O futebol no fundo do poço

CASOS DE POLÍCIA Fim de semana é marcado por confusões generalizadas. Com uma morte, clássico mineiro elevou violência no Brasil. No México, selvageria causou, ao menos, 26 hospitalizados, três em estado grave e dez em situação delicada

Danilo Queiroz
postado em 07/03/2022 00:01
 (crédito: Eduardo Gomez/AFP)
(crédito: Eduardo Gomez/AFP)

As selvagens brigas envolvendo torcedores de Atlético-MG e Cruzeiro, em Minas Gerais, e Querétaro e Atlas, no México, voltaram a incendiar o debate sobre como frear a violência no futebol no mundo. Ontem, no confronto generalizado entre os mineiros, uma pessoa morreu baleada. Na brutal confusão protagonizada pelos mexicanos na noite de sábado, a imprensa local chegou a apontar 17 mortos, mas autoridades oficiais não confirmaram os óbitos e divulgaram 26 feridos, três em estado grave e 10 em situação delicada. Nos dois casos, imagens chocantes correram as redes sociais ao longo do dia.

Nos episódios, a brutalidade foi o modus operandi dos agressores. No Brasil, os atleticanos estavam em um tradicional ponto de concentração quando foram surpreendidos por cruzeirenses. A briga com revólveres e paus se alastrou pelas ruas Lassance e Silva Alvarenga, no Bairro Boa Vista, zona leste de Belo Horizonte. No México, a selvageria ocorreu em plena arquibancada e no gramado. Até mesmo pessoas desacordadas foram alvo de socos e pontapés. Em Minas Gerais, ninguém foi preso. Segundo a imprensa mexicana, 10 torcedores foram detidos por envolvimento na confusão.

Com os problemas do fim de semana no país, os 65 primeiros dias de 2022 registraram 11 casos graves dos mais variados ataques (veja linha do tempo). "A impunidade, a falta de organização e os descumprimentos a leis me chamam a atenção. Qualquer ato de violência deve ser reprovado. Ela não agrega nada ao esporte. Afasta investimentos e torcedores", destaca o advogado Tairone Aires Júnior, membro da Comissão de Direito Desportivo da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O especialista aponta a falta de punição como maior problema a ser enfrentado.

"Os pseudotorcedores insistem em cometer esses atos, pois sabem que nenhuma atitude drástica será tomada para combater. A impunidade, de alguma maneira, motiva os atos violentos", aponta o jurista, explicando a dificuldade de se punir os CPF's em situações de conflitos envolvendo o esporte. "O Estado tem no Estatuto do Torcedor um instrumento legal que dá base para achar o criminoso, mas não funciona na prática. A teoria é muito boa, mas não funciona. A desorganização faz ser difícil punir a pessoa física", ressalta, citando uma forma de fiscalização oferecida pela Lei 10.671, de 2003.

O dispositivo citado por Tairone Aires versa sobre cadastro de torcidas organizadas para coibir e identificar os envolvidos em casos de violência. "O Estatuto tipifica alguns crimes. Mas, a meu ver, ainda é muito falho, principalmente a punição prática. Teria de responsabilizar esses agressores e puni-los de alguma maneira. Eles não temem mais a lei. A Justiça pode afastar uma torcida dos estádios para mostrar para a sociedade que está fazendo seu papel, mas a realidade é essa. A impunidade motiva", acrescenta. "É um efeito cascata. Um problema puxa o outro", lamenta.

Com a escalada da violência no Brasil, jogadores e treinadores pediram um basta. Antes do clássico mineiro, o atacante Keno, do Atlético-MG, havia clamado por paz. "Se está indo para o jogo, recebe pedrada. O outro joga bomba. Eles pensam que se fizerem isso vai dar certo? Correndo o risco de tirar a vida de jogador, de trabalhador", pediu. "A gente vai parar onde? Isso não existe! Estamos no século 21, chega! Se não consegue controlar a paixão, fica em casa e assiste pela televisão", acrescentou Abel Braga, do Fluminense. "Isso não pode acontecer. Temos que evoluir e não aceitar mais isso", finalizou Cássio.

No clássico de ontem contra o Vasco, o Flamengo entrou em campo com a palavra paz estampada no uniforme em 15 idiomas. "Estamos pregando paz e, nos jogos, aconteceram várias rivalidades fora de campo. Temos que saber que clássico é em campo. Saiu ali, todo mundo é amigo", destacou Bruno Henrique. A ação foi uma maneira encontrada pelo clube rubro-negro de se posicionar contra a guerra entre Rússia e Ucrânia. Porém, o recado também se aplica ao problema constante que acontece na porta de casa, com índices de violência atingindo níveis cada vez mais alarmantes no Brasil.

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