Em busca de equilíbrio

R uim da cabeça ou doente do pé: o que se passa com Andreas Pereira? O "vilão" da derrota do Flamengo para o Palmeiras na final da Libertadores, há quatro meses, em Montevidéu, falhou novamente no último domingo, no Estádio Nilton Santos, na vitória por 2 x 1 sobre o Vasco. Criticado pela torcida, o volante de 26 anos tem a contratação definitiva por R$ 50 milhões questionada. A paciência da torcida com as falhas individuais está no limite e reabre o debate sobre a necessidade de equilíbrio emocional para suportar a pressão das arquibancadas e das redes sociais. A cobrança excessiva expõe a vulnerabilidade mental dos jogadores e a demanda por acompanhamento psicológico.

No último domingo, Andreas Pereira tinha a bola dominada no campo ofensivo e foi desarmado, originando o contra-ataque que culminou no gol de empate cruzmaltino. Para sorte dele, Arrascaeta estava com a mira calibrada e marcou golaço, de fora da área, garantindo a vitória rubro-negra. O uruguaio não impediu que o camisa 18 deixasse o campo sob vaias dos torcedores.

Andreas Pereira não é o único jogador do futebol brasileiro em pé de guerra com a torcida. Acostumado com a era vitoriosa liderada pelo goleiro Rogério Ceni, o São Paulo dispara críticas rotineiras contra o sucessor dele no gol, Tiago Volpi. O arqueiro tricolor coleciona falhas em clássicos e partidas decisivas, como as diante do Fortaleza pelas quartas de final da Copa do Brasil no ano passado. Mesmo sob desconfiança, Volpi foi titular e mostrou serviço na vitória por 1 x 0 sobre o Corinthians, no Morumbi.

O torcedor corintiano, inclusive, tem expectativas cada vez mais escassas quanto ao meia-atacante Luan, eleito o Rei da América pelo Grêmio no título da Libertadores de 2017. Na terceira temporada vestindo a camisa alvinegra, ele soma apenas nove gols e cinco assistências em 75 jogos. Recém-chegado, o técnico português Vítor Pereira elogiou o comandado e confidenciou que a joia era desejo antigo quando ele trabalhava na Europa.

Para o psicólogo do esporte Paulo Penha, os jogadores precisam gerenciar a pressão para que não haja impactos significativos nas quatro linhas. "O atleta deve estar aberto a questionamentos, a receber perguntas e avaliar os posicionamentos. É preciso ter um filtro para verificar quais críticas são construtivas e podem agregar ao desempenho em campo", adverte o profissional.

Na análise do também psicólogo Yghor Gomes, o trabalho mental de um atleta profissional precisa ser desenvolvido desde as categorias de base. "É necessário que o atleta desenvolva, além da capacidade técnica, o fator psicológico. Blindar o atleta não resolve o problema. É preciso prepará-lo para estar no lugar de cobrança, ensinar a lidar com o ambiente adverso", aconselha o especialista.

O futebol brasileiro também conhece histórias de jogadores que fizeram das turbulências trampolim para o sucesso. No Palmeiras, o zagueiro Luan foi, por muito tempo, o principal alvo da torcida alviverde. O defensor, porém, se recuperou e virou um dos pilares do esquema bicampeão consecutivo da Libertadores no ano passado.

No Flamengo, Michael foi resgatado, superou a depressão e encerrou 2021 como artilheiro rubro-negro no Brasileirão com 14 gols. A volta por cima do baixinho chamou a atenção do Al-Hilal. O clube da Arábia Saudita desembolou R$ 45,5 milhões para tirá-lo do Ninho do Urubu.

O trabalho para a recuperação de jogadores é árduo, mas essencial. "Fazemos trabalhos individuais e entendemos o que está travando o jogador, pois vários medos surgem. No momento em que entendemos qual é o tipo de bloqueio, criamos algumas estruturas para trabalhar autoconfiança e 'ressuscitar' esse jogador, tratando da autoestima, do foco e da motivação para voltar a brilhar", detalha Paulo Penha.

Para os especialistas, o papel dos treinadores é ainda mais fundamental, pois a constatação de um atleta em baixa pode prevenir danos emocionais e afetar a sequência do trabalho. No entanto, eles alertam para a cultura do futebol brasileiro, em que o técnico é tido como dono do vestiário e tenta resolver questões fora dos seus limites.

"Se tratando de questões emocionais e comportamentais, as coisas desandam, pois muitos não têm os conhecimentos específicos e podem complicar ainda mais a situação", alerta Penha.

"O papel central do técnico é transmitir confiança para o seu elenco. É importante que ele acolha o jogador, mas os treinadores não são os profissionais qualificados para uma intervenção psicológica", ressalta Gomes.

Mesmo sem contar com o brilho de outras épocas, os campeonatos estaduais ainda geram pressão. Com alguns clássicos em meio ao jogos de baixo apelo, clubes e torcidas enxergam o início de temporada como termômetro e diagnóstico para a sequência de mais um ano com muita disputa e, claro, pressão alta dentro e fora das quatro linhas nas diversas competições.

*Estagiário sob a supervisão de Marcos Paulo Lima