COPA DO MUNDO

Crianças no Catar jogam em chão de cimento enquanto sonham com os campos

A 500 metros de Neymar, crianças da Índia, da Síria e do Catar brincam de futebol idolatrando Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e o goleiro belga Thibaut Courtois em campo de cimento

Marcos Paulo Lima - Enviado especial
postado em 01/12/2022 03:00
Crianças brincam de futebol a 500 metros do hotel em que Neymar está concentrado, mas os ídolos são outros: Messi, Cristiano e Courtois -  (crédito: Marcos Paulo Lima/CB/DA Press)
Crianças brincam de futebol a 500 metros do hotel em que Neymar está concentrado, mas os ídolos são outros: Messi, Cristiano e Courtois - (crédito: Marcos Paulo Lima/CB/DA Press)

Doha — A primeira Copa do Mundo no Oriente Médio não tem bola rolando apenas nas belas, caríssimas, luxuosas climatizadas arenas do Catar. O futebol se desnuda nos pés de crianças em espaços ao ar livre. Em um deles, ao lado da estação de metrô Bin Mahmoud, meninos brincam em um fim de tarde de temperatura amena à espera do pôr do sol com a inocência e o brilho nos olhos de quem está tão perto e tão longe dos ídolos.

Mal sabem os amigos Muhammad, Omar, Abod, Mohamed e Waleed que se divertem a 500m de Neymar. Enclausurado no hotel localizado pertinho da pelada, o camisa 10 da Seleção luta contra o tempo para retornar ao torneio na fase de mata-mata. Aparentemente, os boletins médicos do astro do Paris Saint-Germain não importam aos moleques. Entre as inspirações do quinteto não há brasileiros. Eles dão de ombros para Neymar. Os ídolos são outros: Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e até um goleiro na lista: o belga Thibaut Courtois.

O cenário é a síntese do futebol globalizado. Eles vestem camisas surradas de clubes europeus. A flecha da rivalidade espanhola cruzou fronteiras e acertou corações apaixonados por Barcelona e Real Madrid no Golfo Arábico. Dois deles não escondem a predileção fantasiados com as cores dos times catalão e merengue. Um outro vive intensamente o clima de Copa. Usa a blusa da Argentina no dia decisivo contra a Polônia.

Não há gramado sob os pés calçados de tênis e sandálias. A troca de passes é no cimento em frente a uma das inúmeras mesquitas espalhadas pela nação muçulmana. Como se fosse uma das cinco orações islâmicas, o futebol também tem horário obrigatório na agenda dos colegas de vizinhança. Enquanto pedestres trafegam na correria insana do dia a dia, eles chutam bolas para lá e pra cá sem dar a mínima importância a quem passa.

Não há traves, rede nem campo marcado, somente imaginação e liberdade para bater embaixadinha, ensaiar uma finta, passes em profundidade e até mesmo um desastroso chute sem direção no rosto do amigo, vermelho de raiva, enquanto dava entrevista. "Presta atenção", reclama o atingido Mohamed, 13 anos, em língua inglesa. Ele troca de chip rapidamente e resmunga em árabe para o amigo ouvir. Provavelmente, dispara xingamento.

A fluência no idioma chama a atenção. Mirins, eles falam inglês com a mesma habilidade que dedilham a tela do smartphone usado na reportagem para escrever corretamente os difíceis nomes árabes repletos de consoantes. Colaboram e voltam ansiosamente a brincar.

Pequeno Mohamed com uma camisa do Barcelona: garotos são influenciados pelo futebol europeu
Pequeno Mohamed com uma camisa do Barcelona: garotos são influenciados pelo futebol europeu (foto: Marcos Paulo Lima/CB/D.A Press)

Um deles é o indiano Muhammad Houreen. Nascido em Kerala, ele veio morar com os pais em Doha. Entre um tapa e outro na bola, o apaixonado pelo velho Barcelona, não o atual, revela o nome do ídolo que deixou o time dele órfão: "Gosto do Neymar, mas eles jamais será como Lionel Messi", compara, ao saber que o brasileiro estava ali pertinho.

Muhammad anda feliz da vida. Questionado se conseguiu assistir a alguma partida da Copa in loco com os pais, no estádio, ele revela: "Sim, eu vi Sérvia e Camarões". Ele e a família foram de metrô até o Al Janoub Stadium, em Al Wakrah. "Foi muito divertido", testemunha. Ele era um dos 39.789 presentes na partida encerrada empatada por 3 x 3.

Os 10 anos de hegemonia nos prêmios de melhor do mundo, entre 2008 e 2018, deixaram um legado incrível. Mais velho, portanto capitão do quinteto de meninos, o catari Mohamed prefere o antagonista do argentino eleito sete vezes o melhor do mundo. "Meu ídolo é o Cristiano Ronaldo", diz, enquanto puxa os colegas pelo braço para organizá-los taticamente antes da foto posada solicitada pela reportagem de frente para a Mesquita do bairro.

Antes de a bola rolar, há tempo de ouvir um garoto de olhar tímido e voz baixinha, Omar Rakan Abdullah observa as conversas agarrado à bola. O apego ao brinquedo chama a atenção. Uma possessividade de goleiro. Questionado sobre qual jogador da Copa o inspira, o menino de 10 anos responde com a convicção de um adulto. "Meu ídolo é Thibaut Courtois. Acompanho os jogos dele e desejo ser goleiro como ele", projeta.

Cansados de esperar, outros coleguinhas se aproximam. Abod, 10, e Waleed, 11, apontam para o céu. Falam em árabe. Os gestos indicam que está escurecendo. Eles têm hora marcada para regressar ao lar. A bola volta a rolar de pé em pé antes do aceno de adeus seguido de dóceis vozes que dizem juntos "thank you" como se fosse um jogral.

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