O preço de um resgate

Entenda por que nem mesmo o dinheiro de Rinat Akhmetov, homem mais rico da Ucrânia e dono do Shakhtar Donetsk, é capaz de bancar uma rota de fuga para os brasileiros do time. Saiba quem são os 30 jogadores tupiniquins empregados na primeira divisão

Marcos Paulo Lima
postado em 25/02/2022 00:01
 (crédito: Thiago Fagundes)
(crédito: Thiago Fagundes)

Em tempos de guerra, ser amigo do rei não significa, necessariamente, ter na palma da mão o mapa da rota mais segura para driblar os ataques da Rússia e deixar o país em segurança. Treze jogadores brasileiros em busca de um destino são colaboradores do Shakhtar Donetsk. O clube mais bem sucedido da nação do Leste Europeu é bancado por Rinat Akhmetov. Segundo o último ranking da revista Forbes, o senhor de 65 anos nascido em Donetsk é o 378º mais rico do mundo. Nem mesmo o dinheiro do magnata número 1 do território sob ataque compra a liberdade dos valiosos patrimônios da marca campeã da Liga Europa na temporada 2008/2009 e segundo mais vitorioso do país com 13 títulos.

Influente nos dois lados da guerra iniciada na madrugada de ontem, Rinat Akhmetov é um dos mecenas de times de futebol mais prejudicados pela instabilidade na região. Em 2014, a Donbass Arena, suntuoso estádio erguido por ele para o Shakhtar Donetsk, foi atacado. Desde então, o time leva vida cigana. Manda jogos nacionais e internacionais nas cidades de Kharkiv e de Kiev. Um hotel da capital ucraniana usado pelo elenco nas concentrações antes das partidas virou uma espécie de bunker para os brasileiros do plantel.

Revelado pelo Corinthians, o volante Maycon de Andrade Barberan é um dos jogadores abrigados na região. Em entrevista ao Correio, o jogador de 24 anos explicou a estratégia dos 13 atletas do Shakhtar Donetsk e um do Dínamo de Kiev em busca de proteção.

"Nós decidimos ficar todos juntos para facilitar a logística caso apareça alguma ajuda", explicou Maycon. Questionado se eles retornariam ao país em uma aeronave da Força Aérea, caso o Ministério das Relações Exteriores consiga negociar diplomaticamente a retirada de brasileiros do país, Maycon respondeu, convicto: "Com certeza, é o que esperamos", afirmou. Até a noite de ontem, o governo não tinha um plano de resgate.

Como o espaço aéreo ucraniano está fechado, a alternativa mais viável é a transferência via terrestre para países vizinhos em segurança. A Ucrânia tem fronteiras com a própria Rússia, além de Polônia, Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Turquia. Há rota de escape via Belarus, mas o vizinho apoia as ações de Vladimir Putin.

Maycon está no Shakhtar desde julho de 2018. O clube ucraniano mais brasileiro da Europa contratou o jogador, à época, por 6,6 milhões de euros. Ele é um dos 30 jogadores do país inscritos na Premier League da Ucrânia — como é chamada a liga nacional.

Segundo o volante, os 13 jogadores do Shakhtar Donetsk e um do Dínamo de Kiev estão no bunker à espera do resgate. "É uma situação difícil. Estamos apreensivos, sem saber para onde ir. Queremos ajuda da embaixada", reforçou Maycon. Donetsk, sede original do clube, na região de Donbass, é alvo dos ataques russos e de separatistas desde 2014, quando a Donbass Arena, casa do time, foi bombardeada.

Além de Maycon, o hotel é refúgio de Marlon, Vitão, Ismaily, Dodô, Vinicius Tobias, Marcos Antonio, Alan Patrick, David Neres, Tetê, Pedrinho, Fernando, Junior Moraes e Vitinho, jogador do Dínamo de Kiev, principal concorrente do Shakhtar Donetsk no país. Todos eles levaram as respectivas mulheres, filhos e parentes para o local.

"Temos duas preocupações: uma delas é com a alimentação. Não sabemos até quando teremos comida, principalmente para as crianças. Muitos de nós estamos com os filhos aqui. A outra questão é a comunicação. Não sabemos até quando teremos internet para falar com os nossos parentes e, principalmente, solicitar ajuda", explicou Maycon.

A esposa do volante se manifestou nas redes sociais. Os noticiários dizem que já está tudo certo, tudo calmo, só que não está. Nós ainda estamos presos no hotel e ninguém dá uma posição do que a gente pode fazer, de como podemos sair daqui. E é desesperador ver nossos filhos... as pessoas que estão aqui. Não são só os brasileiros que estão se abrigando no hotel. Queria pedir muito a ajuda de quem puder espalhar para chegar em uma cadeia maior, para nos dar uma força. A embaixada diz que aqui é o melhor lugar para ficar, mas não queremos ficar aqui", desabafou Lyarah Vojnovic Barberan em um vídeo.

Jovem, Maycon está no Shakhtar Donetsk desde a temporada 2018/2019. De lá para cá, ajudou o clube a conquistar os títulos de 2019 e 2020 da liga nacional, uma Copa da Ucrânia e uma Supercopa. Acumula oito gols em 88 exibições pelo time. Há quatro anos, ajudou o Corinthians, de Fábio Carille, a conquistar o Campeonato Brasileiro. Também participou da campanha do bicampeonato paulista em 2017 e 2018.

Escape

O Campeonato Ucraniano tem um brasiliense. Revelado pelo São Paulo, o ponta-esquerda Paulinho Bóia, de 23 anos, trabalha no Metalist Kharkiv, time da segunda divisão do país. Embora a cidade do time seja um dos principais alvos da invasão russa, ele escapou dos ataques porque o elenco, líder da Série B com 53 pontos, faz intertemporada na Turquia.

O Correio também conversou com Edson, ex-Bahia. Recém-contratado pelo Rukh Lviv, da primeira divisão, o jogador de 23 anos sequer estreou. O Ucranianão seria retomado neste fim de semana. Em situação de vulnerabilidade no país, ele e o colega de time Talles Brenner foram transferidos pelo próprio time para a vizinha Polônia.

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