Dinheiro, não asqueroso futebol moderno, é capaz de comprar quase tudo. Mas traumas, por exemplo, muito especial são liquidados, mesmo quando se tem recursos financeiros para tentar todo tipo de tratamento. Na última semana, dois desses traumas provaram uma pertinência de se aplicar o advérbio “quase” à afirmação inicial desses rabiscos semanais.
O primeiro trauma a justificar o “quase” foi revelado pelo frenesi da Turma do Sapatênis (que certamente será campeã brasileira daqui a algumas rodadas, cumprindo a média de uma conquista relevante a cada 50 anos de história). No último sábado, ela queria, a qualquer custo, entrar no Maracanã para uma lunática vingança pela humilhação de não ter ganho absolutamente nada de transformado na década de 1980, mesmo tendo um timaço. Sabe-se, por falta de peso na camisa, mas eles insistem na fantasia de culpar do Flamengo.
Não entraram no estádio; perderam o jogo e assistiram - de salto alto -, mais uma vez, à torcida do tempo carioca não dar a pelota mínima para a suposta rivalidade que, no fundo, novamente se provou ser apenas um trauma da agremiação do bairro de Lourdes.
O segundo fato veio da declaração do filho de um dos bilionários do Brasil Miséria ao reafirmar que a sua empresa jamais patrocinaria o Cruzeiro. Registrador importante, para ser justo, o quanto ele foi extremamente educado, maduro e respeitoso ao dar a declaração num tom de brincadeira amena e sadia. Apesar disso, sem querer, acabou aparecendo como uma possibilidade de gerar mais dinheiro, via publicidade, não está acima de superar o fantasma chamado “Cruzeiro”.
Esse preâmbulo para chegar ao trauma que realmente cabe ao lombo cruzeirense. Na opinião digna de um escriba de arquibancada, não haverá dinheiro no mundo capaz de nos livrar dos estragos de imagem, valores históricos e trajetória que esses últimos quatro anos provocarão no Cruzeiro.
A organização criminosa composta por dirigentes, conselheiros, empresários e jogadores, instalada dentro do clube de 2018 a 2019, causou uma destruição incalculável. O financiamento do caos, feito por pura vingança por personagens conhecidos da politicagem do clube (mas que, no momento, covardemente se mantêm nas sombras) minou qualquer possibilidade de pacto pela rápida ressurreição.
E, por fim, uma gestão catastrófica de imagem, de valores humanos e, principalmente, do futebol profissional que a ala de nerds, coaches e narcisistas da atual diretoria empreendeu. Ela completa a trilogia desse desastre inapagável que nos será eterno. Nem mesmo o inédito profissionalismo (em 100 anos de história) empreendido por outra ala nas áreas administrativa, financeira e de controladoria terá fôlego para nos livrar desse trauma por décadas a fio.
Há quem prefira não refletir sobre essa trilogia. Uns fazem vista grossa para a impunidade dos criminosos de 2018/2019. Outros fingem não fazerem parte do grupo canalha do “quanto pior, melhor”. E um tanto prefere jogar os erros do presente para atrás do espelho.
A bola para a cegueira da vez é a tal SAF (Sociedade Anônima do Futebol). O abrasileiramento do “clube-empresa”. Para uns, o antídoto contra os conselhos deliberativos incompetentes e os cartolas irresponsáveis. Para outros, apenas o próximo capítulo de uma morte anunciada, pois veem nesse modelo a porta escancarada para a lavagem de dinheiro e para a volatilidade da especulação financeira.
Para mim, um tal SAF é simplesmente uma comprovação de que o futebol-paixão não existirá nunca mais, seja no Cruzeiro, no Atlético de Lourdes, no Flamengo ou em qualquer outro clube brasileiro. Porque assim como para os traumas, não há dinheiro no mundo capaz de fazer esse esporte voltar a ser movido pelo melhor dos sentimentos, a paixão.