Deficiência

Paola Antonini: 'Não quero minha perna de volta de jeito nenhum'

Com quase 3 milhões de seguidores no Instagram, Paola Antonini destaca a importância de ter pessoas com deficiência realmente incluídas na sociedade - o que, ela defende, deve ocorrer desde a escola

BBC
Laís Alegretti - @laisalegretti - Da BBC News Brasil em Londres
postado em 01/09/2021 09:14

Skate, yoga, dança, musculação e trilha estão entre as atividades que a influencer Paola Antonini mais gosta de praticar. O esporte preferido hoje é o surfe. Mas ela enfrenta uma limitação: mora em Belo Horizonte, longe do mar.

"Mas em todo lugar que eu vou que tem praia tento fazer uma horinha pelo menos."

A relação com os esportes se intensificou depois do acidente em 2014 que levou Paola Antonini, então com 20 anos, a ter sua perna esquerda amputada.

"Foi um momento que mudou muita coisa e principalmente me fez querer viver mais e mais e tentar coisas novas. Todo mundo falava: isso aqui vai ser difícil. Daí eu falava: então vou tentar. E aí eu comecei a me exercitar muito, a tentar coisas como skate, surfe, dança… Todos os esportes possíveis."

Com quase 3 milhões de seguidores no Instagram, Paola Antonini destaca a importância de ter pessoas com deficiência realmente incluídas na sociedade - o que, ela defende, deve ocorrer desde a escola.

E se orgulha de se ver como referência para algumas crianças - como uma garotinha não amputada que tirou uma perna de uma boneca e disse para a mãe que aquela se chamaria Paola.

fotos de Paola Antonini
Arquivo pessoal
Paola teve a perna esquerda amputada após acidente em 2014

Quase sete anos depois do acidente, ela - que é conhecida por usar sua prótese "encapada" com tecido colorido e brilhante - diz que não gostaria que o corpo fosse de outro jeito. Afirmou que seria "muito diferente ter uma perna igual à outra" e que às vezes nem se reconhece em fotos antigas: "Parece que tá faltando uma coisinha."

"Não quero a minha perna de volta de jeito nenhum. Amo meu corpo, amo essa perninha dourada brilhante e é isso. É um corpo diferente, que me fez aprender coisas diferentes, mas que me trouxe uma vida muito feliz e que me fez chegar nos meus sonhos também."

A seguir, confira os principais pontos da entrevista concedida à BBC News Brasil.

Paralimpíada

Paola critica o que considera uma diferença no tratamento de atletas olímpicos e paralímpicos e afirma que isso se reflete inclusive em números de seguidores nas redes sociais.

"A gente sabe que o incentivo ao esporte em geral já é muito complicado, mas o paralímpico principalmente", diz. "Faltam incentivos. Até em números a gente vê, em redes sociais - os medalhistas das olimpíadas e das paralimpíadas, como é discrepante. Com certeza tem uma diferença muito grande."

Ela diz que a Paralimpíada é um evento "extremamente importante", ao colocar pessoas com deficiência no foco, mas diz que ainda há um longo caminho em termos de inclusão em outros aspectos do dia a dia.

"A gente deveria estar em todos os lugares - na televisão, nas campanhas, em todas as áreas, todas as profissões, mas a gente sabe que não é assim. Tá evoluindo, o mundo tá realmente abrindo portas e criando oportunidades para pessoas com deficiência, mas é uma caminhada ainda muito lenta. As oportunidades são para pouquíssimas pessoas."

Daniel Dias em Tóquio
Getty Images
Maior atleta paralímpico do Brasil, Daniel Dias vai encerrar sua carreira após Tóquio

Uso do termo 'superação'

Entre as expressões que muita gente usa - especialmente durante a Paralimpíada - e que podem ser consideradas como discriminação ou preconceito contra pessoas com deficiência (capacitismo), ela aponta o chamado discurso de "superação".

"A superação acontece, por exemplo, no meu caso: perdi uma perna e dei a volta por cima. Aí é uma superação, sim, acho muito bacana. Mas quando você vê uma pessoa com deficiência e fala: nossa, que superação… Não, não é um exemplo de superação, é uma pessoa que tá ali, é um atleta muito bom, de alto rendimento, que tá com índices incríveis.

Então, é não falar 'nossa, que superação', mas sim 'que baita atleta', 'que competição sensacional'."

"Outros comentários são: 'nossa, eu com dois braços e duas pernas não faço isso'. Não se fala isso porque é um superatleta ali. Você não faz isso porque você não é um atleta", diz. "São essas coisinhas que a gente pode tomar um cuidado de entender que ali é uma competição de alto nível com atletas e não só focar em o elogio ser sempre sobre a deficiência".

Inclusão desde a escola

Para Paola, "a escola é o lugar mais importante pra gente incluir pessoas com deficiência".

"A gente tem que aprender a estar junto com pessoas diferentes e que têm ritmos diferentes, que precisam de coisas diferentes. Isso é muito mais valioso do que às vezes aprender as coisas num ritmo ultra acelerado."

Ela chamou de "absolutamente triste" a fala do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de que alunos com deficiência "atrapalham" o aprendizado de outros estudantes - ele disse isso ao defender a criação de turmas e escolas especiais.

