Há quatro anos, Adenor Leonardo Bachi alavancava o Brasil do sexto lugar no melancólico fim da segunda Era Dunga ao título simbólico das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa da Rússia, devolvia ao torcedor o prazer de consumir tempo com a Seleção e ganhava, inclusive, alguns cabos eleitorais em defesa da candidatura de Tite a presidente da República. A popularidade foi monetizada. Levantamento do jornal Folha de S. Paulo à época estima que o gaúcho de Caxias do Sul (RS) acumulou fortuna de R$ 10 milhões nas aparições em ações de marketing nos contratos com as marcas Itaú, Samsung, Cimed e Uninassau. A 28 dias da abertura do Mundial do Catar, o apetite publicitário do comandante verde-amarelo é menos agressivo.
Até agora, Tite é estrela tão somente de uma peça do McDonald's na qual divide o protagonismo com Iran de Santana Alves, o Luva de Pedreiro. O treinador anuncia a convocação dos sanduíches customizados da multinacional para a Copa do Catar e orienta o influenciador digital a preparar uma Méquizice, dando dicas e escalando suas combinações favoritas.
O Correio Braziliense apurou que esse é o único contrato de Tite. Diminuição de quatro para apenas um acordo de 2018 para 2022. O treinador cumpriu as últimas agendas publicitárias antes da última Data Fifa, ou seja, dos amistosos na França contra Gana e Tunísia. Focado em levar o Brasil ao hexa, avisou ao agente Gilmar Veloz, responsável pelos acertos com as marcas, que deseja se concentrar na conclusão vitoriosa do trabalho de seis anos e meio.
Depois da eliminação contra a Bélgica nas quartas de final da Copa de 2018, Tite fez uma autocrítica. Admitiu que a agenda extracampo perturbou a concentração para as tomadas de decisão. Zeloso pela própria imagem, recusa convites de empresas concorrentes dos patrocinadores da CBF. Há quatro anos, disse não ao Extra, Vokswagen e Coca-Cola. Evita divulgar bebida alcoólica e não aceita deixar nada gravado para ir ao ar no futuro, como uma celebração do hexa, e não grava nada no horário do expediente da CBF. O padrão foi o mesmo em 2018. A agenda de Tite ficou aberta até fevereiro, ou seja, três meses antes da Copa da Rússia.
Fontes próximas de Tite contam que ele escolheu a discrição depois das críticas pós-eliminação contra a Bélgica. Uma delas apontava a superexposição midiática. Ele superou Neymar em inserções publicitárias no mercado nacional. Criticava até o número de pixels de marcas de televisão concorrentes da sul-coreana Samsung. Falou dos remédios da Cimed, deu conselhos a estudantes universitários interessados em estudar na Uninassau e virou um dos rostos prediletos do Itaú.
Especialistas em marketing ouvidos pelo Correio Braziliense admitem — e entendem — a mudança de postura de Tite no mercado publicitário, mas apontam outros motivos para a discrição dele nesta Copa. "O que eu vejo é uma Copa atípica, até pelo 'time' em que ela está sendo disputada. Está dividindo atenção, no Brasil, com eleição, finais de campeonatos, até a própria discussão de budget (orçamento) das empresas entra nisso. É um final de ano. Tudo é muito diferente", avalia o consultor em Marketing Esportivo Diogo Kotscho.
O executivo acha difícil descobrir por que Tite está aparecendo menos, mas recorre ao histórico dos antecessores em ano de Copa em busca da resposta. "Essas aparições sempre criaram muito ruído. Nunca foi muito bem visto nem muito bem aceito aparecer toda hora na tevê fazendo comercial. Eu acho que ele ficou muito mais seletivo em relação ao uso da imagem dele antes dessa Copa do Mundo para não ter uma super exposição", opina Kotscho. "Talvez ele tenha percebido que tenha passado um pouco do ponto e virado até uma distração. Do lado dele pode ter tido essa consciência de que é melhor se preservar", considera.
De fato, antecessores de Tite surfaram na onda da Copa. Telê Santana foi garoto-propaganda da Topper e do Banco de Minas Gerais no Mundial da Espanha, em 1982. Sebastião Lazaroni expôs a italiana Fiat em 1990. Mário Jorge Lobo Zagallo, Parreira, Dunga e Luiz Felipe Scolari não desperdiçaram a oportunidade. Felipão abocanhou seis empresas diferentes antes da Copa de 2014, no Brasil.
O CEO da Patrocínio Brasil e diretor de Marketing do Gama SAF, Adauto Gudin, chama atenção para outros detalhes. "A economia não está no melhor momento e as eleições monopolizam as conversas", defende.
Diogo Kotscho concorda: "Do lado do mercado tem todo esse diferente ritmo da Copa disputando atenção com uma eleição super polarizada, disputada em meio a finais do Brasileirão, Copa do Brasil, Libertadores... A Copa do Mundo ainda não pegou o fogo que pegaria no período em que costuma ser disputada".
Adauto Gudin também atribui a discrição de Tite ao desgaste de seis anos e meio no cargo. Na interpretação dele, houve um crescimento da rejeição depois da eliminação diante da Bélgica em 2018. "Ele tinha mais apoio em 2018, mas acredito que a imagem está até mais positiva pelo fato de a Seleção Brasileira estar jogando bem", pondera o especialista.
A visão de que o calendário da Copa bagunçou o mercado publicitário é praticamente unânime. "O momento que o futebol brasileiro vive é o que a Europa vive normalmente antes da Copa do Mundo. Lá tem a final da Champions League, a conclusão das ligas nacionais, das copas de cada país, coisa que a gente, agora, no país, está vivendo", reforça Diogo Kotscho.
A revolução tecnológica também tem diminuído a demanda por jogadores e técnicos de futebol. Tite era protagonista em 2018. Quatro anos depois, assumiu praticamente o papel de coadjuvante do influenciador digital Luva de Pedreiro no comercial do McDonald's. Outros personagens, como Casimiro, conquistam o espaço dos boleiros e treinadores.
Antenada com o mercado publicitário, a CBF inova e "convocou" influenciadores digitais de diferentes públicos para acompanhar a campanha do Brasil no Catar. Ao enviá-los ao Catar, a CBF aposta em uma forma nova de se comunicar com o torcedor da Seleção e quer arregimentar um público que não assiste aos jogos nem segue os atletas. Essas figuras somam mais de 100 milhões de seguidores nas redes sociais. Igão e Mítico, do Podpah, aparecem na lista da Bloomberg das 500 personalidades mais influentes da América Latina. Robin Hood Gamer ostenta mais de 19 milhões de seguidores fiéis que geraram 9,4 bilhões de visualizações em seu canal do YouTube.
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