É a corrida mais longa do mundo: 4.989 quilômetros em 5.549 voltas no mesmo prédio em Nova York. Os atletas realizam mais de duas maratonas por dia em um tempo máximo de quase dois meses e dormem menos de cinco horas por noite.
Eles não podem nem mesmo contar com uma mudança de cenário para se motivar, enquanto correm ao redor de um instituto no Queens.
A única coisa que perturba um pouco a rotina é que um dia correm em uma direção e no dia seguinte na direção oposta.
"Monotonia total", resume o vencedor deste ano, Andrea Marcato, descrevendo o maior desafio da Corrida de Autotranscendência Sri Chinmoy.
"A primeira semana é muito difícil, especialmente para a mente. Mas depois você se acostuma. Você tem que aceitar que todos os dias são iguais", disse à AFP.
Os participantes têm no máximo 52 dias para completar a prova, o que significa fazer quase 96 quilômetros por dia.
Correm, caminham e avançam entre 6h e meia-noite, e comem enquanto correm o equivalente a 10.000 calorias que queimam por dia.
O resto, seis horas, é gasto dormindo, tomando banho e curando as bolhas nos pés em um alojamento próximo. Apenas veteranos de maratonas extremas podem participar.
Meditação
"É um teste de resistência, força, determinação e talento", diz o diretor Sahishnu Szczesiul, que lembra que 4.000 pessoas coroaram o Everest, mas apenas 49 terminaram a corrida.
Harita Davies, a única mulher entre os sete competidores este ano, diz que a corrida é fisicamente muito dura, mas "o incrível é que, com o passar dos dias e das semanas, o corpo se ajusta e você se sente mais forte".
O líder espiritual indiano Sri Chinmoy, que morou em Nova York antes de sua morte em 2007, fundou a corrida em 1997.
Chinmoy defendia a "autotranscendência", ou seja, o uso da espiritualidade para ir além dos próprios limites.
Os participantes desta 25ª edição, que começou em 5 de setembro, afirmam que chegar ao estado meditativo é fundamental para a conclusão da corrida.
"Se a mente está centrada, não tem outros pensamentos, ou medos, ou preocupações, ou dúvidas", diz Marcato, 39 anos.
Mas meditar enquanto completa os 883 metros ao redor do Instituto Thomas A. Edison de Educação Técnica não é fácil.
Os corredores passam perto de uma rodovia movimentada e por quadras de basquete e handebol, e os 2.000 alunos do centro passam pela mesma calçada que serve de pista de corrida.
Davies, uma neozelandesa de 47 anos, ouve música, audiolivros e gravações com citações inspiradoras.
Procedentes de Japão, Taiwan, Eslováquia, Ucrânia e Rússia, os corredores contam com um pequeno armário de remédios e com um médico para tratar bolhas e dores musculares.
Os voluntários levam comida: de almoços veganos saudáveis e sucos a donuts e sorvetes.
"Meu sonho"
Alguns residentes incentivam os atletas, embora nem todos tenham certeza do que está acontecendo.
"Cresci aqui e não tinha ideia de que era uma corrida", diz Julio Quezada, 34 anos.
A corrida voltou a Nova York depois de ter sido realizada na Austrália no ano passado, devido à pandemia da covid-19.
Marcato, da Itália, cumpriu a meta na noite de domingo, após 43 dias e uma média de 116 quilômetros por dia. Ele gastou 16 pares de sapatos e receberá um troféu, mas nenhum prêmio financeiro.
"Essa é a última. Era meu sonho, e aqui estou", diz o amante de ultramaratonas que trabalha em uma empresa de alimentos.
"Nas últimas duas voltas, eu estava totalmente desconectado do meu corpo", garante. "Não sentia dor. Foi um sentimento especial".
Para a neozelandesa, que parece determinada a completar a distância antes do prazo final de 26 de outubro, as corridas são uma oportunidade de explorar as fronteiras de sua habilidade e potencial, para se tornar "uma pessoa melhor".
Quando termina a prova, o processo de recuperação começa. Mas talvez a parte mais difícil de todas seja "se acostumar com a vida normal novamente".
"Esta corrida simplifica a vida, porque você não precisa pensar em nada além de correr", diz ela.