Sede de um dos maiores eventos esportivos do calendário internacional, o Catar está no centro das atenções do mundo com a chegada da Copa, no domingo. Mas os holofotes não estão apenas sobre futebol, mas também sobre o histórico de discriminações e violações de direitos humanos no país árabe.
Três pessoas falaram à BBC sobre suas experiências com as leis e costumes religiosos do país.
Nervoso, Aziz não para de se mexer durante nossa conversa pela internet. Ele quer falar, mas está claro que isso exige muita coragem, e ele permanece com um semblante sério e formal ao longo de nossa entrevista.
"Eu queria que minha existência não fosse ilegal em meu país", diz ele, em voz baixa, na capital Doha. "Eu gostaria que houvesse reformas que dissessem que eu posso ser gay e não preciso me preocupar em ser morto."
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Aziz diz que sua ansiedade vem de ter que observar constantemente o que diz — uma palavra errada para a pessoa errada pode levar à prisão ou a um ataque.
"A diferença entre estar no Catar e fora do Catar é que, estando fora, a lei está do seu lado", diz.
"Se alguém te atacasse [fora do Catar], você iria à delegacia e estaria protegido. Enquanto aqui, se algo acontecer comigo, posso até me colocar em risco indo à polícia."
Em um relatório no mês passado, a organização não-governamental Human Rights Watch afirma que as pessoas LGBT no Catar são sujeitas a detenção arbitrária por forças de segurança e a assédio verbal e físico.
A Copa do Mundo fez com que os direitos dos homossexuais no Catar chamassem grande atenção da imprensa ocidental.
Embora isso traga atenção da opinião pública para o tema, Aziz diz que essa atenção está tornando as pessoas no Catar mais vulneráveis.
"Agora vejo muitas pessoas aqui criticando pessoas LGBT online e dizendo que somos nojentos e contra a religião", diz ele.
Ele sente que a discussão é mal colocada também fora do Catar.
"As pessoas estão perguntando 'É seguro para nós irmos ao Catar e sermos nós mesmos sem correr risco de sermos presos ou submetidos à lei do Catar?', mas elas não estão realmente pensando em pessoas como nós, e o perigo que corremos com essas leis."
As autoridades do Catar fazem questão de enfatizar que todos os torcedores serão bem-vindos durante a Copa, mas também pedem que os visitantes tenham sensibilidade e respeitem a cultura local.
Aziz teme que a Copa do Mundo seja bem-sucedida e que isso possa fazer com que o Catar tenha ainda menos probabilidade de mudar no futuro.
No Reino Unido, a BBC conversou com Zainab (nome fictício). Mesmo morando na Grã-Bretanha, ela teme ser identificada e diz que isso pode ter repercussões para a sua família no Catar.
Ela diz que elementos do conservadorismo religioso na lei do Catar afetaram sua saúde mental. Segundo Zainab, o chamado sistema de tutela masculina sobre as mulheres "é como ser menor de idade por toda a vida".
"Para cada decisão importante na vida, você precisa da permissão escrita explícita de um tutor do sexo masculino, geralmente seu pai, mas se ele não estiver vivo, então tem que ser seu tio, irmão ou avô."
"Sem essa permissão, você não pode tomar essa decisão, como se matricular em uma universidade, estudar no exterior, viajar, se casar, se divorciar."
Zainab disse que não seria capaz de viver como bem entende no Catar porque seu pai é muito conservador. Ela pediu que a BBC evitasse dar muitos detalhes sobre sua vida para que sua família não consiga identificá-la.
Ela disse que algumas mulheres do Catar, cujas famílias são mais liberais, podem achar que o sistema não é de todo ruim.
Zainab disse que o sistema faz com que as mulheres possam sofrer nas mãos de homens da família e que as leis rígidas do Catar vão ao encontro do que pensam patriarcas tribais conservadoras.
"Eles acreditam que a ideia de direitos das mulheres é de alguma forma uma ideia ocidental, e que pode entrar em choque com seus valores islâmicos, cultura e tradições", diz ela.
Autoridades da Copa do Mundo do Catar dizem que as pessoas que fazem críticas ao país estão mal informadas.
Essa visão é reforçada pela estudante Moselle, da Cidade da Educação em Doha, um grande campus que reúne várias instituições educacionais e de pesquisa de Doha: "Não precisamos que organizações ocidentais venham aqui e nos digam o que devemos ou não fazer", diz ela.
"É o nosso país. Temos que ter a chance de nos desenvolver da maneira que acharmos adequada, não da maneira que nos é imposta."
Mas as críticas à sociedade do Catar por seus próprios cidadãos são fortemente censuradas. Como vimos, aqueles que se manifestam muitas vezes têm medo das consequências disso.
Aqueles com quem conversamos não estão reclamando apenas de pequenas diferenças culturais — como poder beber ou beijar em público. Elas estão falando sobre questões que veem como direitos humanos básicos.
* Colaborou Harry Farley.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63659504
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