Enquanto o futebol bate cabeça há pelo menos 35 anos discutindo a criação de uma liga nacional, esportes como o vôlei mostram-se mais profissionais e coesos na tentativa de emular o que fazem as grandes competições esportivas da Europa e dos Estados Unidos, como NFL, NBA, MLB, MLS. A Superliga de Vôlei é um dos modelos a seguir no Brasil. A competição desembarca hoje, na Arena BRB Nilson Nelson, para a final feminina mineira entre os timaços do Praia Clube e Minas cheia de inovações. É o que conta, em entrevista exclusiva ao Correio, o diretor da Superliga e de Novos Negócios, Marcelo Hargreaves. Ex-jogador com passagem pelas seleções de base e clubes do país, ele fala sobre o desafio assumido em junho do ano passado. Especializado em Negócios pela Harvard Law School, ele tenta aplicar os conceitos na modernização da marca nacional.
Hargreaves justifica a escolha da capital do país para receber a decisão feminina em melhor de três jogos, aborda as inovações para rejuvenescer o público da modalidade, uma delas a transmissão ao vivo da decisão via Twitch por uma influenciadora, o desafio do e-commerce, a montagem de um banco de dados para a aproximação com os fãs da modalidade, o avanço das ferramentas de transparência e a utilização da Superliga como via de debate para temas como o racismo e a igualdade de gênero.
Brasília faz 62 anos e ganhou de presente a final da Superliga feminina. Por que a escolha pela capital do país?
Brasília tem uma importância fundamental para o vôlei. Quando a gente estuda o potencial de parceria das praças no Brasil, a gente leva em consideração alguns fatores. A existência de uma arena que atenda a uma melhor experiência dos fãs em termos de capacidade, modernidade. A gente tem isso na Arena BRB Nilson Nelson. Temos a questão logística, e Brasília oferece um aeroporto Internacional no centro do país, com potencial de atrair turistas e fãs do Brasil inteiro. A questão da infraestrutura hoteleira, o tamanho da cidade, população, PIB, renda per capita, o demográfico do vôlei, e um fator que eu considero hiper relevante: a falta de concorrência muito grande no ramo do entretenimento no esporte. Brasília não tem, hoje, times na primeira divisão do futebol, por exemplo. Há duas equipes de basquete. É um dois únicos casos em que uma mesma equipe tem times no feminino e no masculino da Superliga (Brasília Vôlei). Nós queremos estar perto dessas praças hiper estratégicas para levar os nossos produtos.
A Superliga faz parte de um pacote de eventos do vôlei na cidade…
Estamos levando para Brasília o que nós temos de melhor. Uma final de Superliga feminina, uma etapa do circuito de vôlei de praia, Liga das Nações, amistosos da Seleção Brasileira. Há uma estratégia por trás, sim, de fomento do esporte e crescimento dos nossos produtos. A nossa presença em Brasília é um fomento, um incentivo para o crescimento de um produto que é ter uma franquia da Superliga. Temos o nosso produto no que diz respeito ao voleibol de clubes para catequizar e atrair o público.
Brasília não chegou aos playoffs da Superliga. Vê potencial para que isso aconteça mais à frente?
No início da temporada, eu visitei todas as estruturas. Quando estive no Ginásio do Sesi (Taguatinga), fiquei muito impressionado. Eles têm uma estrutura muito centralizada, um ginásio interessante com capacidade e equipamentos adequados, centro de treinamento, educação física e fisioterapia ali do lado e parcerias institucionais sólidas de patrocínios privados e com o poder público. Há um projeto pensando em longo prazo. Os projetos mais sólidos são muito parecidos com esse de Brasília. Times de gestão e comissões técnicas experientes, com rodagem. Acreditamos em projetos que não necessariamente começam grandes, mas se mostram bem estruturados e vão crescendo ao longo do tempo.
A Superliga fez uma parceria com o GDF, mas houve impasse para que as finais fossem confirmadas aqui?
A gente de fato tem uma parceria com o Governo do Distrito Federal que, por questões burocráticas, está sendo formalizada enquanto conversamos. A gente escolhe as sedes muito com base nos parceiros que conseguimos. Naturalmente, uma das contrapartidas, quando há parceria com uma praça, nesse caso com Brasília, primeiro é a realização do evento naquela praça para que a gente acelere a economia local e alavanque números.
A capital do país é estratégica para a multiplicação e a renovação dos fãs do vôlei?
Temos uma procura por novas praças e pelo rejuvenescimento de fãs. A gente entende que Brasília é estratégica para isso. Ela rima com todos os outros esforços de marketing, gestão e governança que estamos fazendo. É com muito orgulho que estamos explorando o mercado do Distrito Federal. Nos próximos meses, nós daremos passos muito importantes. Temos as finais da Superliga feminina, Liga das Nações, amistosos da Seleção e, muito provavelmente, o Campeonato Brasileiro de Base.
Minas Gerais abocanhou as finais feminina e masculina. É o modelo a ser seguido?
Há um trabalho muito sólido ao longo dos anos. Há longevidade nesses projetos. Alguns com, no mínimo, 10 anos. Sada e Praia Clube estão ali com mais de 10 anos. O Minas é mais tradicional. Presente no masculino e no feminino. Para mim, está muito comprovado. A solidez e a visão de longo prazo faz com que eles tenham resultados esportivos relevantes. São quatro mineiros nas finais masculina e feminina da Superliga. É um Estado muito adequado à cultura do vôlei. São três equipes em Belo Horizonte e uma em Uberlândia, uma cidade com perfil muito parecido com o de Brasília, por exemplo.
