Leila Pereira é ambiciosa. Essa é uma das facetas que a nova presidente do Palmeiras mais deixa transparecer. A executiva, dona das empresas que patrocinam o clube e já injetaram cerca de R$ 1 bilhão na equipe, tem uma lista de desafios em sua gestão que avalia ser viável cumprir. Ela falou reiteradas vezes em manter um time forte, capaz de ganhar mais títulos, avisou que trará reforços, embora tenha indicado que não virão "medalhões", prometeu reaproximar o torcedor da agremiação, e planeja ficar dois mandatos na presidência, isto é, seis anos no cargo mais proeminente do Palmeiras. "Meu projeto é ficar três anos mais três", afirma a mandatária.
A empresária natural da pequena Cambuci, no Rio de Janeiro, conversou com o Estadão minutos depois de anunciar em entrevista coletiva que Abel Ferreira dará continuidade ao seu trabalho no Palmeiras. Carismática e hábil na retórica, a executiva reafirmou que não vê conflito de interesses em ser presidente do clube da Crefisa e FAM, patrocinadoras da equipe, prometeu um time competitivo para ganhar o Mundial, embora não tenha citado nomes que podem reforçar o elenco, e disse que fará um estudo para diminuir o preço dos ingressos no Allianz Parque. Ela enxerga ser possível administrar o tricampeão continental simultaneamente às suas 12 empresas e não teme perder o apoio maciço que possui hoje com conselheiros e torcedores, incluindo os membros da principal organizada, a Mancha Alviverde.
O Palmeiras tem um problema de caixa atualmente. Leila quer que o clube seja sustentável financeiramente e "caminhe com suas próprias pernas", afinal, um dia deixará de patrocinar a equipe. O contrato de patrocínio tem vigência até o fim de seu mandato, em 2024, e paga anualmente R$ 81 milhões, podendo chegar a R$ 120 milhões em caso de metas alcançadas. A empresária, já em seu primeiro dia como presidente, contratou a consultoria Ernst & Young para fazer um diagnóstico da situação financeira da agremiação e garantiu que fará uma gestão transparente, voltada para os milhões de torcedores "que estão fora do muro". Certo é que, sob o seu comando, o Palmeiras não vai se transformar em clube-empresa, segundo disse "Tia Leila", alcunha carinhosa que recebeu dos torcedores.
Você já conhece o Palmeiras, já que está no clube como patrocinadora desde 2015, e agora vive seus primeiros momentos como presidente. O que enxerga ser seus maiores desafios à frente do Palmeiras?
Sem dúvida, um dos meus maiores desafios é conseguir administrar realmente o Palmeiras como uma empresa, equilibrando as contas, prestigiando as boas pessoas e substituindo os que não trabalham corretamente. Quero separar a política do trabalho do dia a dia. Isso é um desafio também que preciso enfrentar. E o outro grande desafio é superar em títulos a gestão anterior, que foi muito vitoriosa.
Se desvencilhar dos conflitos de interesse sendo presidente e patrocinadora é um deles?
Não existe conflito de interesses. O dirigente pode ser patrocinador. Não enxergo onde possa haver conflito de interesse. Estou sentada na cadeira como presidente para proteger os interesses do Palmeiras. Temos um contrato de patrocínio já assinado anteriormente para que não haja esse tipo de interpretação de que "a ela está assinando o contrato com ela mesma". Não é assim. Se for para a Crefisa e a FAM continuar e não aparecer nenhum patrocinador que consiga investir mais do que eu invisto, eu posso chamar uma reunião e propor isso ao Conselho Deliberativo. A minha ideia sempre é investir no Palmeiras. Mas se houver uma empresa que possa investir um valor superior ao que eu invisto e eu não possa cobrir, é óbvio que vou fechar com quem conseguir investir um dinheiro superior. E vou te falar mais: meu projeto é ficar seis anos, três mais três, dois mandatos.
O Palmeiras deve às suas empresas cerca de R$ 130 milhões, valor referente a empréstimos da Crefisa para contratações. Essa dívida continuará sendo paga, como vinha sendo com Galiotte?
Esses valores estão em contrato. O Conselho Deliberativo aprovou essa dívida, a transformação dos contratos (em 2017, depois que a Receita Federal multou a Crefisa, foi feito um aditivo contratual e todo atleta adquirido com recursos da empresa passou a ser repassado ao clube como empréstimo). Na venda dos atletas, o Palmeiras paga a Crefisa. E se o jogador sair porque o contrato venceu, o Palmeiras tem dois anos para pagar. Isso aconteceu com o Guerra.
O Palmeiras não vai mais comprar jogadores com dinheiro emprestado pela Crefisa, como fez em 2016 e 2017?
Não. Não tem necessidade. O Palmeiras tem que caminhar com suas próprias pernas. Hoje nós temos um problema grande de caixa. Não poderia, por exemplo, adquirir um jogador à vista hoje. E se for necessário colocar dinheiro, quem decide não é a Leila. Vou submeter isso ao Conselheiro Deliberativo. Jamais vou dar "canetada". Inclusive, para saber exatamente a situação do Palmeiras hoje, como estou pegando o clube, eu contratei uma consultoria, a Ernest & Young. Ela vai entrar no Palmeiras e fazer um diagnóstico de como está o Palmeiras hoje. Preciso ter esse documento. Baseado nesse diagnóstico, nós fazemos um plano de trabalho. A partir disso posso dizer o que quero e onde podemos chegar. A consultoria vai acompanhar isso.
