Homenagem

Relembre os chefes de estado que reverenciavam o rei Pelé

Ele foi reverenciado por cinco presidentes dos EUA e quatro papas, recebeu da rainha Elizabeth II o título de Cavaleiro da Coroa Britânica e teria interrompido uma guerra civil por dois dias na África. Pelé entra para a história como unanimidade internacional

Rodrigo Craveiro
postado em 30/12/2022 06:00
 (crédito: Reprodução/Twitter/Pelé)
(crédito: Reprodução/Twitter/Pelé)

O homem que se tornou o maior jogador de futebol de todos os tempos e entrou para o panteão do esporte mundial também foi reverenciado como majestade por reis, papas e presidentes. Foi exemplo para crianças de gerações e de nacionalidades diferentes, que sonhavam com a magia da bola, além de modelo para outros craques. O planeta se curvou aos lances geniais de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que desafiava a gravidade e ousava fazer poesia com os pés. Em torno dele, criou-se até o mito de que um jogo entre o Santos Futebol Clube — o único clube brasileiro em que atuou — e a seleção da Nigéria parou um sangrento conflito civil por 48 horas, em 1969.

Há controvérsias. Especialistas garantem que a chamada "Guerra do Biafra" estava sob controle do governo. De qualquer modo, a paz reinou por dois dias para que Pelé e seus companheiros de time esbanjassem talento na Cidade de Benin, no sudoeste da Nigéria, em meio a uma excursão do alvinegro praiano à África. O time brasileiro ganhou a partida por 2 a 1, com dois gols de Pelé. "Ele nos ensinou e comprovou que o futebol tem esse poder de unir e unificar as pessoas em qualquer situação, até mesmo numa guerra", afirmou ao Correio a jornalista Angélica Basthi, mestre em comunicação e cultura e biógrafa de Pelé.

Um ano antes, o atleta marcou o seu 900º gol durante um amistoso entre jogadores paulistas e cariocas, no Maracanã. Na tribuna de honra, ninguém menos do que a rainha Elizabeth II, então com 42 anos, assistiu à partida e entregou o troféu à equipe de Pelé, que derrotou os cariocas pelo placar de 3 a 2. Ao ser apresentada ao Rei, que marcou um dos gols, a monarca britânica respondeu: "Já o conheço de nome e me sinto muito feliz em cumprimentá-lo". Elizabeth II condecorou Pelé, 19 anos depois, como Cavaleiro da Coroa Britânica — uma comenda equivalente ao título de "Sir", honraria dada apenas aos britânicos.

Pelé também foi recebido por três papas — Paulo VI (em março de 1966), João Paulo II (em março de 1978) e Bento XVI (em agosto de 2005) — e presenteou um quarto, o atual pontífice argentino Jorge Mario Bergoglio, com uma antiga camisa da seleção brasileira acompanhada da dedicatória "Para o papa Francisco, com respeito e admiração. Edson, Pelé".

Cinco ex-presidentes dos Estados Unidos se renderam ao Rei. No encontro com Richard Nixon, em 8 de maio de 1973, Pelé ouviu do anfitrião: "Você é o maior do mundo". Em 28 de junho de 1975, o brasileiro tentou ensinar Gerald Ford a fazer embaixadinhas, no jardim da Casa Branca. Uma bola foi oferecida por ele a Jimmy Carter, em 28 de março de 1977. Pelé jogava havia dois anos pelo New York Cosmos, onde encerrou a carreira. "Ele elevou o futebol a um nível nunca antes visto na América", declarou Carter, durante a reunião.

No ano seguinte, Carter veio a Brasília e fez elogios a Pelé, ao discursar ao lado do então presidente Ernesto Geisel. "Não posso deixar de mencionar o nosso agradecimento ao Brasil por ter partilhado conosco um dos mais valiosos tesouros nacionais, na pessoa que, talvez, seja o maior atleta de todos os tempos, o incomparável Pelé". Em  1982, foi a vez do encontro com outro líder, em Washington. "Prazer, sou Ronald Reagan, presidente dos EUA. Mas você não precisa se apresentar. Pelé todo mundo sabe quem é", disse o republicano.

De fato, a Organização das Nações Unidas (ONU) o reconheceu como "Um cidadão do mundo", por meio de certificado. "Fiquei muito comovido com essa deferência", disse o rei, no momento em que buscava planos para depois da aposentadoria no futebol. Ao longo dos 82 anos de vida, Pelé teve 17 passaportes e visitou 72 países. Não apenas "parou" a guerra na Nigéria, como fez com que empregados suspendessem as atividades por algumas horas para vê-lo jogar. "Hoje não trabalharemos, pois vamos ver Pelé" — a frase estampava um cartaz na Cidade do México, em meio à Copa de 1970. 

Em 14 de outubro de 1997, Bill Clinton veio ao Brasil e se reuniu com Pelé, então ministro do Esporte, na Vila Olímpica da Mangueira, no Rio de Janeiro. Ambos chegaram a bater bola em uma escolinha de futebol e posaram para foto com crianças da comunidade, diante da bandeira da Estação Primeira de Mangueira. O democrata Barack Obama esteve com Pelé em 30 de maio de 2019, em São Paulo, onde o primeiro presidente negro da história dos EUA ministrou palestras. "Ele é a única lenda viva que eu queria conhecer e ainda não tinha conhecido", disse Obama.

