O tenista sérvio Novak Djokovic, número um do mundo, está em meio a um grande impasse relacionado ao Aberto da Austrália, que começa em 17 de janeiro.
O atleta anunciou que foi isento da exigência de vacinação contra a covid-19 na Austrália, país que tem exigido a imunização completa para a entrada de estrangeiros. Esse possível benefício ao atleta causou revolta em australianos e deu início a uma luta político-diplomática que ainda aguarda resolução.
Djokovic foi encaminhado para um hotel de detenção da imigração, onde permanece isolado. Os advogados dele pediram à Justiça que o atleta seja transferido para um lugar mais adequado, no qual ele consiga treinar para o Aberto da Austrália, e disseram que o atual local em que ele está possui condições péssimas.
A defesa do tenista alega que ele pode obter isenção de vacina porque testou positivo para a covid-19 em 16 de dezembro e já se recuperou da doença.
O imbróglio referente ao atleta deverá ser analisado pelas autoridades nos próximos dias.
Abaixo, entenda o que Djokovic realmente falou sobre a vacina, que é considerada pela ciência como a principal forma de combater a pandemia.
A estrela sérvia de 34 anos não revelou oficialmente o seu status de vacinação contra a covid-19, mas já deixou clara a sua oposição ao imunizante.
Em abril de 2020, muito antes de os imunizantes contra a covid-19 estarem disponíveis, Djokovic se opôs à vacinação.
Pouco depois, ele tentou amenizar a situação ao admitir que não é "um especialista" e afirmou que mantém a "mente aberta", mas disse que queria ter "a opção de escolher o que seria melhor" para o seu corpo.
Durante uma live em seu Facebook, ele afirmou que não queria "ser forçado por alguém a se vacinar" para viajar ou para competir em torneios.
No país natal de Djokovic, estima-se que menos da metade da população tem a vacinação completa. Os comentários do atleta foram vistos com maus olhos pelo epidemiologista do governo, Predrag Kon, que acusou o tenista de propagar "ideias equivocadas".
Teorias questionáveis
Djokovic possui um histórico de teorias questionáveis.
Em seu livro, "Serve to win", ele relata que em 2010 se reuniu com um nutricionista que lhe pediu para segurar um pedaço de pão na mão esquerda enquanto pressionava o braço direito.
Djokovic afirma que se sentiu muito mais fraco enquanto segurava o pão e citou isso como uma prova de sua intolerância ao glúten.
Em outro momento, durante uma live no Instagram, ele afirmou que o pensamento positivo pode "limpar" a água contaminada e acrescentou que os cientistas "mostraram que as moléculas da água reagem às nossas emoções".
De acordo com David Nunan, investigador do Centro para Medicina Baseado em Evidências, da Universidade de Oxford, "no equilíbrio das probabilidades, é altamente improvável que essas afirmações sejam verdadeiras, ao menos não sob as atuais convenções de teoria e prática científicas".
Outro episódio envolveu a esposa do atleta, que usou o Instagram no início da pandemia, em 2020, para compartilhar uma teoria de conspiração sobre o 5G (nova geração da internet móvel). Sua publicação recebeu a marca de desinformação na rede social.
Ativistas antivacina
Defendido por seus seguidores e por políticos sérvios, a situação do atleta na Austrália mobilizou ativistas antivacina, embora o tenista nunca tenha apoiado explicitamente esse grupo.
Em grupos de Telegram que promovem teorias contra as vacinas ele se tornou um herói e símbolo da liberdade de escolha.
Alguns usuários do Twitter compartilharam uma hashtag em apoio ao jogador para pedir boicote ao Aberto da Austrália.
Uma influente conta vinculada às teorias da conspiração afirmou que o atleta é "um preso político" e compartilhou: "Se fazem isso contra uma superestrela multimilionária, o que poderão fazer com você?".
A importância da vacinação
A situação envolvendo o atleta ocorre justamente quando a Austrália enfrenta uma grave onda de casos de covid-19, assim como tem sido registrado em todo o mundo nos últimos dias.
A estimativa é de que mais de 90% dos adultos australianos tenham completado a vacinação contra a covid-19. Mesmo com esse alto índice, a Austrália continua registrando casos de covid-19, principalmente agora com a variante ômicron.
Esse cenário de piora de casos ocorre em outras partes do mundo, inclusive no Brasil, que viu os casos da doença voltarem a subir nas últimas semanas.
Para grupos antivacina, o aumento de casos no cenário atual pode ser usado como argumento de que as vacinas não são eficazes para deter o avanço do coronavírus. Mas a ciência demonstra que as vacinas não previnem infecção ou a disseminação da infecção, mas são fundamentais para evitar casos graves, inclusive diante do avanço da ômicron.
Essa proteção do imunizante é muito importante, porque mantém os infectados longe dos hospitais e da morte.
O pediatra e infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), esclareceu, em recente entrevista à BBC News Brasil, que a primeira leva de vacinas contra a covid-19, da qual fazem parte CoronaVac e os produtos desenvolvidos por Pfizer, AstraZeneca, Janssen, entre outras, tem como objetivo principal reduzir o risco desenvolver as formas mais graves da doença, que estão relacionados a hospitalizações e mortes.
"As vacinas protegem muito melhor contra as formas mais graves do que contra as formas moderadas, leves ou assintomáticas da covid. Quanto mais grave o desfecho, maior a eficácia delas", resumiu o médico.
A meta principal desses imunizantes, portanto, nunca foi barrar a infecção em si, mas tornar essa invasão do coronavírus menos danosa ao organismo.
Esse mesmo raciocínio se aplica à vacina contra a gripe, disponível há décadas. A dose, oferecida todos os anos, não previne necessariamente a infecção pelo vírus influenza, mas evita as complicações frequentes nos grupos mais vulneráveis, como crianças, gestantes e idosos.
Analisando o cenário mais amplo, essa proteção contra as formas mais severas têm um impacto direto em todo o sistema de saúde: diminuir a gravidade das infecções respiratórias é sinônimo de prontos-socorros menos lotados, maior disponibilidade de leitos de enfermaria ou UTI e, claro, mais tempo para a equipe de saúde tratar os pacientes de forma adequada.
E os dados mostram que as vacinas estão cumprindo muito bem esse papel: de acordo com o Fundo Commonwealth, a aplicação das doses contra o coronavírus evitou, até novembro de 2021, um total de 1,1 milhão de mortes e 10,3 milhões de hospitalizações só nos Estados Unidos.
Já o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Europa (ECDC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) calculam que 470 mil indivíduos com mais de 60 anos tiveram as vidas salvas em 33 países do continente desde que a vacinação contra a covid começou por lá.
"É absolutamente errado pensar que não adianta tomar as doses porque todos vão ficar doentes mesmo assim. A vacina consegue transformar a covid numa enfermidade mais simples, que pode ser tratada em casa na maioria das vezes", afirmou Renato Kfouri.
"Só vamos sair da pandemia com uma alta cobertura vacinal da população, incluindo as crianças, e o respeito aos cuidados básicos, como o uso de máscaras, a prevenção de aglomerações e a lavagem das mãos", completou o especialista.
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