No divã da diva

Caloura de psicologia, Rebeca Andrade, medalhista de ouro e prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, conta ao Correio como administra a rotina de treinos, vida acadêmica e a cobrança por resultados no curto ciclo rumo a Paris-2024

Salvador ­— ­Ela não anda, ela desfila imponente no Centro de Convenções Salvador. De camisa branca, calça jeans e salto alto, a medalhista de ouro no salto e prata no individual geral nos Jogos de Tóquio-2020 percorre os corredores e estandes do Congresso Olímpico Brasileiro realizado em março pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), na capital baiana, cheia de simpatia.Posa para fotos com fãs, conversa com eles e exala alto astral. Um dos segredos da felicidade da ginasta paulista de 22 anos é a vida acadêmica. Em tempos de debate sobre a saúde mental da amiga estadunidense Simone Biles e de tantos outros atletas de alto rendimento, como os compatriotas Neymar do futebol e Gabriel Medina do surfe; o piloto inglês de Fórmula 1, Lewis Hamilton; e a tenista japonesa Naomi Osaka, a caloura Rebeca Andrade deu início recentemente ao sonho da graduação em psicologia.

A universitária é uma das atletas beneficiadas pelo parceria entre o COB e a Estácio. O convênio oferece aos 317 atletas da delegação presente no Japão, em 2021, bolsa integral de graduação ou pós-graduação na instituição de ensino superior. O benefício ainda atende atletas paralímpicos por meio do Comitê Paralímpico Brasileiro(CPB).

O curso mudou a rotina de Rebeca Andrade. Ela treina de dia e estuda à noite. Negocia com os professores quando precisa viajar para competir e conta com a compreensão dos mestres em tempos de aulas presenciais e/ou a distância. Alterou, inclusive, os hábitos de leitura da atleta.

"Eu comecei a faculdade, então não estou tendo tanto tempo para ler os livros que eu curto, mas, sim, os livros relacionados ao curso de psicologia. Eu estou lendo, agora, Psicologia da Psicologia. Estamos na introdução. Estou lendo alguns de neuro, também, porque é muito difícil melhorar uma fisiologia. É muito complicado", admite Rebeca em entrevista ao Correio.

A campeã olímpica está em processo de adaptação à vida acadêmica, porém não pensa em trancar nem desistir. A meta é concluir os cinco anos do curso. "A gente tem que estudar. Aprender é sempre muito interessante. É uma área que eu gosto bastante. Estou curtindo. Eu sei como a psicologia foi importante para mim. Vou compartilhar tudo que eu puder",planeja.

Ciente de que carreira de atleta é curta, Rebeca transitou pelo Congresso Olímpico Brasileiro, em Salvador, com o engajamento de uma universitária. Lamentou, por exemplo, a ausência na palestra de Aline Wolff, psicóloga dela desde os nove anos. "Aqui apresentam o nível mais alto de todos os serviços que impactam o atleta e o esporte brasileiro. É diferente para mim. Eu estou sempre muito focada dentro do ginásio, mas, para eu conseguir chegar forte na competição, eu preciso do meu preparador físico, da minha psicóloga para chegar com a mente boa, pronta. Eu preciso das meninas que treinam comigo. Isso tudo abre portas,abre os nossos olhos", compreende a ginasta.

Fria e calculista nas conquistas das medalhas em Tóquio-2020, Rebeca Andrade tem a psicologia como aliada há muito tempo. "Eu tenho acompanhamento psicológico desde cedo. Só agora eu senti que todo o trabalho que fizemos durante todos esses anos fez efeito. Em cada ano, eu tinha um progresso. Eu curti muito esse processo", testemunha.

Enquanto a pandemia derrubava concorrentes de Rebeca Andrade antes do início dos Jogos de Tóquio-2020, a brasileira se fortalecia para a competição. "Eu me conheci na pandemia, eu me descobri. Passei a pandemia sozinha em casa. Só tinha eu e eu. Foi muito importante para mim. Saúde mental faz parte do equilíbrio tanto quanto o físico para que tudo dê certo. A gente tem que encaixar todo esse trabalho para que tudo caminhe bem", pondera.

A estratégia de Rebeca está traçada para o curto ciclo até os Jogos Olímpicos de Paris-2024. "O meu foco é sempre estar bem fisicamente, mentalmente, com saúde. É o principal. Eu vou sempre chegar aos treinos e nas competições dando 110% de mim estando em um dia bom ou ruim". Ela admite o peso da cobrança pelo sucesso, mas dá uma aula de inteligência emocional ao dizer como administra a pressão por excelência. "É focar no meu trabalho. Eu não posso controlar o que as pessoas esperam ou querem de mim. Eu só posso me controlar."