Estádio de alerta

CEO da Arena BSB passa a limpo dois anos de gestão do Mané em meio à pandemia, diz que acionou a cláusula de equilíbrio econômico e detalha danos estruturais no templo mais caro da Copa de 2014

Marcos Paulo Lima
postado em 13/03/2022 00:01
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

Há dois anos, o início da pandemia e as ordens de confinamento em casa para evitar o contágio pelo coronavírus viraram a vida de pessoas físicas e jurídicas de cabeça para baixo. Em 4 de fevereiro de 2020, a Arena BSB, por exemplo, havia acabado de assumir a concessão da Arena BRB Mané Garrincha. Deu tempo de abrigar eventos de ponta, como o show do Maroon 5 e o primeiro título do Flamengo na Supercopa do Brasil contra o Athletico-PR. Depois disso, as portas do estádio mais caro da Copa do Mundo de 2014 se fecharam.

Na entrevista a seguir, o CEO da Arena BSB passa a limpo dois anos de gestão. O executivo assegura que a empresa está saudável financeiramente para honrar mais 33 anos do contrato firmado com o GDF, mas há muitos problemas a solucionar. A firma acionou a cláusula de equilíbrio econômico do acordo a fim rever, por exemplo, os prazos de valor de outorga e das contrapartidas previstas no documento. Mas há outros problemas. Prestes a completar 10 anos, o estádio construído por R$ 1,5 bilhão começa a apresentar danos causados pelo tempo e a falta de manutenção. É o que Dubois conta ao Correio.

A concessão fez dois anos. Qual é o balanço?

Conseguimos trabalhar 45 dias. Houve um bom volume de eventos e veio a pandemia. Passamos a viver um voo de galinha. Abre, fecha, pode, não pode…

São 33 jogos na pandemia. Satisfatório?

A Copa América foi um marco muito valioso. Realizamos o primeiro jogo com público na retomada (Flamengo x Olimpia). As restrições e exigências de exames tornaram o espetáculo inviável. Veio a terceira onda. Tínhamos sete jogos de estaduais bem encaminhados neste ano, como o Fla-Flu, mas aí veio o decreto.

A concessão de 35 anos prevê valor de outorga, contrapartidas... Qual é o impacto da pandemia no cumprimento do contrato?

O contrato de concessão tem uma cláusula que fala do equilíbrio econômico por motivo de força maior. Nós, imediatamente após o decreto do fechamento (em março de 2020), oficiamos a Terracap evocando a cláusula. O complexo ficou parado e teve o custeio de um aparelho que era público e deixou de ser. Há muita jurisprudência sobre equilíbrio econômico de concessão no Brasil e vai se criar, seguramente, por conta da pandemia. Aeroportos, concessões de rodovias, dezenas de serviços públicos.

O que esperam?

Os especialistas dizem que haverá uma prorrogação na pandemia e, em alguns casos, uma compensação financeira aos concessionários na forma de mais anos no fim ou redução de valores de outorga.

Até que ponto a pandemia abalou a concessionária?

Muitas concessionárias não aguentaram passar por esse vale da morte da pandemia, mas nós conseguimos. Nós consumimos capital, mas tínhamos gordura para queimar. Do ponto de vista financeiro, nós estamos superbem. Do ponto de vista econômico, nós engolimos dois anos de prejuízo. Esperamos uma negociação com a Terracap. Se for rápida, ótimo, ou vamos para um painel de arbitragem. O contrato está muito bem desenhado.

Os naming rights ajudam a fechar a conta?

Temos um bom naming rights com o BRB (R$ 7,5 milhões por três anos). Seguimos a linha internacional. Os maiores patrocinadores são do mercado financeiro. Infelizmente, estamos muito aquém do valor que se consegue em naming rights lá fora. Nos EUA, que tem vários números públicos, é da ordem de US$ 10 milhões a US$ 20 milhões por ano. O melhor caso aqui no Brasil é o Allianz Parque, da ordem de R$ 20 milhões por ano.

Arenas como o Mané Garrincha ficaram muito tempo em uso pleno. O estádio está pronto para voltar a receber 100% de público?

Faz dois anos que estou com a arquibancada superior fechada. Eu tenho dificuldade de abrir. Não vamos tratar mal o nosso público. Nós fizemos um teste para possível jogo com estádio cheio. Havíamos desativado todas as caixas d'água e todos os banheiros do anel superior. São 40 mil lugares mais ou menos. O primeiro que a gente abriu estourou toda a coluna. O estádio tem gastos e manutenções. Todos os nobreaks do estádio foram queimados (antes de a concessionária assumir) e estamos discutindo com a Terracap a recuperação. Quando perdemos a automação, ficamos com um estádio dos anos 1970, o velho Mané Garrincha. A gente precisa resolver urgentemente a questão da iluminação. Gastamos mais de
R$ 300 mil.com lâmpadas.

Há danos estruturais?

As rachaduras todas são da construção. Estão identificadas e existe uma ação entre a Novacap e o Consórcio Consultor para que façam os reparos. Isso está andando. A gente tem muito interesse que ande.

Alguns estádios modernos, como o Nilton Santos e o Maracanã, demandaram ajustes na cobertura. Algo foi detectado no Mané?

