"Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo". O texto da campanha da Nike, lançada em 2018, acompanhava a foto do quarterback Colin Kaepernick, e ilustrava a queda livre sofrida pela carreira do titular em ascensão, a partir de 2016.
Considerado uma das estrelas da liga, Colin perdeu a vaga no time e não teve ofertas de contrato na liga após passar a protestar contra a violência policial em abordagens a pessoas negras nos EUA. Durante toda a última temporada em que jogou, o atleta se ajoelhou durante o hino nacional para protestar contra a injustiça racial no país estadunidense.
"Não vou me levantar para mostrar orgulho a uma bandeira de um país que oprime negros e negras. Para mim, isso é maior do que o futebol e seria egoísta eu ignorar isso. Há corpos na rua e pessoas recebendo licenças pagas e se safando de assassinatos", disse o atleta à NFL, na época, ao se referir a policiais inocentados pela morte de pessoas negras.
O posicionamento gerou polêmica nacional, em um debate composto por apoiadores e críticos, inclusive o então presidente dos EUA, Donald Trump. Os protestos feitos por Colin, aliás, faziam parte de uma postura que o atleta tomou também fora dos campos. Em 2016, ele e a esposa fundaram a iniciativa Know Your Rights, que busca acolher, treinar e capacitar jovens negros e líderes comunitários sobre direitos, história americana e do povo negro e propósito. O projeto é itinerante e vai até comunidades de várias cidades dos EUA.
No fim da temporada de 2016, após 11 anos no San Francisco, Colin deixou o time e permaneceu sem contrato no período entre a nova temporada da NFL, em 2017. Não demorou muito para os jornalistas e comentaristas esportivos apontarem motivações diferentes para o "esquecimento" do atleta.
O deserto de oportunidades para o quarterback levou comentaristas esportivos a afirmarem que o caso se tratava de uma batalha da NFL contra o atleta, motivada pela atuação do jogador em movimentos raciais, seguida dos protestos contra os casos que chocaram os EUA naquele ano.
Muitos deles afirmaram que a reprovação do então presidente Donald Trump era um dos motivos pelos quais a NFL impedia uma nova contratação de Colin. Em setembro de 2017, durante um comício em apoio a um aliado político no Alabama, Trump chegou a verbalizar publicamente que os jogadores que protestam nos jogos deveriam perder os empregos.
No mesmo ano, Dave Zirin, autor do livro O Brasil dança com o diabo: Copa do Mundo, Olimpíadas e a luta pela democracia, no qual expõe casos de corrupção dos eventos esportivos no país, denunciou o que ele chamou de “campanha de desinformação” contra Colin veiculada pela imprensa estadunidense.
“Ouvimos um desfile de desculpas falsas de proprietários e executivos da NFL sobre o por que que o quarterback Colin continua desempregado. ‘Ele não está 100% comprometido’, ‘ele está mais preocupado com o ativismo’ e até mesmo ‘estou preocupado com o condicionamento dele, agora que ele é vegetariano’”, discursos repetidos pela mídia, mas mascaradas por quem conversa com o atleta”, pontua Dave Zirin.
O escritor classificou como “guerra” as investidas dos diretores da NFL contra Colin. “A verdade é feia como o pecado. A NFL está negando o emprego de Colin Kaepernick não porque ele não seja ‘bom o suficiente’, mas porque ele está sendo excluído pelo crime de usar sua plataforma para protestar contra o assassinato de crianças negras pela polícia”, pontuou Dave.
“Os donos da NFL não fazem de párias jogadores que batem em mulheres ou enfrentam acusações de assassinato”, compara o escritor. Dave ainda afirma que a “perseguição” é, na verdade, “um tiro direto” da diretoria da liga para todos os atletas políticos — “particulamente os negros” — para que sigam a linha. O caso chamou tanto a atenção do escritor que o levou a escrever a história de Colin no livro O efeito Kaepernick: se ajoelhando, mudando o mundo.
