Copa do Mundo

LGBTs do Catar vivem à sombra e buscam grupos em que possam ser eles mesmos

País que sedia a Copa do Mundo criminaliza a população LGBTQIAP+; Superesportes buscou entender como eles vivem e se encontram

Matheus Muratori
João Vítor Marques - Enviado especial ao Catar
postado em 27/11/2022 12:05 / atualizado em 27/11/2022 12:06
Nasser Mohamed (à esq) é o primeiro catari a se assumir gay publicamente. -  (crédito: Reprodução/Instagram)
Nasser Mohamed (à esq) é o primeiro catari a se assumir gay publicamente. - (crédito: Reprodução/Instagram)

Fatma* saiu de casa sorridente. Entrou no quarto de hotel que tinha reservado com os amigos e andou até o espelho. Maquiou-se, vestiu a roupa que queria e foi se divertir como numa outra noite qualquer.

Mulher trans, ela nasceu no Catar. Cresceu aterrorizada em um país que criminaliza a população LGBTQIAP+ e encontrou alívio em pequenos grupos secretos da comunidade.

Na sede da Copa do Mundo, ser quem se é pode significar uma vida de medo. Às sombras, pessoas discriminadas encontram maneiras de aliviar a tensão e se relacionar romanticamente.

Aplicativos como Tinder e Grindr são bloqueados na rede local, mas alguns dizem ter acesso com o uso de VPN.

Os encontros com os 'matches' representam perigo e costumam ocorrer em ambientes privados. Em grupo, os mais corajosos também vão a bares e baladas, espaços que eventualmente podem ser liberais. Mas sem demonstração pública de afeto.

"Essa questão do encontro é a mais difícil, muitos simplesmente não saem, ficam em casa, escondem-se mesmo", conta Nasser Mohamed, 35, primeiro catari a se assumir gay publicamente, ao Superesportes.

"É uma questão de você viver como você realmente é e até ir para a cadeia, quando não torturam e fazem outras coisas. É uma situação muito difícil, as pessoas não podem ser quem elas são de verdade em público", prossegue.

Nasser Mohamed é médico e buscou asilo nos Estados Unidos. Não pode voltar para o país onde nasceu por medo de perseguição. No Catar, ser LGBTQIAP pode resultar em três anos de prisão, sem contar as ameaças e maus tratos.

Ele é a fonte principal desta reportagem, que, por segurança, não ouviu diretamente ninguém que vive atualmente no país. Mohamed tem compartilhado histórias de pessoas da comunidade como forma de mostrar ao mundo a indignação pelas leis do Catar.

O risco de expressar afeto

Para as mulheres, buscar o amor é ainda mais perigoso. Nawal* é bissexual e relata ter sido confrontada após o Departamento de Segurança Preventiva do Catar encontrar em seu celular troca de mensagens amorosas com homens e mulheres.

"Eu fui mentalmente e fisicamente abusada por ter saído da casa do meu pai e por eles terem achado as mensagens. Fui forçada a assinar um termo que diz que não fui mal tratada para ser liberada", conta.

Andar pelas ruas com o parceiro pode ser perigoso não apenas pelo que a polícia pode fazer com base na lei, mas também por parte da população.

"Eu recebi uma mensagem de uma mulher trans que estava andando junto de um parceiro e foi insultada, dizendo que ela não poderia estar ali daquele jeito no Catar. Ela argumentou que o país estava recebendo o mundo todo, mas a pessoa simplesmente ignorou. É algo terrível", conta Mohamed.

A Copa do Mundo no Catar fez com que as críticas contra as leis que criminalizam a população LGBTQIAP aumentassem no Ocidente. Porém, as regras locais é que têm ganhado a queda de braço - a Fifa chegou a ameaçar punir seleções que queriam protestar.

Enquanto isso, no dia a dia de quem vive no Catar, a saída encontrada é mesmo buscar apoio em grupos confiáveis.

Mas nem sempre as histórias têm finais felizes. Naquela noite de diversão com amigos, Fatma preferiu a morte a ter que encarar os policiais que a abordaram no quarto de hotel.

*Nomes fictícios


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