Um jogo, dois sonhos

No segundo capítulo da série sobre os brazucas da decisão, a gana do ítalo-brasileiro naturalizado espanhol Thiago Alcântara de igualar Seedorf e Eto'o; e a temporada segura de Éder Militão. Contratado para suceder Sergio Ramos e Varane, o zagueiro mais caro da história do Real se firmou e almeja título particular inédito

Era 10 de julho de 2019. Éder Militão desembarcava no Estádio Santiago Bernabéu com traje de gala. Todo empacotado, o zagueiro mais caro da história do Real Madrid vestia terno e gravata para o primeiro encontro com o novo patrão, Florentino Pérez. Lá pelas tantas, passou mal. Acusou tontura. Emocionado, pediu desculpas à imprensa: "Estou um pouco tonto. É muita emoção", afirmou o beque, contratado à época por 50 milhões de euros. A tensão foi proporcional ao peso da responsabilidade. O ex-jogador do Porto chegava para disputar posição com o espanhol Sergio Ramos e o francês Varane. No mínimo sucederia um deles no trabalho de renovação. Foi o que aconteceu.

Sergio Ramos cortou o cordão umbilical com o Real, arrumou as malas e partiu rumo ao Paris Saint-Germain. O caminhão de mudança de Varane deixou a capital espanhola rumo a Old Trafford, a casa do Manchester United. De repente, Éder Militão disputava posição com Alaba e Nacho Fernández. Versátil como Sergio Ramos, conquistou espaço por causa da facilidade para atuar como lateral ou zagueiro pela direita e virou intocável no setor. Alaba é o parceiro oficial, mas Nacho também é seu par. Eles que lutem pela outra vaga.

O Real Madrid acumula 55 jogos na temporada. Éder Militão participou de 50. O beque acumula 5.526 minutos em campo somando exibições na Liga dos Campeões da Europa, Campeonato Espanhol, Supercopa da Espanha e Copa do Rei. A força física é justamente o trunfo pessoal contra os concorrentes. Cuidadoso nas disputas de bola, recebeu nove cartões amarelos e apenas um vermelho nesta temporada contra o Athletico Bilbao.

Embora tenha se firmado na defesa ao lado de Alaba e seja o primeiro reserva de Marquinhos e Thiago Silva na Seleção Brasileira para a Copa do Mundo, há preocupação com a instabilidade emocional de Éder Militão. O equilíbrio mental do jogador tem sido questionado nos últimos dias pela imprensa espanhola. Os focos de preocupação são algumas falhas e apagões na semifinal contra o Manchester City e em exibições de La Liga diante de Atlético de Madrid e Cádiz. Setoristas do Real Madrid defendem uma dupla de zaga com Nacho Fernández e Alaba no sábado em nome da segurança do setor defensivo. Afinal, eles terão pela frente o trio infernal Salah, Mané e Luis Díaz.

Se a primeira impressão é a que fica, o nervosismo de Éder Militão no dia da apresentação ficou gravada na memória da imprensa e dos torcedores. O zagueiro tem pouca experiência em finais como a de sábado. Entrou em campo na decisão da Copa América contra o Peru, em 2019. Participou das decisões de duas Supercopas da Espanha, um torneio de início de temporada sem a intensidade da Champions League. Nacho, um dos concorrentes, é tetracampeão com a camisa do Real. Alba ostenta duas taças no Bayern de Munique.

Além da crítica, o técnico Carlo Ancelotti é cauteloso com o brasileiro. "O Militão me surpreendeu muito. Fiquei surpreso com seu nível e qualidade. Tem espaço para evoluir. Pode melhorar a concentração. O nível físico dele é top, ele é muito rápido, muito forte com a cabeça e um contra um. Às vezes, ele confia demais em seu físico, mas está tendo uma temporada espetacular", elogia o italiano.

Pé-quente

Se a inexperiência de Militão em finais da Champions League preocupa os madridistas, Liverpool vive um suspense. Filho de Mazinho, campeão da Copa de 1994, o meia ítalo-brasileiro naturalizado espanhol Thiago Alcântara foi diagnosticado com uma lesão depois da vitória sobre o Wolverhampton no domingo, pela última rodada do Inglês.

Guardadas as devidas proporções, Thiago Alcântara é para o Liverpool o que Modric representa para o Real Madrid. O dono do meio de campo dos Reds. Assim como fazia no Barcelona e no Bayern de Munique, ele funciona como um metrônomo. Dos pés calibrados dele partiram cinco passes decisivos para gol.

O Liverpool disputou 62 jogos nesta temporada. Thiago Alcântara entrou em campo em 38. Culpa justamente do excesso de contusões. A presença dele em campo é imprescindível porque o craque tem fama de pé-quente e pode entrar para um seleto grupo. Se o Liverpool for campeão, o herdeiro de Mazinho será o terceiro jogador a ganhar o torneio continental por três times diferentes. Igualará os feitos do holandês Clarence Seedorf, vencedor por Ajax, Real Madrid e Milan. O camaronês Samuel Eto'o fez o mesmo vestindo os uniformes do próprio Real, Barcelona e Internazionale.

Fã do maestro, Jürgen Klopp sabe o que representaria a ausência do pupilo no meio de campo contra o Real Madrid. "Thiago quis vir para cá. E ele entendeu como nós jogamos. Ele pensa muito sobre futebol e sabia como a gente jogava. Tinha noção de que se encaixaria e nós sabíamos também", afirmou o alemão.