Em novembro de 2017, Colin apresentou uma queixa contra NFL e os diretores da liga, em uma acusação de que o grupo conspirava para mantê-lo fora da liga. O quarterback retirou a queixa após um acordo confidencial, feito em fevereiro de 2019. No entanto, nenhum time demonstrou interesse no atleta.
Protestos contra morte de George Floyd e Jacob Blake reascenderam luta de Colin
Em junho de 2020, após o assassinato de George Floyd, que foi morto asfixiado por policiais, e os protestos decorrentes do fato, a mídia estadunidense lembrou dos protestos de Colin. O comissário da NFL, Roger Goodell divulgou uma declaração na qual se desculpou por não ouvir as preocupações e reivindicações dos jogadores afro-americanos. No entanto, o The New York Times classificou como "hipócritas" as palavras do representante da liga, “por causa da rejeição de Kaepernick pelos donos”.
Michael Rosenberg, da Sports Illustrated, afirmou que o momento faria com que “a América branca dominante” reconhecesse a importância de Colin. “A maneira como reconsiderou Muhammad Ali anos depois que ele se recusou a ir para o Vietnã, a maneira como reconsiderou Jackie Robinson e Jack Johnson, será assim que a América branca dominante vai reconsiderar Kaepernick em algum momento”, pontuou o comentarista.
“O progresso vem aos trancos e barrancos, e este país tende a punir aqueles que insistem para que ele se mova mais rápido. A reconsideração de Kaepernick começou”, pontuou o comentarista”, acrescentou Michael.
Em agosto, em um programa criado pelo ex-jogador da NFL Emmanuel Acho, o comissário da NFL disse que se arrepende de não ter ouvido os protestos de Colin. “Gostaria que tivéssemos ouvido antes, Kaep [Kaepernick], sobre o que você estava se ajoelhando e para o que estava tentando chamar a atenção”, disse. A declaração foi dita dois dias antes de Jacob Blake morrer baleado pelas costas por um policial em Wisconsin.
O pedido de desculpas é resultado de um efeito dominó provocado por Kaepernick. Ainda em 2016, vários colegas negros do jogador aderiram ao gesto de se ajoelhar. Nas outras temporadas, cada vez mais atletas se juntaram ao movimento.
Em setembro de 2020, a resistência aumentou: o ex-time de Colin iniciou a temporada da NFL de braços dados durante o hino nacional. Já os jogadores do adversário deles, o Arizona Cardinals, ficou no vestiário. Um quarterback do San Francisco usava chuteiras com a mensagem No justice, no peace (Sem justiça, sem paz) e a frase "Acabe com o racismo" estava estampada em uma bandeira dentro do campo.
"Me deixe jogar": Colin não desistiu da NFL
Apesar da barreira para uma contratação, Colin permaneceu focado em um possível retorno à NFL. Jornalistas que o entrevistaram afirmaram que o atleta mantém uma rotina de exercícios físicos seis vezes por semana, assim como também de futebol americano.
Em abril deste ano, Colin comentou o caso no podcast I am Athlete. O quarterback afirmou que a liga deveria estar mais “alinhada” com as próprias posições que apresentam em outros assuntos, como a permissão da frase “End racism” (acabe o racismo) nos telões dos campos de futebol e o slogan “Black lives matter” (Vidas negras importam) no capacete de alguns jogadores.
“Tudo o que eu disse tem que estar alinhado com o que eu digo publicamente”, pontuou o jogador. Ele afirmou, também, que o posicionamento dele só trouxe benefícios do ponto de vista mercadológico. “Quando me ajoelhei pela primeira vez, minha camisa ficou em primeiro lugar de vendas. Quando fiz o acordo com a Nike, o valor aumentou em US$ 6 bilhões, seis bilhões”, pontou.
“Então, se você fala do lado dos negócios, isso mostra que é benéfico. Se você está falando sobre o lado de jogo, me deixe entrar e competir, e a partir disso me avaliar. Se eu não for bom o suficiente, livre-se de mim. Mas me deixe jogar e mostrar para você como faço”, acrescentou.
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