Após assistir o Flamengo perder a final da Copa Libertadores da América no domingo (28), o motoboy Douglas Hassel Sales, de 32 anos, deixou o estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai, antes do previsto, já que a comemoração ficou a cargo da torcida do Palmeiras, ganhadora do campeonato este ano.
Douglas, que mora no Rio de Janeiro, viajou de Porto Alegre até Montevidéu no dia 26, em um ônibus fretado com outros 45 torcedores vindos de várias partes do Brasil. Por causa da alta do dólar - uma passagem de avião do Rio de Janeiro até a capital uruguaia não sairia por menos de R$8 mil - muitos torcedores foram de avião até o Rio Grande do Sul e seguiram de ônibus.
Hospedados em um bairro de classe média considerado tranquilo, o grupo se separou para jantar antes de viajar os quase mil quilômetros de volta ao Brasil. Douglas e alguns amigos foram a uma pizzaria no bairro.
"Ao final do jogo, retornamos onde os ônibus de excursão estavam estacionados. Deixamos nossas coisas no ônibus e fomos a um restaurante a duas quadras. Jantamos por uma hora e, ao sair do restaurante, fomos atacados por alguém", conta um dos amigos, que não quis se identificar.
Armado com uma pistola calibre 9 mm, o homem se aproximou, fez vários disparos e fugiu. Um tiro passou de raspão pelo torcedor Josimar Sales, de 33 anos, e outros 4 tiros atingiram o joelho e o pé esquerdo de Douglas.
Os dois cariocas foram internados em um hospital em Montevidéu e o restante do grupo voltou ao Brasil.
No hospital, os médicos escolheram não operar a perna de Douglas e tratá-lo com antibióticos para que ele e Josimar pudessem voltar ao Brasil. Na segunda-feira (29), eles receberam alta.
Apesar da liberação, eles só chegaram ao Brasil nesta quinta-feira (2), por volta das 20h no aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, após uma longa saga. Douglas foi encaminhado de ambulância para um hospital municipal e, segundo Josimar, passa bem.
Voo perdido
No laudo autorizando a viagem, os médicos do Uruguai colocaram a condição de ser voo direto até o Rio de Janeiro e que Douglas viajasse em um local espaçoso da aeronave, deitado e imobilizado.
Começava, então, mais um capítulo dramático: a passagem de voo direto e na classe premium não sairia por menos de R$4,8 mil.
De longe, os amigos que estavam na excursão organizaram uma vaquinha online entre torcedores do Flamengo. A mobilização foi tamanha que a história chegou até o jogador rubro negro Arrascaeta, que, por meio da sua assessoria, ligou para Douglas para avisar que pagaria a passagem do torcedor.
"Fala, galera, passando para falar que nosso amigo Douglas irá retornar para o Brasil. A gente conseguiu uma passagem para ele. Se Deus quiser, amanhã ele já estará em casa", disse Arrascaeta em um vídeo postado no Twitter.
Já a passagem de Josimar foi paga com o dinheiro arrecadado pela vaquinha dos torcedores.
'Só quero voltar ao Brasil'
Na terça-feira (30), com as passagens de voo direto para o Rio de Janeiro em mãos, Douglas foi levado de maca para o aeroporto de Montevidéu, acompanhado de Josimar.
No momento do embarque, contudo, a companhia aérea Gol impediu Douglas de embarcar alegando que, além do laudo médico, ele precisaria ter preenchido um documento exigido em casos de passageiros com histórico de doença recente.
"A Gol disse que eles não poderiam embarcar, porque o documento deveria ter sido preenchido com 48 horas de antecedência. Como pode isso, se as próprias passagens foram compradas 12 horas antes?", contou Marcos Felipe Fonseca, de 32 anos, quem organizou a excursão que levou o grupo de flamenguistas para assistir a final da Libertadores.
Amigo de Douglas desde 2015 - os dois se conhecerem no estádio, vendo jogos do Flamengo - Marcos ajudou a mobilizar as redes sociais para que o caso, mais uma vez, ganhasse repercussão.
"O tratamento da Gol, segundo acompanhamos por mensagens, mudou quando eles descobriram que o motivo do ferimento do Douglas foi tiro", disse Marcos.
A companhia aérea não deixou Douglas embarcar e ele perdeu a passagem doada por Arrascaeta.
"Só quero voltar ao Brasil, estamos com tudo ok, quero pedir por favor que marquem a @VoeGOLoficial", postou Douglas em seu Twitter.
Mais uma vez, o caso chegou até o Flamengo. Dessa vez, o vice-presidente do clube, Marcos-Braz, foi quem telefonou para o torcedor.
"Ele [Marcos-Braz] disse que fariam [Flamengo] tudo que fosse possível para tirar a gente de lá", contou Josimar. "Ficamos muito emocionados".
Em nota, a Gol informou que "no momento do check-in, além da ausência do MEDIF [documento exigido em caso de doença], foi detectada a necessidade do passageiro de se manter imóvel e que, por isso, não seria seguro para ele seguir no voo, já que a Companhia não seria capaz de garantir as condições necessárias".
"Durante as tratativas, toda a assistência e orientação foi passada ao passageiro. Em caráter de cortesia, a GOL ofereceu novo voo mediante recebimento e aprovação do MEDIF e disponibilidade extra de assentos nos próximos dias", informou a GOL.
Com ajuda do Consulado, porém, a diretoria do Flamengo conseguiu agilizar o processo e fazer com que Douglas e Josimar embarcassem rumo ao Galeão nesta quinta-feira (2).
'Pensamos que eram fogos de artifício'
Organizador da excursão para o Uruguai, o torcedor Marcos lembra do momento em que Douglas foi baleado.
"Na hora, pensamos que eram fogos de artifício, mas um dos passageiros do ônibus, um policial do Rio de Janeiro, falou: 'isso foi tiro'", conta
Marcos estava com outra parte do grupo a poucos metros e correu para um posto de gasolina para chamar a polícia. Lá, encontrou uma viatura, que fazia ronda.
"O Douglas estava caído na esquina, baleado, e foi levado por uns policiais para o hospital. Outras viaturas chegaram rápido e foram fazer a perícia. Estava escuro, não sabíamos ainda o que tinha acontecido, mas quando iluminaram o local, vimos uns dez furos de bala no muro", lembra Marcos.
No boletim de ocorrência feito por um dos amigos, consta que, ao todo, foram disparados 14 tiros. Nada foi roubado.
Ainda não se sabe quem é o autor dos disparos, apenas que era um homem com "roupas escuras" e que "aparentava, pelo corte de cabelo e fisionomia, ser local", segundo um dos amigos.
Procurado pela reportagem, o departamento de polícia de Montevidéu não deu detalhes sobre o andamento das investigações.
A hipótese, segundo o grupo de amigos, é que o atirador tenha confundido o grupo com outras pessoas.
Em nota, o Itamaraty informou que "meio do Consulado-Geral do Brasil em Montevidéu, acompanha o caso com atenção e permanece à disposição para prestar toda a assistência cabível".
"Queremos saber quem foi e o que aconteceu. Isso precisa ser investigado", disse um dos torcedores que estava no momento do tiroteio.
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