Lusail — Se um dia a ex-presidente Dilma Rousseff disse que o Brasil receberia a Copa das Copas, ontem o Catar colocou em cartaz a final das finais no Estádio Icônico de Lusail. Houve um momento de tributo aos alás do futebol em que a decisão exigia menos objetividade e mais poesia dos escribas. Em meio à trocação de gols, cinco deles de camisas 10, de lances geniais e defesas épicas dos goleiros Lloris e Emiliano Martínez, foi possível lembrar de um trecho do Soneto da Fidelidade, de Vinicius de Moraes enquanto a partida insistia em não acabar: "(...) Que não seja imortal, posto que 'chama, mas que seja infinito enquanto dure".
Poucas vezes, em 92 anos de Copa, se viu tanto amor à camisa — e ao jogo — em uma final como na conquista do tricampeonato da Argentina. A vitória por 4 x 2 nos pênaltis após empate por 2 x 2 no tempo regulamentar e de 1 x 1 na prorrogação não acabou ontem. Continua hoje e será lembrada eternamente como o conto árabe do fim de 36 anos de jejum alviceleste liderado pelo melhor jogador do século 21: Lionel Andrés Messi Cuccittini.
A última exibição do jogador eleito sete vezes melhor do mundo teve um desafiante à altura. Kylian Mbappé vendeu caro a derrota. Caiu de pé. Perdeu a chance de brindar a França com o bi, mas tomou a artilharia do amigo do PSG com desempenho de Ronaldo. Pela primeira vez, desde 2002, a Copa tem um goleador com oito gols. Três deles na decisão. Messi marcou duas vezes e Di María, o cara do primeiro tempo, abriu o placar.
Quando o hino nacional da Argentina fez frente à imponente Marselhesa antes do apito inicial, a sensação era de que a França seria engolida. "Ouçam, mortais, o grito sagrado. Liberdade, liberdade, liberdade. Ouça o barulho das correntes quebradas, veja o trono para a nobre igualdade", cantavam os hinchas.
Artilheiro das decisões, Di María entrou em campo no sacrifício por dois motivos: explorar a fragilidade do lateral-direito Koundé e manter a fama de pé-quente em finais. Cumpriu os dois objetivos. Sofreu pênalti e viu Messi igualar Pelé em número de gols colecionados nos mundiais. Imponente taticamente, a Argentina fez do campo gaulês um palco de tango. Fazia os marcadores bailarem como eles queriam. E assim saiu o segundo gol. Bola de pé em pé em um contra-ataque concluído pelo iluminado Di María. Fez gol no título olímpico em Pequim-2008, na decisão da Copa América em 2021, no Maracanã, contra o Brasil, na Finalíssima contra a Itália e no triunfo parcial de ontem.
A Argentina descansou no intervalo ouvindo o som das correntes quebradas, como diz o hino. Na volta para o segundo tempo, teve chances para fazer o terceiro, porém Lloris interveio. Aparentemente morta, a França ressuscitou graças ao corajoso Didier Deschamps. E sacou Giroud. Depois tirou Griezmann. Sacou o lateral Theo Hernández para improvisar Camavinga no setor. Passou a agredir com quatro atacantes jovens: o remanescente Mbappé (23) e mais Muani (24), Thuram (25) e Coman (26).
Reinventada em uma espécie de 4-2-4, a França explorou o cansaço e as desatenções da Argentina. Otamendi cometeu pênalti em Moua. Mbappé bateu e diminuiu. Ele próprio igualou o placar depois de uma falha de Messi no campo de ataque. De repente a taça parecia pressionada pela revolução francesa a se render à trupe de Mbappé em vez de recompensar Messi.
Dona bola ficou traiçoeira. Procurou o pé de Messi na prorrogação e preguiçosamente fez o suficiente para ultrapassar a linha do gol de Lloris. A impressão era de que ponto: Messi havia marcado o gol do tri no lance em que deixou Pelé para trás em quantidade de bolas na rede na Copa (13 x 12). No entanto, a França insistia em ressurgir. Novo pênalti nos pés de Mbappé ele nem tremeu na frente de Martínez para empatar novamente.
O tempo extra ficou insano. Trocação total. Toma lá, dá cá. Até que Emiliano Martínez fez defesa mais genial do que aquela de Gordon Banks na cabeçada de Pelé em 1970. Mouani surgiu sozinho na cara dele, finalizou e o goleiro salvou com o pé o gol do título dos ex-campeões. Nos pênaltis, Martínez agigantou-se. Venceu a guerra psicológica e pegou a cobrança de Coman. Tchouaméni bateu para fora. Montiel fez a última cobrança da série e consumou o tricampeonato.
Vestido pelo emir do Catar com um Besht, peça usada por líderes em momentos especiais, Messi finalmente recebeu a taça e partiu feliz e saltitante em direção ao elenco para celebrar o título 4.568 dias depois da primeira exibição em uma Copa do Mundo contra a Sérvia, em 2006, na Alemanha. "Quero jogar mais algumas partidas como campeão mundial. Todo mundo quer isso. É uma loucura que tenha acontecido dessa maneira. Eu sabia que Deus me daria", comemorou o astro na final das finais.
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