OBITUÁRIO

Hors concours: Pelé, o maior e melhor esportista da história

O eterno Rei do Futebol morreu nesta quinta-feira (29/12), no hospital Albert Einstein, em São Paulo, em decorrência de complicações de um câncer no intestino

Thiago Madureira
postado em 29/12/2022 16:03 / atualizado em 29/12/2022 16:12
 (crédito:  George Torok/O Cruzeiro/Estado de Minas)
(crédito: George Torok/O Cruzeiro/Estado de Minas)

Do início ao fim da carreira, Pelé, morto nesta quinta-feira (29/12), aos 82 anos, por complicações de um câncer no intestino, sempre foi Pelé, suprassumo da excelência. Dizer, por exemplo, que Nadal, Federer e Djokovic disputam o posto de 'Pelé do Tênis' é não entender que o mineiro de Três Corações não competiu com ninguém.

Hors concours, Pelé simplesmente foi o melhor e maior esportista da história, reconhecido pelos seus mais de mil gols e vencedor de todos os títulos importantes como protagonista. A comparação usando o nome dele — que virou adjetivo em forma de homenagem (o 'Pelé da Medicina', o 'Pelé da Música', o 'Pelé da F1') — sempre é imprecisa e exagerada. Como Pelé, apenas Pelé e somente Pelé.

Ao longo da sua trajetória, Pelé foi coroado. No entanto, dizer que ele foi um rei também soa injusto. Qual o grande atributo de um monarca? No geral, nenhum. Ao rei basta nascer, estar na linha sucessória e herdar o trono. O Charles III, a título de exemplo, o qual assumiu a monarquia britânica: com todo respeito que merece, é sujeito desinteressante, sem carisma, sem nenhuma marca indelével.

Mesmo sendo figura superlativa em relação a qualquer integrante de família real - até o francês Luís XIV, o 'Rei Sol', seria ofuscado pelo mineiro, assim como foi a simpática rainha Elizabeth II, em encontro com o craque em 1968 -, Pelé ganhou título de nobreza: o 'Rei do Futebol', que virou aposto e quase nome próprio ao longo da sua vida e assim será também agora, posterior a ela.

O título de Rei

Quando tinha apenas 17 anos e era conhecido por poucos, antes mesmo de ganhar a primeira de três Copas do Mundo e de completar duas centena de gols, o cronista Nelson Rodrigues já reivindicava o trono para aquele garoto nascido em 23 de outubro de 1940, no Sul de Minas Gerais, que despontava no futebol brasileiro.

"Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis", escreveu o jornalista, na Manchete Esportiva, no dia 8 de março de 1958.
"Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope", acrescentou.

A crônica foi escrita quando Nelson Rodrigues presenciou quatro gols de Pelé, vestindo a camisa do Santos, contra o América-RJ. Depois disso, ele não teve dúvidas. Com seu estilo literário, conseguiu pronunciar a História. Talvez tenha sido o primeiro a dizer que Pelé já era Pelé.

"O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento", escreveu Nelson Rodrigues.

O cronista alertou que o craque, aos 17 anos, já sabia que era o melhor. Não o melhor ponta, o melhor meia, o melhor atacante. Pelé tinha plena consciência que era o melhor em todas as posições.
"Tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior meia do mundo?” Ele respondeu, com a ênfase das certezas eternas: — “Eu.” Insistiram: — ”Qual é o maior ponta do mundo?” E Pelé: — “Eu.” Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção que ninguém reage, e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé", garantiu o cronista.

Doença

O estado de saúde de Pelé começou a se deteriorar com a descoberta de um câncer no intestino em agosto de 2021, quando recebeu o diagnóstico de um tumor maligno no cólon.

Ele passou por cirurgia no hospital Albert Einstein, em quatro de setembro de 2021, para a retirada do tumor. Chegou a ser transferido para uma UTI por causa de problemas respiratórios. Naquele momento, Pelé iniciou o processo de quimioterapia e ficou 15 dias internado em dezembro de 2021. Em janeiro, metástases foram diagnosticadas em diferentes órgãos do corpo, como fígado e pulmão.
Em fevereiro de 2022, Pelé retornou ao hospital paulista para novas sessões de quimioterapia, quando os médicos observaram uma infecção urinária. O quadro melhorou e, por isso, ele foi liberado naquele mês.
Pelé foi internado novamente em novembro de 2022 com quadro de anasarca (inchaço generalizado), síndrome edemigênica (edema generalizado) e insuficiência cardíaca descompensada.

Copas do Mundo e gols

Além de Nelson Rodrigues, outros grandes escritores brasileiros citaram Pelé em sua vasta literatura. Foi assim com Carlos Drummond de Andrade, mineiro de Itabira, cidade vizinha a Santa Maria de Itabira, esta sim a mais famosa da região.

“O difícil, o extraordinário não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé”, escreveu o poeta, em crônica do Jornal do Brasil, de 28 de outubro de 1969.

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