História é uma palavra para definir a seleção de Marrocos na Copa do Mundo Qatar-2022. E a constatação não se deve somente pela campanha semifinalista dos Leões do Atlas na atual edição do Mundial — a melhor de um time africano —, mas sim a uma resposta aos rivais despachados nas fases anteriores da disputa.
A possibilidade de chegar à final do principal campeonato de futebol do mundo, sendo a primeira equipe fora da América do Sul e da Europa, é alimentada por um fator da própria identidade marroquina. Caso elimine a França às 16h desta quarta-feira (14/12), os mediterrâneos fecham um ciclo de vitórias sobre os seus antigos colonizadores.
O passado dos africanos com os europeus vem desde a Idade Média. A conquista dos mouros na Península Ibérica, a partir do ano 711, tornou-se o primeiro episódio da rivalidade política. A revanche começou com a Batalha de Covadonga, em terras espanholas, 11 anos mais tarde. Posteriormente, veio a retomada das terras e a definição das nacionalidades hispânica e lusitana.
Essa parte da história, porém, foi apenas uma prévia para as Cruzadas, com episódios no solo africano, como na derrota portuguesa na Batalha de Alcácer-Quibir, onde o Rei Sebastião I desapareceu em luta contra os mandantes. Quase cinco séculos depois, nas quartas de final do corrente Mundial, Youssef En-Nesyri tocaria uma bola de cabeça para deixar Portugal e Cristiano Ronaldo sem a Copa do Mundo.
Um jogo antes, nas oitavas de final, a situação durou mais tempo dentro e fora das quatro linhas. Até o começo do século 20, espanhóis e marroquinos possuíam fortes disputas territoriais, como nas Guerras do Rife. Curiosamente, os europeus ainda possuem cidades do lado africano do Estreito de Gibraltar, como Ceuta e Melilla, e um dos principais jogadores dos Leões do Atlas, o lateral Achraf Hakimi, nasceu em Madrid.
Os liderados de Walid Regragui seguraram a pressão dos rivais para levar a melhor na disputa de pênaltis. Em resposta à identidade de seus atletas, não todos nascidos em solo africano, o técnico afirmou categoricamente sobre a atitude de seus jogadores naquela noite, no Estádio Cidade da Educação: “Hoje, eles provaram que são marroquinos”.
O novo desafio da imparável revelação desse Mundial, pela ironia do chaveamento, coloca o Marrocos frente a frente com seu último colonizador. O país se tornou protetorado francês em 1912, com o Tratado de Fez. Porém, as relações mais pacíficas se mostram na grande influência dos francos nestas terras, com seu idioma sendo o segundo mais falado do país depois do árabe.
Além das boas relações entre colonos e nativos, a integração cultural e popular se fez presente contra outros adversários em comum: várias colunas do exército marroquino integraram os batalhões franceses nas duas Guerras Mundiais. Com a situação administrativa complicada no pós-guerra, a independência definitiva e relativamente pacífica, incitada pela insurreição argelina, foi firmada em 1956.
Então, a pátria passou das mãos da república francesa para o sultão Mohammed V, posteriormente declarado rei, avô do atual regente, Mohammed VI, da Dinastia Alauíta, vigente desde o século 17. Os africanos são os únicos com regime monarquista vivos no torneio. Dos integrantes do mata-mata, tornou-se a coroa solitária com as quedas respectivas de Austrália, Japão, Espanha, Holanda e Inglaterra.
*Estagiário sob a supervisão de Victor Parrini
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