Considera que administrar um clube como o Palmeiras será mais desafiador do que dirigir a Crefisa e a FAM?
É difícil administrar ambos. Há momentos difíceis, mas prazerosos, felizes. A diferença de um clube para uma empresa é que no clube você mexe com a paixão do torcedor. Você tem de ter paciência e noção que o torcedor é apaixonado. Quando ele fala, xinga e cobra é movido pela paixão. Eu tenho que usar a razão e ser o mais transparente possível com o torcedor. Tenho que explicar para ele por que não vou fazer determinada coisa. É isso que o torcedor quer, mais transparência, e que converse com ele.
Você chegou a dizer há anos que não teria tempo para ser presidente do Palmeiras porque cuidava das suas empresas. É possível hoje se dedicar ao Palmeiras e às suas empresas ou vai se afastar delas?
É possível administrar o clube e as empresas. Nós, mulheres, podemos tudo. Eu mudei. Sou uma metamorfose ambulante. O que acontece é que às vezes ter muita convicção não é inteligente. Você muda, reflete e se adapta às situações. Naquele momento, não pensava que fosse possível. Hoje acredito que é. Temos diretores e profissionais competentes nas empresas. No meu dia a dia, vou ficar aqui no Palmeiras. No CT ou no clube. As decisões estratégicas vão continuar passando por mim. Vou sair um pouco do dia a dia.
Você falou mais de uma vez em aproximar o torcedor do Palmeiras, em dar atenção à "multidão fora do muro". Uma das reclamações dos torcedores é quanto ao preço dos ingressos. O preço dos ingressos será reduzido? E o da camisa? Quais ações planeja fazer?
Eu ainda não discuti isso porque estou assumindo agora. Mas se você me pergunta como isso é possível eu te digo. Temos um custo operacional no Allianz Parque como mandante. Precisamos reavaliar esse valor. Será que esse valor não está alto demais? Porque eu baixando esse valor é possível reduzir o ingresso do torcedor. Vamos mexer nos valores dos ingressos, sem dúvida nenhuma. Não posso oferecer ao torcedor um produto que ele não pode adquirir. Não é inteligente. Não é possível que o Allianz Parque, aquela arena maravilhosa, tenha 15 ou 20 mil pessoas sendo que cabem mais de 40 mil. Isso não entra na minha cabeça. É o estádio mais bem localizado do Brasil. É muito melhor você baixar o custo e lotar do que deixar o estádio vazio. E preciso conversar com a Puma em relação à camisa. O contrato não foi assinado por mim e foi renovado este ano. Vamos ver o que é possível fazer. O torcedor não tem dinheiro hoje para comprar a camisa. Vou entrar fundo com relação ao ingresso e à camisa e deixar claro ao torcedor que todas as tratativas serão divulgadas.
O Palmeiras vai investir nos esportes olímpicos em sua gestão? O time profissional de basquete voltará a existir?
Eu preciso de receita para investir no basquete, por exemplo. Será uma cobrança que eu vou fazer com os diretores das modalidades. O diretor tem que procurar recursos, receitas, para que a gente possa incrementar a modalidade. Sem isso, eu não consigo. Vamos buscar recursos. Se conseguirmos, vamos incrementar o basquete. Se não, não posso penalizar o Palmeiras financeiramente.
Seu pai não queria que você saísse de Cabo Frio, e hoje você é uma empresária bem-sucedida e a primeira mulher a comandar o Palmeiras em 107 anos. Esperava chegar tão longe?
Eu fui com menos de um ano de idade para Cabo Frio, a cidade mais linda do mundo. Depois, aos 17 anos fui para o Rio, para fazer faculdade. Sou a única mulher entre três irmãos. Meu pai é falecido, tenho certeza que aonde estiver está falando "olha só onde minha filha foi parar". De jeito nenhum esperava chegar tão longe. Costumo falar isso com o meu marido. Ele é um homem muito inteligente, experiente. E sempre fala que tudo passa pela cabeça dele. Mas eu digo que ele não imaginava que eu seria presidente do Palmeiras. E ele diz: "jamais". É uma conquista muito relevante, não só para mim, mas para todas as mulheres. Por isso fiquei tão emocionada na posse. Um clube extremamente tradicional e machista eleger uma mulher, de nome Leila Pereira, sem nenhuma raiz italiana. É uma conquista e uma responsabilidade muito grande. Estou muito feliz.
Você desbancou velhas lideranças e hoje goza de apoio de grande parte de conselheiros e torcedores. Teme que isso mude durante sua gestão?
Eu não posso desagradar os milhões de torcedores, nem a minha consciência e meus princípios. E a grande maioria dos conselheiros quer o que eu quero: um Palmeiras bem administrado e forte financeiramente, sem depender apenas de um patrocinador. Um patrocinador sempre é muito importante, em qualquer esporte, mas a grande maioria quer que o Palmeiras caminhe com as suas próprias pernas porque uma hora a Leila vai sair.