria uma foto com a túnica, robe, ou chambre, como a peça tem sido chamada no Brasil. "Não posso explicar a sensação de vestir isso. Para mim, é um sonho ter assistido, no estádio, o Messi ser campeão. Foi um jogo sofrido, mas para nós é algo inesquecível", emocionou-se o argentino mais brasiliense de Doha. Gonzalo morou 10 anos na capital federal. O pai dele trabalhava como militar na embaixada do país vizinho no Brasil.
Asaad recebeu a encomenda da Fifa 10 dias antes da decisão. Imaginava que alguém usaria na decisão do título. O nome de quem pagou a conta é mantido sob sigilo. A cor do pedido indicou em qual turno do dia ela seria usada.
Há três cores de bisht: branca para o dia, marrom durante a tarde e preto à noite. Costuma ser usado em ocasiões importantes como o casamento ou alguma cerimônia religiosa do islamismo. Há fotos imponentes do emir Tamim bin Hamad al-Thani com a indumentária destacadas em uma das paredes da loja.
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Drama na produção
Os colaboradores de Asaad viveram um drama na produção. Sabiam que o capitão de uma das duas seleções usaria a peça, mas não faziam a mínima ideia das medidas dos candidatos a receber o troféu das mãos do emir e do presidente da Fifa, Gianni Infantino. "Quando soubemos do duelo entre Argentina e Franca, nós ficamos preocupados. O Messi é baixo (1,69m) e o Lloris (goleiro da França) é bem alto (1,88m). Era preciso achar um meio-termo para não ficar grande demais para um capitão nem pequeno para o outro", admite o empresário.
Souq Wakif tem de tudo. Dos produtos autênticos, caríssimos, às réplicas, imitações baratas ou falsificadas, mesmo. O antídoto de Asaad contra os incrédulos é uma fotografia fechada no emir do Catar no momento em que ele coloca o bisht em Messi. Ele mostra a logomarca da loja e a etiqueta colocada nas costas do camisa 10 da Argentina na premiação. Exibe com um sorriso de quem está encantado com a repercussão do trabalho.
O preço para a confecção do bisht depende do bolso de quem encomenda. A Fifa escolheu uma versão completa. No mesmo patamar, por exemplo, que o emir vestiria em noite de gala. Há opções em algodão, seda e nos tecidos mais nobres para agradar a clientela. O da final da Copa foi produzido de maneira artesanal, quase feito totalmente com as mãos.
Os compromissos são quase sempre fechados com total discrição. A Fifa e o Catar surpreenderam na cerimônia de premiação ao respeitar não somente a cultura, mas a liturgia dos momentos de glória dos povos árabes. "Não imaginávamos que causaria tanta surpresa, como aconteceu no Lusail Stadium. Não sabemos quem pediu para preparar. Talvez a Fifa, talvez alguém que desconhecemos", driblou. No fundo ele sabe, mas não pode contar.