GESTÃO ESPORTIVA

Saiba por que o pontapé inicial na Liga Brasileira é um bico no atraso

Especialistas debatem razões pelas quais os clubes devem dar um chute na ultrapassada administração do Campeonato Brasileiro e dominar com carinho a bola da vez: oportunidade de entrar na era das grandes ligas internacionais

Pioneiro no debate sobre a fundação de uma liga nacional de clubes no fim dos anos 1980 ao tirar do papel a falida Copa União, o futebol brasileiro ficou para trás. A Premier League deu start no processo na Europa na temporada de 1992/1993, lapidou a ideia e inspirou primas ricas como La Liga (Espanha), Bundesliga (Alemanha), Serie A (Itália) e Ligue 1 (França). Até países das Américas, como o México e Argentina, aderiram com os lançamentos da Liga MX e da Liga Profesional de Fútbol. Defasado até em relação à Major League Soccer dos EUA, o país reensaia a criação da Liga do Futebol Brasileiro (Libra). Embora tenha caminhado com passos de formiga e sem vontade na última terça-feira, em São Paulo, o debate entre os 40 clubes da primeira e da segunda divisão esbarra na falta de consenso.

O maior deles diz respeito às cotas de tevê. Uma proposta defende a divisão com 40% dos valores fixos, 30% variável por performance esportiva e 30% por audiência. Outro prefere o rateio no formato 50-25-25. O impasse voltará à pauta em um encontro na semana que vem, na CBF.

Em entrevista ao Correio, especialistas diferentes áreas avaliam por que a criação de uma liga nacional é urgente no processo de modernização e valorização do esporte mais popular do país. Seis clubes assinaram documento nesta semana que prevê a criação de uma liga para organizar o Campeonato Brasileiro. Bragantino, Corinthians, Flamengo, Palmeiras, Santos e São Paulo rubricaram o documento com a Codajas Sports Kapital e o banco BTG. O Cruzeiro e a Ponte Preta, ambos da Série B, também avalizaram.

Está agendada uma nova reunião para a semana que vem na CBF com os 40 times das séries A e B. "Os 40 clubes são a favor da criação da liga. Agora, é só acertar as arestas. No dia 12, com certeza, será uma grande festa na CBF", projetou o presidente do Santos, Andrés Rueda, depois do encontro da última terça-feira na capital paulista.

O presidente do Athletico-PR, Mário Celso Petraglia, rebate: "Não consideramos que a liga está criada. A intenção seria uma conversa entre os clubes para ajustar. Aí vieram com os estatutos prontos que os seis (clubes) assinaram. Eu nem estudei o estatuto", criticou.

O Furacão faz parte do movimento Forte Brasil, um bloco de clubes que tem o Atlético-MG como embaixador de times emergentes da Série A, como América-MG, Atlético-GO, Avaí, Ceará, Coritiba, Cuiabá, Goiás e Juventude. O presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, pertence ao grupo e defende a reinvenção.

"A criação da liga torna o ambiente mais propício para garantir a qualidade técnica do jogo. Com investimento e maior estrutura, você consegue segurar os talentos e atrair jogadores importantes que, hoje, estão no exterior", argumenta o dirigente. "Outro ponto fundamental é estabelecer um padrão de qualidade para gramado e arenas. Isso é mais que necessário para garantir um futebol de qualidade e conforto ao público. Temos de pensar na experiência de jogo como um todo, ações de match day, espaços família, opções de entretenimento e de alimentação nas arenas, internet à disposição", aponta Marcelo Paz.

De malas prontas para o clássico de domingo, em Brasília, contra o Flamengo, o CEO do Botafogo, Jorge Braga, está alinhado com o presidente do Fortaleza. "A liga vai ter que se reinventar. Em qualidade de jogo, de transmissão, layouts de estádios, tudo. É necessário criar uma outra experiência, um tipo novo de interação com o torcedor e o público. Cada jogo tem que ser um show de entretenimento para quem está no estádio e em casa. Tudo isso é muito caro, o torcedor lá fora sabe o custo e está na sua cultura, é um produto pago. Aqui no Brasil será necessário educar o público nesse sentido", pondera o homem forte do empresário estadunidense John Textor no processo de transformação do clube carioca em SAF.

Ex-vice-presidente de Marketing do Vasco, o CEO da Feel The Match e executivo de inovação no esporte, Bruno Maia, avalia que o futebol brasileiro precisa aproximar o consumidor das experiências de esportes americanos, como a NBA, liga profissional de basquete, e NFL (futebol americano), ou seja, aderir ao showbiz.

"Os gestores certamente estarão sensíveis aos conceitos de marca do campeonato e seus ativos básicos de identidade visual. Isso vai desde a criação de elementos gráficos até a ocupação dos estádios e a fotografia das transmissões, para que o produto tenha uma cara definida e fácil de ser identificado. São aspectos fundamentais para a experiência televisiva, que é um ponto importante na conquista e fidelização do público e até em uma futura internacionalização do produto", indica Bruno Maia,

O executivo projeta a criação da Liga do Futebol Brasileiro como antídoto aos principais eventos esportivos internacionais, mas aponta desafios. "Será necessária uma grande atenção com a infraestrutura de transmissões das arenas e estádios para que se possa gerar mais conteúdos e ativações dos jogos em tempo real. Hoje, no Brasil, a maior parte dos locais de partidas não tem capacidade suficiente para conectar os torcedores em tempo real a quem está fora. Isso é um vetor muito importante no entretenimento ao vivo", observa.

Superliga e NBB

Enquanto o vôlei e o basquete brasileiro ostentam marcas consolidadas como a Superliga e o NBB, o futebol teima em não se modernizar. Sócio da da BP Sports, Bernardo Pontes alerta para necessidade de consenso. "Acho que o principal ponto de partida para o desenvolvimento do futebol brasileiro é certamente os clubes pensarem cada vez mais no produto como algo coletivo e não individual. Hoje, vemos a Premier League e a NFL com grandes destaques na percepção dos consumidores porque há ativos nesses produtos, como ídolos, grandes competições e grandes jogos. Só se constrói isso coletivamente, elevando o nível de todos para aumentar o poder de atração", cobra Pontes.

Em entrevista ao Correio, o diretor da Superliga e Novos Negócios da Confederação Brasileira de Vôlei, Marcelo Hargreaves, resumiu por que o basquete e o vôlei avançaram e o futebol estagnou. "Há uma vontade nos clubes de criar uma liga, uma gestão única com os franqueados, mas você não consegue chegar a lugares comuns de divisão de valores e riqueza. O vôlei e o basquete, por terem crescido pouco a pouco, têm essa consciência um pouco mais impregnada. A semente está bem plantada. Temos patrocinadores importantes, equipes fortes e distribuição plural na mídia", resumiu no fim de semana passado durante as finais da Superliga feminina em Brasília.