Isso nos preocupa. Vamos ter que endereçar. A gente tem monitorado bem de leve para entender o problema, mas é uma das coisas que a gente vai ter que entrar nos próximos dois ou três anos, que é fazer um aperto em toda a estrutura. O estádio ficará um mês interditado para fazer o reajuste. Normalmente, a manutenção é a partir de 10 anos. Seria em 2023. Por enquanto, está tudo bem. O estádio tem um problema derivado pelo Consórcio Consultor que é essa parte interna de policarbonato, que não está de acordo, mas o problema não é estrutural. Ele só dá umas goteiras. O pessoal foi lá e tampou. Não é urgente, mas está no radar.

Então haverá manutenção do teto em 2023.

Essa cobertura é um projeto alemão com execução italiana. Ele já veio soldado, um grande lego, e foi parafusado no lugar. A gente trouxe um alemão. Ficamos três ou quatro dias aqui com ele. Ele foi lá em cima e fez todas as medições. Encontrou alguns problemas que foram sanados e nos deu um plano de curto, médio e longo prazo. Nós vamos ter que interditar o estádio para fazer o serviço. A membrana do teto ele estimou que tem vida útil de uns 20 anos.

Os gramados do Maracanã e do Mané Garrincha sempre são criticados. Há plano de reforma do campo?

Estamos fazendo um estudo para retirar o gramado completamente no período de seca para fazer uma série de shows e eventos que a gente tem planejado. Na volta, ou replanta o gramado, ou vamos para o sintético. Estamos avaliando se vale a pena ficar dois ou três meses sem gramado e depois replantar sintético ou híbrido.

Das 33 partidas na pandemia, 15 foram do Candangão. Como tem sido a relação com clubes deficitários?

Pelo contrato, nós cedemos o espaço graciosamente. Eu não cobro R$ 1. Zero. Há os custos que o clube vai ter, segurança, limpeza... A empresa Arena BSB tem zero de resultado com os jogos do Candangão. Com ou sem público, não faz diferença. É até melhor sem público porque é menos tumulto. Mas futebol sem público não há coração.

Até que ponto a briga generalizada no clássico local abalou a relação com os clubes?

O jogo entre Gama e Brasiliense tinha três vezes mais segurança do que a legislação exige. Nós sabíamos que era um jogo complicado e a gente fez questão de ter o triplo. Mas ali não foi combustão espontânea, não, alguém riscou o fósforo e está sendo apurado (pelo Ministério Público do DF).

O Mané já não deveria ter identificação facial?

Temos as câmeras. Estamos comprando um sistema da Motorola, que faz o reconhecimento. Nós faremos uma reunião com a Secretaria de Segurança para definir protocolos. Ela terá a base de dados para dizer se o cidadão tem antecedentes. Isso não cabe a nós.

Em 2019, uma ação da Polícia Civil prendeu promotores de jogo dentro do Mané Garrincha. Como a concessionária se blinda contra isso?

O estádio tem, hoje, um contrato. Há um anexo enorme, que é o manual do estádio. Fala que a gente tem que ter acesso on-line ao público, bilheteria por bilheteria. Se for um sistema da bilheteira, obrigatoriamente tem que falar conosco. Não tem mais essa de 'vou trazer a minha bilheteira'. Se trouxer, nós apresentamos o nosso sistema e a ordem é que se faça a interface. Se ele (promotor) está recolhendo tributo ou não, não cabe a nós. Mas, se a gente souber de alguém com esse tipo de antecedente, não faremos nenhuma parceria.

Há demanda por projetos sociais na área destinada ao Defer, as chamadas escolinhas de esporte. Há algo previsto para atender a comunidade carente?

Tinha, e o GDF pagava dezenas de milhões de reais para isso acontecer. Nós, como cidadãos, temos que entender que nada é de graça. O fato de não ser cobrado do usuário não quer dizer que não está sendo cobrado da coletividade, dos contribuintes. O custo por atendimento era exorbitante. Não estou aqui para julgar ou levantar o passado, mas era muito caro atender de forma muito precária.

Qual é a alternativa?

Estamos fazendo a manutenção da área de piscinas operacionalizada pela Secretaria de Esportes. Aparentemente, vai voltar. Deve ser feito. As atividades que aconteciam no Nilson Nelson foram transferidas, há mais de um ano, para o Parque da Cidade. O gasto aqui, que, repito, era de dezenas de milhões, pode ser alocado para melhorar a condição de outros aparelhos. A gente sabe que tem um grupinho aí que sempre reclama. Infelizmente, eles desconstroem.

Como reconstruir as relações com a comunidade?

Venham com propostas concretas. Temos interesse em apoiar o esporte. É o caso do Candangão. A gente poderia cobrar alguma coisa, mas o Candangão joga de graça aqui. Se vierem com um projeto social que possamos apoiar, a gente ajuda. Agora, não é pedir para a empregarmos e criarmos cabide de emprego. Nós temos que ver o dinheiro ser usado efetivamente na ponta para a melhoria do esporte. Vamos ter um complexo de tênis aqui, provavelmente com atividade social. Projetos precisam ter início, meio e fim.

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