Por que as finais da Superliga feminina não serão transmitidas em tevê aberta?
Foi uma decisão tomada pela própria emissora. A gente conseguiu promover essa volta da transmissão da final em tevê aberta (do masculino) depois do começo do campeonato, da definição do calendário. Há um slot, às 10h de domingo, e você não consegue muito fugir disso. Para que eles (Globo) pudessem transmitir o segundo jogo do feminino, precisariam da possibilidade de transmitir, também, o terceiro. No caso do feminino, isso não seria possível. Há um Sul-Americano marcado para o fim de semana seguinte. No caso de um terceiro jogo, será em um meio de semana.
A pluralidade nas transmissões é um avanço da Superliga?
O alcance da tevê aberta é muito importante, mas também estamos trabalhando de uma maneira mais segmentada. A final feminina será transmitida em um canal aberto segmentado ao público mais jovem, que é o Twitch da influenciadora Nazinha. É uma gamer muito relevante. Ela tem um passado na prática de vôlei. Vamos estar jogando tanto no alcance da aberta quanto no engajamento dessas novas mídias. Além da transmissão no SporTV e no nosso canal proprietário, que é o Vôlei Brasil.
Outra inovação é o e-commerce. Como será essa ação nas finais?
Na final masculina, nós vamos promover os primeiros testes de venda de produtos da Superliga e das outras marcas da CBV. Estamos testando com as marcas institucionais para que a gente possa levar isso a todas as marcas dos clubes, atletas, federações e nossos patrocinadores em um modelo no qual nós seremos os produtores e distribuidores desses itens. A moda e estilo de vida são importantes para a própria difusão do vôlei. Leva o esporte a novos públicos. O e-commerce será focado nisso. Não estaremos focados na venda dos uniformes de jogo, mas em camisas, camisetas, copos, bermudas, bonés que podem ser usados no dia a dia das pessoas e construam marca para a Superliga.
Qual é a estratégia ao montar um banco de dados dos fãs de vôlei?
Queremos ter uma relação direta e conhecer melhor os nossos fãs. A CBV cumpre perfeitamente o seu trabalho de desenvolvimento do esporte, mas o aperfeiçoamento contínuo passa por uma aproximação maior com os fãs, a ampliação dessa base da pirâmide. Precisamos entendê-los melhor e de uma modernização do marketing. Isso passa, necessariamente, pela integração de todas as fontes de dados. Vai desde a venda de ingressos que estamos fazendo em Brasília até o próprio e-commerce, o nosso aplicativo, o canal de transmissão, enfim, a integração em uma base de dados dos fãs.
A governança é um dos segredos do sucesso da Superliga?
O desenvolvimento do ecossistema do vôlei passa por gestão e governança. A CBV lidera, mas outras esferas são muito ativas. Clubes, federações, os próprios atletas. Esse trabalho com especialistas passa muito pelo desenvolvimento do nosso modelo de negócio, mas, também, por um trabalho de educação, gestão e governança contínua com os clubes. A Ernst & Young mostra para a gente, por exemplo, o estudo de impacto econômico e financeiro nas praças. O primeiro trabalho que nós faremos será justamente em Brasília para a Liga das Nações. Estamos evoluindo bastante em marketing, novos negócios, gestão e governança.
Você é um jogador de vôlei em cargo de gestão. Há outros, como a Adriana Behar, que ocupa o cargo de CEO. Até que ponto isso acelera o processo?
Um pleito antigo da comunidade do vôlei era a maior participação de ex-atletas na gestão. A chegada da Adriana Behar (CEO da CBV) recheou a nossa gestão de ex-atletas. Eu acredito que o conhecimento tácito do vôlei com o conhecimento formal de mercado é capaz de levar os nossos produtos a um outro nível.
Ligas como o NBB e a Superliga se inspiram nos modelos dos Estados Unidos?
Eu estudei bastante o modelo. Tive oportunidade de trabalhar nelas nos últimos seis anos. Desenvolvi a marca de negócios da NFL no Brasil, experiências com a NBA, Roland Garros, La Liga, SLS, que é a liga de skate e desenvolveu tantos atletas no Brasil. Cada um deles tem os pontos positivos que poderíamos usar como modelos para o Brasil. Acredito que o vôlei, como produto esportivo, é muito grande no Brasil. Talvez seja a maior oportunidade de mercado no país.
Por que o futebol não consegue criar uma liga?
O nível de concorrência no futebol é muito grande. Há uma vontade nos clubes de criar uma liga, uma gestão única com os franqueados, você não consegue chegar a lugares comuns de divisão de valores e riqueza. O vôlei e o basquete, por terem crescido pouco a pouco, têm essa consciência um pouco mais impregnada. A semente está muito bem plantada. Temos patrocinadores importantes, equipes fortes e distribuição plural na mídia.
Como a Superliga tem entrado em discussões como racismo, igualdade de gênero…
A Superliga feminina e masculina é o único ambiente esportivo brasileiro no qual você encontra, de fato, a questão do empoderamento e da igualdade de gênero. O próprio mercado construiu o ambiente no qual temos maior distribuição e audiência do esporte feminino, maior número de praticantes no feminino do que no masculino, um perfil de público que é maior entre mulheres e homens e, principalmente, uma movimentação econômica em termos de salários de atletas maior entre as mulheres do que dos homens. Ao perceber esse retrato, vemos a oportunidade. Não estamos falando aqui da construção de uma linguagem artificial para se colocar na mídia. Isso acontece genuinamente em um produto. A nossa CEO, por exemplo, é a Adriana Behar, uma mulher.
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