Competentes, vitoriosos e polêmicos. Referências no Brasil e na América do Sul empilhando títulos estaduais, nacionais e internacionais como as últimas três edições da Libertadores, os técnicos portugueses Jorge Jesus e Abel Ferreira despertaram ciúmes nos coleguinhas brasileiros.
Nos tempos do Mister, concorrentes como Renato Gaúcho, Alberto Valentim e Vanderlei Luxemburgo alfinetaram o lusitano. O alvo, agora, é Abel Ferreira. As declarações do comandante do Palmeiras depois de eliminar o Atlético-MG nas quartas de final da Libertadores incomodaram Cuca e até quem não tinha nada a ver com a história. De Porto Alegre, Mano Menezes ironizou a aula tática do lusitano enquanto falava sobre o triunfo do Internacional contra o Fluminense, no Beira-Rio, por 3 x 0.
A seguir, o Correio Braziliense recorda ocasiões em que os técnicos estrangeiros tiraram os brasileiros do sério com seus títulos em solo brasileiro ou sul-americano e declarações sinceronas. E os recalques dos professores nacionais.
» Jesus x Alberto Valentim
Costumeiramente elétrico em relação aos seus jogadores, Jorge Jesus normalmente era breve em suas declarações à imprensa. Porém, na vitória rubro-negra no clássico frente ao Botafogo, pelo Brasileirão 2019, O Mister respondeu de forma mais incisiva sobre o que ouviu relativo a “caçar o homem”, remetendo à marcação botafoguense sobre Lincoln.
“Para parar uma equipe você tem que ter argumentos técnicos e táticos. Não é essa a forma de parar uma equipe. Fizeram caça ao homem, quiseram intimidar nossos jogadores. Não conseguiram. Quando acabou o jogo, eu disse ao jogador do Botafogo: 'Não valeu a pena bater tanto’”.
O técnico botafoguense à época, Alberto Valentim, rebateu as falas do português. “Jesus falou uma grande bobagem. Devia deixar a boquinha dele calada. Ninguém veio aqui para bater, caçar ninguém, que termo que ele está achando que está usando aqui no Brasil?”, questionou.
» Abel Ferreira x Jorginho
No Brasileiro deste ano, após discussão em campo, Jorginho, técnico do Atlético-GO, se disse revoltado pela forma como Abel Ferreira age com a arbitragem, de forma combativa. “Quem deveria ser expulso era o Abel. Já não é a primeira vez que ele é expulso. Eu o respeito como treinador, mas o respeito tem que existir comigo, com minha equipe, com o árbitro. Não é à toa que ele e toda a comissão são expulsos constantemente: bater palma para o árbitro, querendo sacaneá-lo. Revolta como treinador, brasileiro, que venha ao nosso país e está desrespeitando o nosso país. Chamou de cego e nada aconteceu.”
O estafe de Abel Fereira interpretou o episódio como xenofobia e entrou com ação contra o treinador do Dragão, que veio a público novamente explicar que não tinha a intenção de ofender o técnico palmeirense.
» Abel Ferreira x Cuca x Mano Menezes
Depois da polêmica e sofrida classificação às semifinais da Libertadores contra o Atlético-MG, Cuca falou sobre a conduta do Palmeiras e de seu treinador. O assunto ainda repercutia no último domingo na coletiva do técnico do Galo, após vitória frente ao Coritiba.
“Quando está vencendo, tudo que faz é perfeito, é maravilhoso. Se você sai no vestiário e escuta música na hora dos pênaltis e ganha vira moda. E se perdesse? Quando você cai seis vezes no mesmo canto e ganha é legal. Não foram cabeça fria, podiam ter quebrado um jogador nosso. Se a derrota vem para eles nesses jogos, estariam cobrando as duas expulsões, as seis caídas do goleiro no mesmo canto e o treinador que não ficou para os pênaltis. Mas quando se ganha, tudo é perfeito", ironizou.
Ainda sobre como o treinador palmeirense explica a forma tática de sua equipe, Mano Menezes foi irônico em relação ao colega luso em coletiva após vitória do Internacional sobre o Fluminense no domingo, depois do triunfo por 3 x 0 contra o Fluminense.
