Aos 21 anos, Ana Luiza Pereira França vive uma realidade que os colegas das muitas escolas por onde passou no Distrito Federal dificilmente imaginariam. Dos 10 aos 17 anos, ela foi a garota brigona, que colecionava expulsões nos colégios onde estudou. “Eu batia nas meninas, ameaçava, pegava as dores dos outros, fazia de tudo. Era um terror”, conta. Até que, em 2013, conheceu o professor José Neto, no CEF 02 do Paranoá. “Ele me perguntou se eu era a tal garota que gostava de brigar”, lembra, ao contar como surgiu o convite para conhecer uma arte marcial.
De aluna rebelde a estudante do 4º semestre de Educação Física no Centro Universitário Estácio, a brasiliense abraçou a oportunidade que o esporte lhe deu e, hoje, é uma das grandes promessas do Brasil. Ontem, ela sagrou-se campeã do wrestling (luta livre) feminino na categoria até 62kg dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), disputado em Brasília. E não para por aí. Esse é o caminho rumo a meta de se tornar a primeira brasileira medalhista olímpica da modalidade.
Até assumir a mentalidade de atleta, porém, a trajetória foi longa para a menina do Itapoã, que saiu da casa da mãe, aos 15 anos, para morar sozinha. O objetivo era afastar-se do ambiente violento onde morava. Mas, naquela altura, a agressividade estava entranhada nela. Com dois meses no projeto social que busca talentos para a luta, Ana conseguiu classificação para os Jogos Escolares da Juventude. “O gênio de querer bater em todo mundo continuava em mim”, pondera.
Por um lado, ela vivia a experiência de disputar o primeiro campeonato de wrestling da carreira. Para isso, fez a primeira viagem de avião e conheceu a praia. “O esporte estava me dando algo e eu ainda não estava sabendo retribuir, ainda estava brigando muito”, reconhece. Com 13 anos, Ana tinha a marca nas costas de uma facada que poderia ter lhe tirado a vida precocemente. Na escola, diziam que aquela era praticamente a última chance de ela estudar. “Eu era muito nova. Não sabia o que eu estava fazendo.”
Os resultados obtidos no wrestling seguiram mostrando que ela tinha muito talento para o esporte. Nos cinco anos consecutivos nos Jogos, Ana conquistou quatro medalhas (um ouro, duas pratas e um bronze). O oposto do rendimento em sala de aula. Ela chegou a reprovar a sexta série quatro vezes. “O professor Neto me cobrava muito as reprovações, contava para os outros nas viagens que fazia para competir e comecei a ficar com vergonha”, conta.
Em 2017, Neto estava agoniado de ver um talento desperdiçado e teve uma conversa dura com a pupila. “Ele disse que eu era muito boa no esporte, mas tinha que acordar, porque o meu tempo de brigar com professor, rasgar diário da direção e arrumar confusão tinha acabado.” Aquele era o último ano em que Ana poderia disputar os Jogos Escolares por causa da idade. Foi quando veio a preocupação do que iria fazer da vida depois.