O país da Copa

Copa: como funcionam as salas de oração instaladas nos estádios do Catar

Tolerância religiosa: acompanhamos uma tarde de preces no salão da arena Al Bayt, em dia de jogo do Catar

Marcos Paulo Lima - Enviado especial
postado em 05/12/2022 03:00
 (crédito: Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press)
(crédito: Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press)

Al Khor — Estádio Al-Bayt. Uma tenda árabe erguida no meio do deserto. Em frente ao Bloco 140 do acesso à arquibancada, uma redoma de vidro chama a atenção no vaivém de torcedores chegando à arena para a despedida do anfitrião da Copa do Mundo, em jogo contra a Holanda, na última rodada da fase de grupos. O ambiente está vazio. Há um pequeno tapete persa estendido no chão em uma das pontas do ambiente retangular.

Aguarda pelo imam — o responsável por convocar os muçulmanos para a sala — as cinco orações diárias obrigatórias do islamismo voltados em direção a Meca. O relógio marca 16h15. A movimentação é intensa nos restaurantes e nas lojinhas oficiais da Fifa espalhadas pelos corredores. Por volta das 16h55, tem início uma romaria.

De repente, todos os caminhos levam à redoma de vidro identificada em simpáticas plaquinhas com ícones árabes como 'Prayer Room'. Pela primeira vez, em 92 anos, as arenas da Copa são equipadas com Sala de Oração. A inédita edição do Mundial no Oriente Médio tem como uma das campanhas a tolerância religiosa. O respeito à fé dos povos árabes.

As mini-mesquitas instaladas no interior dos oito estádios são a hospitalidade mais importante para quem teria de abandonar o jogo e se dirigir ao templo mais próximo ou à rua para cumprir as preces na hora da partida. No Catar, é possível dar uma pausa no jogo, tirar o período de oração em direção a Meca e retomar rapidamente à programação normal.

Os pares de sandálias, chinelos, sapatos e tênis se multiplicam na porta da Sala de Oração antes do duelo entre Catar e Holanda. É quase impossível driblá-los em direção à porta. O momento de fé une pobres e ricos. Crianças e adolescentes. Jovens e idosos. Separa apenas homens e mulheres. Há um espaço para eles e outro para elas. Ninguém ousa quebrar a regra. Cada estádio disponibiliza no mínimo duas 'Prayer Room'.

No pico, não há espaço para todos. O Correio/EM acompanhou o ritual sagrado dentro e fora da pequena capela. A oração das 17h é chamada de Al Magreb. Deve ser feita antes do pôr do sol. Quem não consegue ter acesso dá um jeitinho árabe. O corredor do Al-Bayt vira puxadinho da redoma de vidro. A sincronia espiritual dos movimentos dentro e fora da Sala de Oração encanta — e até converte curiosos. Os fiéis intercedem em pé, curvados, de joelhos, prostrados e sentados. As posições chamam-se hakats e sukuts. Há variações de acordo com o horário das preces.

Alguns desavisados entram calçados. Querem experimentar a vibe. Repreendidos com caras e bocas dos autênticos muçulmanos, os fakes saem e voltam correndo de dentro do "aquário". São cobrados a deixar os pés livres em respeito à religião alheia.

Adeptos elogiam estrutura

A Sala de Oração abriga muçulmanos de todas as nações. Um deles parou gentilmente para falar com a reportagem sobre o ambiente preparado para eles nos oito estádios da Copa. "A oração faz parte do nosso ritual e nós cremos que ela abençoa pessoas e exalta Alá. Esses espaços são maravilhosos, porque nos permitem cumprir as cinco preces no estádio sem ter de sair daqui à procura de um espaço e voltar correndo na hora do jogo. Isso seria inimaginável", afirma o engenheiro paquistanês Malik Akhtar Sher, de 34 anos.

  • Torcedores fazem preces na Sala de Oração do Al-Bayt Stadium, um dos pontos de fé instalados nas arenas da Copa Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press
  • Torcedores fazem preces na Sala de Oração do Al-Bayt Stadium, um dos pontos de fé instalados nas arenas da Copa Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press
  • Torcedores fazem preces na Sala de Oração do Al-Bayt Stadium, um dos pontos de fé instalados nas arenas da Copa Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press
  • Torcedores fazem preces na Sala de Oração do Al-Bayt Stadium, um dos pontos de fé instalados nas arenas da Copa Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press

Quer irritar Malik? Chame o futebol de religião! Ele prefere separar o joio do trigo. "Sou apaixonado por esporte, mas é entretenimento, não tem nada a ver com a minha ou a sua fé. As nossas religiões são formas de conexão com Deus. No fim, todos nós temos o mesmo Deus, sejam cristãos, judeus ou muçulmanos", filosofa com o poder de convencimento de um teólogo. "O que está acontecendo aqui nos estádios do Catar é uma pequena demonstração de como o mundo deveria ser, ou seja, com muito respeito, zelo e tolerância religiosa", conclui Malik Sher enquanto coloca os sapatos e parte rumo ao jogo.

Nascido na vizinha Arábia Saudita, o empresário Talher Al Saltan, 48, também aproveitou a Sala de Oração do Al Bayt para fazer sua prece. Frequenta todas elas entre um jogo e outro. "É um momento de comunhão sem precedentes na história da Copa. Os povos árabes dão exemplo ao mundo em um evento tão grandioso como esse", comemora. 