“O que não se pode confundir é comportamento forte com jogo de maior velocidade, jogo para atacar espaço. Várias vezes vocês ouviram o torcedor no estádio falar 'queremos raça!' quando o jogo está lento. E o jogo fica lento porque o adversário quer. Vocês ouviram uma aula aí na semana passada, que tem que botar gente dentro do bloco e não pode só jogar fora do bloco, então vamos trabalhar isso. É necessário.”
Jesus x Renato Gaúcho
Os microfones também registraram a história a partir de conhecida frase do então treinador do Grêmio, Renato Gaúcho, em novembro de 2020: “Se um dia a diretoria do Grêmio falar: 'Olha, Renato, você tem R$ 200 milhões para contratar', aí pode me cobrar um futebol bonito. Enquanto isso não acontecer, vai ter partidas com altos e baixos.”
Um ano depois, ele estava no Flamengo: em outubro de 2021 foi duramente questionado após a eliminação contra o Athletico-PR na Copa do Brasil, em um Maracanã que cantava pela volta de Jorge Jesus. No mês seguinte, a dolorosa derrota no Uruguai, diante do Palmeiras de Abel, na final da Libertadores.
» Muricy Ramalho x Jorge Jesus
A saída do “Mister” ainda é tema entre os flamenguistas, sobretudo após a possibilidade de retorno do treinador em 2022, após a saída de outro português: Paulo Sousa. No entanto, antes da chegada do ex-técnico da seleção polonesa, o interino Maurício Souza disse que nada do que JJ fez no clube tinha permanecido: “Não ficou nada, a não ser alguns exercícios que ele aplicava e que nós também aplicávamos. A ideia do Jorge ele levou com ele porque não tinha ninguém lá para escutar e nem reproduzir.”
Com a má performance do novo treinador lusitano, que perdeu a mão do time, Jorge Jesus foi cogitado a voltar ao Flamengo, inclusive chegando a estar no Rio de Janeiro para conversar com a diretoria. Passado o episódio, com a ida para o Fenerbahçe após passagem frustrada pelo Benfica, o ex-técnico Muricy Ramalho não apreciou a atitude de Jesus: “Achei muito antiético. Porque está vendo que o Paulo Sousa não está muito legal lá. O campeão que ele foi aqui, bom treinador que ele é, e o cara é compatriota dele. Vai me desculpar, mas foi infeliz para caramba. Famosa trairagem mesmo. Ele pode ser o melhor do mundo, mas não teve ética nenhuma.”
» Dunga e Joel Santana x Abel Ferreira
A ideia de passado também é vista no treinador palmeirense, visto com bons olhos em uma virtual sucessão a Tite na Seleção Brasileira após o mundial do Catar. Técnico do Brasil na Copa do Mundo de 2010, Dunga diz que Abel não saberia ajustar a equipe canarinha. “Para trazer alguma coisa sem ter o conhecimento do futebol brasileiro não é como na Europa. Aqui a programação é feita e daqui a pouco tem que mudar. Tem que conhecer a mentalidade dos jogadores, é bem complicado na Seleção. Já questionam ele ganhando tudo no Palmeiras. Imagine na seleção brasileira.”, afirmou. Para completar a contrariedade, o também ex-treinador Joel Santana, declarou: “Abel, vai me desculpar, você não ganhou p*** nenhuma na vida. Quem ganhou foi o Mourinho, o Guardiola e o (treinador) do Liverpool (Jurgen Klopp).”
Saldo dos estrangeiros
O efeito do sucesso lusitano fez com que outros times recorressem aos serviços de técnicos estrangeiros como tentativa de sucesso. O efeito direto é a temporada de 2022 registrar o recorde de treinadores de fora do Brasil no Campeonato Brasileiro: além de Abel, Luís Castro (Botafogo), Vítor Pereira (Corinthians), Juan Pablo Vojvoda (Fortaleza) e António Oliveira (Cuiabá) ainda mantém seus cargos.
Ao todo, 10 técnicos de fora do país treinaram na primeira divisão. A atual temporada também é recordista em demissões, com um total de cinco: Antonio Mohamed (Atlético Mineiro), Paulo Sousa (Flamengo), Fabián Bustos (Santos), Alexander Medina (Internacional) e Gustavo Morínigo (demitido neste domingo, 14, do comando do Coritiba).
*Estagiário sob a supervisão de Marcos Paulo Lima