"Inclusão é isto: é colocar uma pessoa com deficiência dentro da sala de aula para conviver com todos os colegas e os colegas conviverem com a pessoa com deficiência e verem que tá tudo bem, nós temos as nossas diferenças e isso é o legal", diz Paola. "As crianças que crescem em contato com outras pessoas com deficiência crescem com valores muito importantes - de entender que tudo bem, cada uma tem seu tempo."

Ela defende que, em vez de defender a separação dessas crianças, o governo deveria se preocupar em "colocar dentro das escolas pessoas especializadas em trabalhar com essa inclusão e trabalhar com esse atendimento diferenciado".

Boas próteses: ainda para poucos

Paola reconhece que o acesso que ela teve a excelentes tratamentos e próteses de excelente qualidade é um privilégio - distante da realidade de muitos brasileiros.

"Tive uma oportunidade muito grande - acesso a tratamentos muito bons, a prótese excepcional - e eu sei que não é todo mundo que tem acesso a isso. Pelo contrário. É muito pouca gente. E muita gente não tem ainda ideia do quão inacessível ela é uma prótese - que para uma pessoa adulta vai de R$ 20 mil a R$ 300 mil", diz.

"E a prótese dura cinco anos, quatro anos, a depender do tanto que você usa. Então, quando a gente pensa na população, no geral, quantas pessoas realmente vão ter acesso a próteses bacanas e que possibilitam ter uma vida ativa? Muito poucas pessoas."

Paola Antonini plantando bananeira
Arquivo Pessoal
Paola reconhece que o acesso que ela tem a próteses de excelente qualidade está distante da realidade de muitos brasileiros

A influencer, que já fez vaquinhas online para arrecadar fundos para doação de próteses a pessoas amputadas, criou um instituto com o próprio nome para proporcionar reabilitação de pessoas com deficiência física a partir de doações de próteses, órteses, cadeiras de rodas e acessórios para reabilitação.

"A gente pode estar criando grandes atletas no futuro e profissionais de todas as áreas. Eu quero, daqui a alguns anos, ver vários paratletas saindo do meu instituto e acho que vai se tornar real."

Quase sete anos depois do acidente

Para quem não sabe como foi a situação que levou à amputação de sua perna esquerda, Paola resume assim:

"Eu estava indo fazer uma viagem de carro e no momento que eu estava descendo, na porta da minha casa, e ia colocar as malas dentro do carro, fui atingida por um carro. Aí fui para o hospital e depois de 14 horas de cirurgia eles viram que realmente teriam que amputar minha perna esquerda."

"Foi uma mudança muito drástica na minha vida. Eu tinha 20 anos na época e nunca imaginaria passar por isso - essa mudança tanto física quanto mental mesmo. A gente muda muito como pessoa. E naquele momento eu decidi não pensar em como seria o dia de amanhã. Falei: ah, eu posso ficar muito triste amanhã, não sei como vai ser minha vida, se eu vou ter uma prótese, se eu vou voltar a andar, mas vou viver um dia de cada vez e vou descobrir esse mundo novo."

Paola Antonini em cima de prancha de SUP
Arquivo pessoal
'Este é o perigo: as pessoas acreditarem que depois que elas mudarem tudo no corpo elas vão ser felizes e ter uma autoestima alta', diz Paola

Uma das perguntas que ela costuma receber é sobre a relação com a pessoa que dirigia o carro que a atingiu.

"Para mim, desde o momento do acidente, foi muito claro que eu não precisava perdoar ninguém. Sei que não foi intencional. Ninguém me atingiria intencionalmente. Foi uma pessoa que errou e imagina o susto que a pessoa tomou, né?"

"Cheguei a encontrá-la anos depois e falei que nunca tinha guardado nada de ruim, que eu só podia fazer o que eu faço hoje por ter perdido a minha perna e que eu sabia o quanto que tinha sido difícil para ela também."

Paola diz que "não ter guardado nada de ruim" foi o que a fez "viver a vida de forma tão leve". E diz que pessoas que cometem erros como este merecem ter a chance de seguir em frente.

"(Desejo) que as pessoas deem oportunidade tanto para quem foi vítima quanto para quem errou e foi culpado. Acho que as pessoas têm que ter oportunidade de seguir e serem felizes", diz.

Mas Paola diz que o processo de aceitar o que aconteceu com ela foi "com muita calma".

"Não perdi minha perna, olhei e falei: 'amo minha perna'. Quando soube que tinha amputado a minha perna, falei: não me sinto pronta para olhar ainda, daqui a pouco eu olho. Em dois dias, olhei ela enfaixadinha. Depois eu olhei ela sem a faixa, depois eu fui para o processo do espelho e aí eu falei: nossa, diferente, agora eu tô vendo que realmente tá faltando uma partezinha. Então, por ter sido com tanta calma e sem me pressionar a amar o meu corpo, foi um processo muito legal. Eu comecei de pouquinho em pouquinho a olhar pra minha perna e agradecer: é por isso que eu tô viva."

Ela, que conta ter negado ofertas para fazer lipoaspiração e propaganda sobre isso, frequentemente fala aos seguidores sobre amar e aceitar o próprio corpo.

"Não sou contra procedimentos estéticos, eu acho que as pessoas decidem se elas fazem ou não, mas eu entendi que a minha felicidade não vem disso, a minha autoestima não vem disso. Este é o perigo: as pessoas acreditarem que depois que elas mudarem tudo no corpo elas vão ser felizes e ter uma autoestima alta. E não é ali que a gente tem que trabalhar, a gente tem que trabalhar é nossa cabeça."


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