Mesquitas atraem turistas

As orações mais procuradas por turistas acontecem às sextas-feiras. No bairro central de Bin Mahmoud, argentinos caminhavam em direção a uma mesquita por volta de 12h ao som do chamado. "Não sou islâmico, mas quero ir até lá interceder para que a Argentina seja campeã da Copa aqui no país deles", disse, sorrindo, Gerardo Alfaro, de 51 anos, morador de Buenos Aires. De mãos dadas com o filho, havia feito compras em um supermercado em frente à estação do metrô e se dirigia à mesquita ao lado da Bin Mahmoud Station. "Sou católico, como a maioria de nós na América, mas as orações deles são lindas", elogiou.

Independentemente dos horários, há fiéis nas mesquitas o tempo inteiro. Basta passar em frente a uma delas e observar a quantidade de calçados deixados nas escadarias dos belos templos, muitos deles construídos na cor do deserto, com belíssimas torres ao lado.

Visitantes posam para foto na Mesquita Doha's Blue: as preces de sexta-feira são as mais procuradas
Visitantes posam para foto na Mesquita Doha's Blue: as preces de sexta-feira são as mais procuradas (foto: Mahmud Hams/AFP)

A movimentação nos estádios é uma pequena demonstração da rotina no Catar. É possível ouvir a convocação das orações em qualquer parte do país da Copa. Alto falantes instalados nas mesquitas convidam à prece desde a madrugada. O primeiro convite é na alvorada, entre 4h e 5h da manhã, para a 'Farj'. Por volta das 12h, o som chama para o 'Zhur'. No meio da tarde, é a vez do 'Asr'. Antes do pôr do sol, os ecos se voltam para o momento do 'Magreb'. A última oração é o 'Isha', completando o ritual do 'Salat'. 

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Adeptos elogiam estrutura

 (crédito: Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press)
crédito: Marcos Paulo Lima/CB/D.A. Press

A Sala de Oração abriga muçulmanos de todas as nações. Um deles parou gentilmente para falar com a reportagem sobre o ambiente preparado para eles nos oito estádios da Copa. "A oração faz parte do nosso ritual e nós cremos que ela abençoa pessoas e exalta Alá. Esses espaços são maravilhosos, porque nos permitem cumprir as cinco preces no estádio sem ter de sair daqui à procura de um espaço e voltar correndo na hora do jogo. Isso seria inimaginável", afirma o engenheiro paquistanês Malik Akhtar Sher, de 34 anos.

Quer irritar Malik? Chame o futebol de religião! Ele prefere separar o joio do trigo. "Sou apaixonado por esporte, mas é entretenimento, não tem nada a ver com a minha ou a sua fé. As nossas religiões são formas de conexão com Deus. No fim, todos nós temos o mesmo Deus, sejam cristãos, judeus ou muçulmanos", filosofa com o poder de convencimento de um teólogo. "O que está acontecendo aqui nos estádios do Catar é uma pequena demonstração de como o mundo deveria ser, ou seja, com muito respeito, zelo e tolerância religiosa", conclui Malik Sher enquanto coloca os sapatos e parte rumo ao jogo.

Nascido na vizinha Arábia Saudita, o empresário Talher Al Saltan, 48, também aproveitou a Sala de Oração do Al Bayt para fazer sua prece. Frequenta todas elas entre um jogo e outro. "É um momento de comunhão sem precedentes na história da Copa. Os povos árabes dão exemplo ao mundo em um evento tão grandioso como esse", comemora. (MPL)

Mesquitas atraem turistas

 (crédito: Mahmud Hams/AFP)
crédito: Mahmud Hams/AFP

As orações mais procuradas por turistas acontecem às sextas-feiras. No bairro central de Bin Mahmoud, argentinos caminhavam em direção a uma mesquita por volta de 12h ao som do chamado. "Não sou islâmico, mas quero ir até lá interceder para que a Argentina seja campeã da Copa aqui no país deles", disse, sorrindo, Gerardo Alfaro, de 51 anos, morador de Buenos Aires. De mãos dadas com o filho, havia feito compras em um supermercado em frente à estação do metrô e se dirigia à mesquita ao lado da Bin Mahmoud Station. "Sou católico, como a maioria de nós na América, mas as orações deles são lindas", elogiou.

Independentemente dos horários, há fiéis nas mesquitas o tempo inteiro. Basta passar em frente a uma delas e observar a quantidade de calçados deixados nas escadarias dos belos templos, muitos deles construídos na cor do deserto, com belíssimas torres ao lado.

A movimentação nos estádios é uma pequena demonstração da rotina no Catar. É possível ouvir a convocação das orações em qualquer parte do país da Copa. Alto falantes instalados nas mesquitas convidam à prece desde a madrugada. O primeiro convite é na alvorada, entre 4h e 5h da manhã, para a 'Farj'. Por volta das 12h, o som chama para o 'Zhur'. No meio da tarde, é a vez do 'Asr'. Antes do pôr do sol, os ecos se voltam para o momento do 'Magreb'. A última oração é o 'Isha', completando o ritual do 'Salat'. (MPL)

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