Doha — A vida no condomínio Ghanem Residences voltou à rotina nas últimas 48 horas. Acabou a expectativa pela saída do ônibus da segunda seleção mais cara da Copa do Mundo rumo aos treinos por volta de 15h30 ou do retorno dela ao hotel às 20h. Durante 21 dias, o entra e sai do elenco avaliado em 1,4 bilhão de euros (cerca de R$ 7,8 bilhões) mobilizou diariamente a garotada do conjunto habitacional vizinho da concentração brasileira.
O som do ônibus escoltado por batedores funcionava como alarme de que era hora do intervalo nas partidas de futebol, basquete e outros entretenimentos nas duas quadras do prédio. Crianças, adolescentes e adultos se aglomeravam em um cantinho abaixo do nível da pista por onde os astros passavam.
Um deles pegava as camisas de todos os colegas e tabelava com um segurança. Ele fazia a ponte para que elas chegassem às mãos dos ídolos. Alguns deles autografavam e devolviam o mimo. Era como um troféu para a garotada.
Um dia após a dolorosa eliminação nos pênaltis para a Croácia, os meninos receberam uma visita surpreendente. O atacante Richarlison estava com a cara grudada na grade olhando para eles. Chorava. Tentava dizer alguma coisa aos fãs mirins, mas tinha dificuldade para falar.
Erick Henrique Scherch de Miranda era um deles. Batia o ponto. Devagarinho, "tatuou" uma camisa amarela da Seleção com as assinaturas ídolos. "Ela vai para um quadro, vou guardá-la para não perder e ninguém mais mexer nela", afirmou o menino em entrevista ao Correio. O gaúcho de 14 anos vestia camisa do clube do coração, o Internacional, enquanto falava sobre o dia em que o Pombo quebrou os protocolos de segurança do padrão Fifa, chegou pertinho da mureta do condomínio e interagiu com os fãs.
"Foi muito triste. Todo mundo estava lá embaixo, daí ele veio, se agarrou na grade e estava chorando. Ele é muito humilde, sabe, uma pessoa muito legal. Veio assinar camisa para todo mundo, umas três vezes. O Richarlison tem bom coração. Mesmo triste, chorando, agradeceu a todo mundo pelo carinho. Ele estava se sentindo mal. A gente entende, isso acontece. Estamos torcendo por ele e pela Seleção Brasileira", relata Erick, emocionado.
Uma das provas da bondade de Richarlison ficou duplamente marcada na camisa dele. O camisa 9 autografou a mesma blusa duas vezes. Sem reclamar. Erick também conseguiu a assinatura do atacante Vinicius Junior e até de um dos ídolos do Inter, o preparador de goleiros Taffarel. Radiante, ele exibia a blusa como se fosse o troféu da Copa do Mundo.
Os olhos de Erick ficaram marejados enquanto descrevia o encontro. Filho de um piloto de avião da Qatar Airways, o garoto mora em Doha há seis anos com os pais e jamais havia vivido experiência semelhante de dormir e acordar sabendo que os jogadores da Seleção estavam bem ali ao lado, coladinho ao condomínio.
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Neymar
O ônibus partia diariamente da frente do spa, um dos serviços oferecidos pelo complexo do The Westin Doha Hotel, no bairro Bin Mahmoud. No último sábado, 23 dos 24 jogadores partiram no ônibus em direção ao aeroporto, e de lá rumo a uma escala em Londres e depois ao destino final, no Rio. Um jogador permaneceu e só deixou a concentração no período da tarde, sozinho, para embarcar na própria aeronave.
"O Neymar foi embora mais tarde. A gente estava aqui e o vimos saindo. Nós demos tchau e ele veio falar com todo mundo. Tomara que eles voltem à Copa do Mundo mais fortes", disse o pequeno torcedor colorado.
As noites de sono de Erick durante a Copa foram de sonhos. "Toda noite eu olhava da minha janela, via o ônibus e ia dormir com um sorriso no rosto. Eu só os via pela televisão. Era muito legal, muito legal", repetia na pista localizada ao lado do condomínio.
O autógrafo de Taffarel, formado na base do Internacional, é o mais divertido para Erick. Diante da aparição inesperada, ele tirou a camisa do Brasil rapidamente e entregou ao ex-goleiro.
"Ele assinou do lado do avesso, mas não tem problema. Eu quero mandar um recado para ele: 'Taffarel, eu te amo", revelou.
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