Doha — Arranha-céus com aspecto impecável compõem a paisagem da outrora desértica Doha, capital do Catar. Nas vitrines das lojas, artigos de luxo dividem espaço com bandeiras dos 32 países que disputam a Copa do Mundo. Andar pelas sempre limpas e seguras ruas do Centro é ser avisado, a todo momento, da suntuosidade de um país enriquecido pelas reservas de gás natural. Mas, escondida dos olhares dos 1,2 milhão de turistas esperados por aqui para o Mundial mais caro da história, há uma cidade com problemas reais que contrastam com os altíssimos investimentos catari em infraestrutura e qualidade de vida.
Chegar até lá não é simples. São 20 quilômetros da região central até a Área Industrial, parte mais pobre da cidade. A distância parece proposital, exatamente para esconder a vizinhança dos olhares incomodados dos mais ricos. De transporte público, podem ser necessários até três ônibus e mais uma caminhada debaixo do sol de quase 40ºC ao destino. É um trajeto repetido incansavelmente todos os dias por milhares de trabalhadores imigrantes, que se amontoam nos prédios nada luxuosos da periferia de Doha.
As ruas impecáveis do Centro dão lugar a um asfalto de qualidade inferior, sujo por restos de comida, embalagens e tempestades de areia tão comuns no deserto. Os edifícios residenciais não são tão novos assim. Do lado de fora, é possível ver as roupas penduradas nas sacadas construídas uniformemente e sem acabamento.
Às margens das ruas secundárias à rodovia principal, que leva o nome da região, enfileiram-se tratores, escavadeiras e caminhões. Acinzentados pelas marcas do trabalho e da própria areia fina do deserto, as máquinas simbolizam o trabalho — ou a vida — dos que moram aqui, geralmente relegados para funções consideradas menos prestigiadas e com salários mais baixos numa cidade tão cara.
Desde que foi escolhido sede da Copa, em 2010, o Catar tem sido acusado de dar más condições de trabalho a imigrantes nas obras de infraestrutura para o evento. Cerca de 70% da população de 2,8 milhões não nasceram no país. A maioria vem da Ásia, especialmente da Índia. Diante das críticas, o governo local estabeleceu um salário mínimo mensal de 1 mil riais (R$ 1.461 na cotação atual) e aboliu a necessidade de liberação do patrão para que um funcionário mudasse de emprego.
Na Área Industrial e na Asian Town (Cidade Asiática), o clima se assemelha ao de interior, apesar da alta densidade populacional. Ali, todos parecem se conhecer. E, ainda que não se conheçam, dividem rotinas, problemas, alegrias e muita saudade. Meses após chegar ao Catar na esperança de uma vida melhor, alguns já admitem que só não voltaram para casa por falta de dinheiro.
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As ruas estavam vazias no começo da tarde do último 24 de novembro. Era dia de trabalho, e a maioria já tinha deixado a Área Industrial. "É cansativo. Nem todos conseguimos empregos que pagam bem como esperávamos quando nos mudamos para cá", diz Jerish, nome fictício de um indiano que pediu para não ser identificado.
"Aqui é muito diferente do Centro de Doha, de Lusail… Eu gosto das pessoas, mas esperava que já tivesse conseguido algo melhor", diz Faisal, outro nome fictício, em condição de anonimato. Muita gente relatou os problemas da região, mas ninguém quis ser gravado ou fotografado falando mal do local, seja por receio, timidez ou por não saber inglês em um país em que o idioma é quase tão presente quanto o árabe.
O único que aceitou ser identificado foi o também indiano Ramchandra, que vive no Catar há oito meses e diz ter melhorado de vida. "Trabalho como motorista. É bom morar aqui, essa parte da cidade é boa. Não sinto saudade da Índia e desejo seguir minha vida por aqui mesmo", afirmou, escorado no enferrujado portão de ferro do edifício onde vive. Ele assegura que as condições são melhores do que parecem e que as dezenas de moradias divididas por trabalhadores podem ser boas, mas não permitiu que a reportagem registrasse a parte interna do prédio em que mora.
Nos momentos de lazer, a multidão de imigrantes aproveita o descanso por ali mesmo, pois, além da distância, os preços são melhores do que na parte turística da capital. Por perto, há um shopping bastante frequentado, quadras esportivas e cafés. No último 27, aglomeraram-se na Fan Zone do Estádio de Críquete da Cidade Asiática para acompanhar, de longe, a abertura Copa do Mundo de R$ 1,2 trilhão que ajudaram a tornar possível.
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