Doha — Fatma* saiu de casa sorridente. Entrou no quarto de hotel que tinha reservado com os amigos e andou até o espelho. Maquiou-se, vestiu a roupa que queria e foi se divertir como numa outra noite qualquer. Mulher trans, ela nasceu no Catar. Cresceu aterrorizada em um país que criminaliza a população LGBTQIAP e encontrou alívio em pequenos grupos secretos da comunidade.
No país que recebeu a Copa do Mundo por 28 dias, ser quem se é de fato pode significar uma vida de medo. Às sombras, pessoas discriminadas encontram maneiras de aliviar a tensão e se relacionar romanticamente. Aplicativos como Tinder e Grindr são bloqueados na rede local, mas alguns dizem ter acesso com o uso de VPN — uma rede de comunicações privada na internet.
Os encontros secretos com os matches representam perigo e costumam ocorrer em ambientes privados. Em grupo, os mais corajosos também frequentam bares e baladas, espaços nos quais, eventualmente, podem ser liberais. Porém, sem demonstração pública de afeto.
"Essa questão do encontro é a mais difícil, muitos simplesmente não saem, ficam em casa, escondem-se mesmo", conta Nasser Mohamed, de 35 anos. Ele foi o primeiro catari a se assumir gay publicamente à reportagem.
"É uma questão de você viver como você realmente é e até ir para a cadeia, quando não torturam e fazem outras coisas. É uma situação muito difícil, as pessoas não podem ser quem elas são de verdade em público", prossegue.
Nasser Mohamed é médico e buscou asilo nos Estados Unidos. Não pode voltar para o país onde nasceu por medo de perseguição. No Catar, ser LGBTQIAP pode resultar em três anos de prisão, sem contar as ameaças e os maus tratos.
Indignação
Ele é a fonte principal desta reportagem, que, por segurança, não ouviu diretamente ninguém que vive atualmente no país. Mohamed tem compartilhado histórias de pessoas da comunidade como forma de mostrar ao mundo a indignação pelas leis do Catar.
Para as mulheres, buscar o amor é ainda mais perigoso. Nawal* é bissexual e relata ter sido confrontada após o Departamento de Segurança Preventiva do Catar encontrar em seu celular troca de mensagens amorosas com homens e mulheres.
"Eu fui mentalmente e fisicamente abusada por ter saído da casa do meu pai e por eles terem achado as mensagens. Fui forçada a assinar um termo que diz que não fui mal tratada para ser liberada", compartilha.
Andar pelas ruas com o parceiro pode ser perigoso não apenas pelo que a polícia pode fazer com base na lei, mas também pela postura agressiva da maior parte da população do país.
"Eu recebi uma mensagem de uma mulher trans que estava andando junto de um parceiro e foi insultada, dizendo que ela não poderia estar ali daquele jeito no Catar. Ela argumentou que o país estava recebendo o mundo todo, mas a pessoa simplesmente ignorou. É algo terrível", detalha Mohamed.
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Críticas e censura
A Copa do Mundo no Catar fez com que as críticas contra as leis que criminalizam a população LGBTQIAP aumentassem no Ocidente. No entanto, as regras locais é que têm ganhado a queda de braço — antes do início do torneio, a Fifa chegou a ameaçar punir seleções que queriam protestar contra rigidez à comunidade.
Enquanto isso, no dia a dia de quem vive no Catar, a saída encontrada é mesmo buscar apoio em grupos confiáveis.
Mas nem sempre as histórias têm finais felizes. Naquela noite de diversão com amigos, Fatma preferiu a morte a ter que encarar os policiais que a abordaram no quarto de hotel.
*Nomes fictícios para preservar a identidade dos personagens
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