Um encontro em particular marcou o brasileiro. Convidado para um amistoso em homenagem ao 89º aniversário de Nelson Mandela, Pelé visitou o ex-presidente sul-africano em Joanesburgo, acompanhado do camaronês Samuel Eto'o. "Estive com grandes personalidades na minha vida, mas Nelson Mandela é uma pessoa extraordinária", afirmou o brasileiro, que chegou a ter o milésimo gol reproduzido pelo pintor Andy Warhol, em 1977. O próprio artista pop reconheceu a importância do Rei. "Você é a única celebridade que, em vez de durar 15 minutos, durará 15 séculos", brincou Warhol. Ontem, a majestade sem fronteiras tornou-se lenda.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Barack Obama com o Rei, a quem considerava
    Barack Obama com o Rei, a quem considerava "a única lenda viva" Foto: Reprodução/Instagram @barackobama
  • Pelé representado por trabalho de serigrafia de Andy Warhol, ícone da cultura pop
    Pelé representado por trabalho de serigrafia de Andy Warhol, ícone da cultura pop Foto: Twitter/Reprodução
  • Sorrisos antes da partida entre Santos e seleção da Nigéria, na Cidade de Benin, em 1969
    Sorrisos antes da partida entre Santos e seleção da Nigéria, na Cidade de Benin, em 1969 Foto: Twitter/Reprodução

Um gênio compreendido

 (crédito:  Alberto Ferreira/AJB)
crédito: Alberto Ferreira/AJB

Edson Arantes do Nascimento foi gênio, mas longe de ser um incompreendido. O maior jogador de todos os tempos brindou o mundo com jogadas fenomenais, perfeitamente executadas. Perfeitas não porque comentaristas, ex-boleiros ou jornalistas dizem, mas, sim, porque a ciência crava. E contra fatos não há argumentos.

Lances como o gol de bicicleta mais memorável da história, pelo New York Cosmos, em 1976, fizeram a ciência se curvar ao Rei do Futebol. Quarenta e seis anos depois do lance antológico, especialistas ainda se maravilham com o movimento jamais repetido. Para Marcos Duarte, professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da Universidade de São Paulo (USP), a jogada foi perfeita.

"Embora Pelé não tenha sido o inventor do movimento, ele foi, sim, o inventor do que podemos chamar de bicicleta ideal, ou a bicicleta perfeita", disse ao Correio. "A beleza dos movimentos ajuda, inclusive, na diferenciação do que é uma bicicleta autêntica, em comparação às variações desse movimento. Cruzar as pernas no ar caracteriza a autêntica bicicleta", complementa.

Apesar de ser o caso de maior sucesso na história do futebol, Pelé ainda não foi estudado. Mas isso não diminui a genialidade de um ser completo. "O desempenho dele sugere que Pelé tinha um nível atlético excepcional, em termos de força, de raciocínio e de tomada de decisão, como nenhum outro jogador", analisa Duarte.

Ninguém repetiu, e talvez jamais repita, os passos do Rei do Futebol. "Maradona, por exemplo, pode ter sido mais habilidoso no controle com a bola. Mas ele não tinha porte atlético para ser como Pelé", compara Duarte.

"A bicicleta de Pelé é um curso completo de Mecânica. Bicicleta não é para qualquer um, realmente. Somente um atleta diferenciado como Pelé poderia executá-la com tamanha perfeição", ressalta o professor.

"Ele foi, sim, o inventor do que podemos chamar de bicicleta ideal, ou a bicicleta perfeita"

Marcos Duarte, professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da Universidade de São Paulo (USP)

Duas perguntas para...

Angélica Basthi, jornalista, mestre em comunicação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e biógrafa de Pelé

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Como se explica o fenômeno Pelé, uma figura idolatrada em todo o mundo?

Pelé nasceu predestinado a ser o Rei do Futebol. Aos 12 anos, ele ergueu uma taça em um campeonato organizado pela Prefeitura de Três Corações (MG), onde nasceu. No dia da vitória, a arquibancada simplesmente se levantou e jogava moedas em agradecimento pelo belo futebol que já apresentava. O mundo foi conhecer Pelé aos 17 anos, na Copa de 1958. Ali, o mundo apreendeu a reverenciar Pelé e a honrar o talento que ele trazia nos pés. Pelé se transformou em um fenômeno do futebol. O mundo não tinha outra escolha, a não ser fazer o movimento de celebrar aquele gênio que marcou o futebol. Pelé foi um gênio e reverenciado como tal. Ele tinha uma habilidade de comunicação e de lidar com a mídia como nenhum outro jogador de futebol teve. Pelé soube impor limites. Viveu numa época em que os jogadores usavam a expressão "não ser mascarados". Pelé foi muito bem orientado para que não se deslumbrasse com o assédio da mídia e das festas, e transitou muito bem por esse mundo das celebridades. Ele mesmo foi uma delas. 

Pelé realmente parou uma guerra na África por 48 horas?

Ele realmente paralisou a guerra na Nigéria, pois todos queriam vê-lo. Pelé era um fenômeno mundial e teve várias situações curiosas. Houve uma, na Colômbia, em que um juiz teve a ousadia de expulsá-lo. O que aconteceu com o juiz? Foi expulso do jogo. Pelé causava uma comoção e todos, sem exceção, queriam presenciar aquele talento. Foi uma época de muito glamour e de amor genuíno pelo futebol. Esse amor estava em qualquer parte do planeta.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação