Foi uma das cenas mais marcantes — e tristes — do Brasil na Rio 2016.
Após sair invicta da fase classificatória, a seleção brasileira feminina de vôlei, uma das favoritas, perdeu nas quartas-de-final para a China — que venceria o torneio.
O técnico da equipe, José Roberto Guimarães, tentava assimilar aquele resultado depois da partida, sentado em um dos bancos ao lado da quadra, visivelmente abatido pela eliminação em casa.
De repente, seu neto Felipe saiu correndo da arquibancada no Maracanãzinho, enrolado na bandeira brasileira, e abraçou forte o avô.
Zé Roberto, como é mais conhecido, abraçou o menino e o consolou: "Chora não, chora não…"
"A derrota se tornou mais difícil por causa disso. Quando ele chegou chorando ali, lógico que o coração aperta mais. Mas o avô precisa ficar firme", disse ele em entrevista coletiva depois do jogo.
"Eu expliquei para ele que isso faz parte da vida, que um dia a gente ganha, um dia a gente perde. O outro time foi melhor, ele tinha que aprender isso, e que a gente precisa treinar mais para ganhar."
Foi exatamente o que Zé Roberto fez. Depois da derrota, ele voltou atrás no plano de deixar o comando da seleção e decidiu treinar a equipe por mais um ciclo olímpico.
"Ficou um sentimento de não ter cumprido a missão. Não era o momento de sair e abandonar. Era o momento de seguir", explicou à Folha de S. Paulo.
"O Brasil tem que se manter entre os melhores do mundo. Ganhar e perder faz parte da trajetória, assim como para os outros times. Mas o mais importante é se manter entre os melhores."
Dito e feito. Cinco anos depois, o Brasil se classificou para mais uma decisão de uma Olimpíada no vôlei feminino, que será no domingo (8/8), à 1h30, contra os Estados Unidos.
Assim, Zé Roberto, único brasileiro tricampeão olímpico e responsável por levar o Brasil à elite do vôlei mundial, vai mais uma vez fazer história.
De jogador a técnico da seleção
Zé Roberto começou a carreira como jogador de vôlei. Foi exceção na família — seu pai e um dos irmãos foram jogadores de futebol.
"Eu não queria saber de jogar vôlei. Eu gostava mesmo era de futebol", lembrou em entrevista ao site da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV).
Mas ele começou a frequentar os treinos de vôlei de uma namorada da escola, e um amigo que viu ele dando alguns toques na bola sugeriu que fizesse um teste para um time de Santo André (SP), onde morava.
Zé Roberto agradou o técnico Lázaro de Azevedo Pinto e, um mês depois, já estava em quadra no primeiro jogo.
"Esse cara foi quem me ensinou a amar o esporte. Ele me colocou debaixo do braço e saiu comigo pelo mundo, me dando força, me ajudando. Eu não fazia a menor ideia de que eu tinha talento para o vôlei."
Talento que rendeu uma convocação para a seleção paulista, depois para a seleção brasileira juvenil até chegar à seleção adulta.
Ele disputou a primeira Olimpíada como atleta, em Montreal, em 1976. Era o levantador, responsável por armar as jogadas. A equipe ficou em sétimo lugar.
Zé Roberto parou de jogar depois de 21 anos, mas continuou no esporte. Em 1988, foi trabalhar como assistente do técnico Bebeto de Freitas na seleção masculina.
Bebeto tinha conquistado quatro anos antes, em Los Angeles, a primeira medalha olímpica do vôlei brasileiro, uma prata.
"Ele me inspirou muito. Esteva à frente do seu tempo. A intensidade, vontade, determinação. Crie, inove, faça coisas diferentes. Não copie. Ele dizia. Sistema defensivo, bloqueio, como ser ofensivo, como trabalhar com os jogadores, como cobrar. Ensinamentos que eu carrego até hoje", disse Zé Roberto ao Globo Esporte.
Bebeto, que morreu em 2018, deixou a seleção após romper com Carlos Nuzman, então presidente da CBV. Aos 38 anos, Zé Roberto foi escolhido para comandar uma equipe tão jovem quanto ele.
Assumiu em 1992, ano dos Jogos de Barcelona, quando o vôlei brasileiro conquistou sob seu comando o primeiro título olímpico da história.
Uma 'revolução' no vôlei brasileiro
Foi uma campanha quase perfeita. O Brasil terminou os oito jogos invicto e perdeu só três sets em toda a competição.
Marcelo Negrão, responsável pelo ponto de saque que fechou a partida final contra a Holanda, explica que Zé Roberto deu continuidade ao trabalho de Bebeto de Freitas, mas que uma decisão do novo técnico foi chave para o campeonato olímpico.
"Ele fez uma grande mudança", diz o jogador à BBC News Brasil. Negrão era até então o oposto, que é normalmente o principal atacante de um time e costuma cortar a partir das extremidades da rede ou saltando do fundo da quadra.
Zé Roberto propôs que ele passasse à posição de central, que é mais responsável pelo bloqueio e, quando ataca, faz isso do meio da rede.
Negrão assumiu a posição, mas cortava tanto pelas pontas da rede quanto pelo meio. Acabou eleito o melhor atacante e o melhor jogador daquela edição.
"O Zé quis surpreender os adversários e aproveitou que eu sabia jogar em outras posições. Foi uma sacada muito inteligente", diz Negrão.
A mudança também tornou o time mais agressivo, porque tinha quatro atacantes de ponta em quadra em vez de três — entre eles, Giovane Gávio, hoje técnico da seleção masculina sub-21.
"O Zé criou um novo modelo de jogo em 1992. Quando ele optou por quatro atacantes no time, me deu uma oportunidade única. Aquilo mudou minha vida", diz Giovane à BBC News Brasil.
O título em Barcelona transformou a seleção masculina de vôlei em uma sensação e vários de seus jogadores, em celebridades.
"Foi uma revolução, a gente não conseguia andar na rua, parecia que a gente era os Beatles", lembra Negrão.
Aquele título também colocou o Brasil em outro patamar no vôlei — e o vôlei, em outro patamar no Brasil.
"O ouro era o que faltava para o esporte vingar, ter patrocinador, ser transmitido na TV, ter campeonato forte. O vôlei explodiu", diz Negrão.
"Quando o Zé se encontra com a gente, ele sempre agradece muito, mas a gente diz que nós é que temos que agradecer. Afinal, ele é que é o Mister Olimpíada."
Um recomeço difícil
Zé Roberto permaneceu com a seleção masculina por mais um ciclo olímpico, mas, depois do quinto lugar em Atlanta 1996, ele deixou a equipe.
Ele voltou à seleção em 2003, mas, desta vez, a feminina. Assumiu após o conturbado comando de Marco Aurélio Motta, que gerou uma crise com as jogadoras.
A seleção feminina vinha de dois bronzes consecutivos, em Atlanta e Sydney, mas não voltou ao pódio em Atenas 2004, a primeira Olimpíada de Zé Roberto com a equipe.
O Brasil chegou como favorito à competição, mas caiu na semifinal contra a Rússia, em uma partida traumática.
Quando tinha uma vantagem de dois sets a um, o Brasil chegou a estar a um ponto de fechar a partida, mas tomou a virada no quarto set e perdeu o quinto. Na disputa pelo bronze, perdeu para Cuba e ficou em quarto.
"Foi muito difícil. A gente demorou muito para superar", diz a jogadora Fofão, levantadora reserva da equipe na época, à BBC News Brasil.
"O Zé ficou muito mal depois, no canto dele, isolado, pensativo, refletindo, tentando entender o que aconteceu, porque foi um momento em que tudo poderia dar certo e deu tudo errado."
Fofão acredita que a partir dali houve uma mudança na filosofia do técnico da seleção. Ela conta que, quando aceitou o convite dele para seguir na equipe, como titular, encontrou um Zé Roberto diferente.
"Foi como se 2004 tivesse servido de lição. Ele tinha confiado muito nas titulares, não usou todo o time, eu mesma fui muito pouco utilizada. Ele mudou, tanto no comportamento quanto nas palavras, e passou a dar mais importância para o grupo, a valorizar todo mundo", diz Fofão.
O bicampeonato olímpico
Hoje coordenadora técnica das seleções femininas, Fofão foi a capitã do time que conquistou em Pequim 2008 o primeiro título olímpico do vôlei feminino do Brasil de forma irrepreensível.
A equipe perdeu um único set e só na final, contra os Estados Unidos. Foi a terceira medalha olímpica de Fofão — ela tem dois bronzes — e a consagração da sua carreira.
"Eu não teria a história que tive se não fosse pelo olhar diferente que o Zé teve comigo", diz a jogadora, que era atacante e virou levantadora depois que o técnico a viu atuar de forma improvisada na posição em uma partida.
"Ele veio meio que na brincadeira e disse: 'Jogou direitinho, hein?'. Devo ter feito algo que ele gostou. Mas eu demorei para aceitar. Não foi de primeira não."
Fofão sabe bem como Zé Roberto costuma ser calmo, mas exigente com seus times, especialmente com seus levantadores, porque ele próprio jogava nessa posição.
É comum nos pedidos de tempo que ele puxe a levantadora de lado para falar só com ela enquanto o assistente orienta o resto da equipe.
"Uma das coisas que aprendi com ele foi a raciocinar o jogo, que é algo que quase nenhum técnico ensina. Por ter sido levantador, ele tem uma visão de jogo diferente."
Mas foi fora de quadra que a líbero Fabi Alvim acredita que a seleção brasileira teve seu momento mais marcante na campanha do primeiro campeonato olímpico.
Foi na véspera da final, quando Zé Roberto chamou todas as jogadoras para uma conversa.
"Ele tinha vivido por muito tempo com as consequências daquela derrota em Atenas e disse: 'Chegou a hora de eu resgatar a minha identidade. Quero voltar a ser inteiro e quero pedir a ajuda de vocês para fazer isso'", conta Fabi, que ganhou duas vezes a Olimpíada ao lado de Zé Roberto.
Quatro anos depois, em Londres 2012, uma outra conversa sincera do técnico com suas jogadoras reverteu o que se encaminhava para ser mais uma decepção na trajetória da seleção — e culminou no segundo título olímpico.
A equipe começou mal e perdeu dois dos três primeiros jogos. A central Thaisa Daher, bicampeã olímpica com Zé Roberto, diz que uma reunião convocada pelo técnico mudou o rumo do campeonato.
"Fizemos um círculo, e ele falou o quanto confiava em cada uma de nós, falou da qualidade de uma por uma, e depois cada uma falou um pouco. Ali, ele se abriu pra equipe, e a gente se sentiu abraçada. Foi a virada de chave para tudo fluir como deveria", conta Thaisa.
O Brasil saiu da fase de grupos em quarto e cruzou mais uma vez nas quartas-de-final com a Rússia, que tinha sido a melhor colocada do outro grupo.
A partida contra as russas foi mais uma vez decidida em cinco sets, mas agora a favor do Brasil. A seleção venceu o Japão na semifinal e ganhou mais uma vez dos Estados Unidos na decisão.
Futuro em aberto
Thaisa foi uma das jogadoras que estava na seleção que foi eliminada diante da China no Maracanãzinho.
"Doeu tanto no Zé quanto na gente. Todos nós sofremos muito, porque a gente sabia que podia ir além", diz a jogadora.
Ela acredita que a decisão do técnico de continuar com a equipe foi reflexo "da mentalidade de um campeão". "É não se dar por vencido por maior que seja o baque."
"O Zé é muito persistente", concorda Fofão. "Sempre achei que ele ia continuar na seleção para tentar reverter aquela situação — e já reverteu."
O Brasil chegou à final mais uma vez e mais uma vez invicto. O futuro de Zé Roberto, aos 67 anos, ainda é incerto depois dessa partida.
"Ele fala cada vez menos em deixar a seleção, ou melhor, não vejo mais ele falar disso de uns tempo para cá, então, me dá a sensação de que talvez ele continue", diz Fabi.
"Acredito que ele vai para Paris [em 2024, na próxima edição dos Jogos]", diz Marcelo Negrão, que hoje também é técnico.
"Não vejo ninguém à altura dele para substituí-lo. Acho que ele ainda tem pique para mais uma Olimpíada."
Independentemente disso, diz Thaisa, Zé Roberto "já zerou a vida" e a final olímpica em Tóquio "coroa todo o esforço, competência, empenho, humanidade". "Ele é um cara incrível."
O time de Zé Roberto fez uma excelente campanha em Tóquio, mas não foi sem percalços.
O Brasil perdeu antes da semifinal sua principal atacante, a oposta Tandara, que teve um resultado positivo para doping e foi suspensa.
A levantadora titular, Macris, outra peça-chave do time, torceu o tornozelo na terceira partida da fase de grupos e ficou de fora dos dois jogos seguintes.
Mas, nas quartas-de-final, de novo contra as russas, uma decisão de Zé Roberto foi fundamental para a equipe seguir na competição.
O Brasil tinha perdido o primeiro set e estava atrás no placar no segundo quando Zé Roberto colocou Macris de volta em quadra, no lugar da levantadora reserva Roberta, e tirou Tandara, que não vinha bem e foi substituída por Rosamaria — a decisão foi crucial para a seleção virar o jogo e vencer a partida.
A comemoração de Zé Roberto depois do último ponto chamou a atenção. Ele saiu correndo e gritando pela quadra, vibrando como se tivesse conquistado mais do que o direito de estar nas semifinais.
"Fiz isso para agradecer a torcida, o pessoal da CT [centro de treinamento] que estava ali. A gente sabia que seria muito difícil e que a gente precisava passar desse jogo para entrar na zona de medalhas. A comemoração foi mais por isso. Só não dei peixinho", explicou em entrevista ao SportTV.
Pode ter sido isso, mas também pode ser que o técnico, conhecido por sempre respeitar seus adversários, não falaria algo diferente, embora no fundo talvez soubesse que o caminho se abria para mais uma final olímpica, porque o adversário seguinte seria a Coreia do Sul, freguês antigo do Brasil.
A seleção bateu as sul-coreanas e se classificou para a decisão. Zé Roberto mais uma vez sentou no banco ao lado da quadra, bastante emocionado.
"Me bateu aquela imagem do meu neto, e não sei explicar o por que, do Rio. Pensei a primeira coisa nele. Eu tinha prometido que a gente ia treinar mais para tentar ganhar mais das outras equipes. E olhei do lado e falei: 'Felipe, acho que deu certo'", disse ele após a partida.
As brasileiras vão disputar o ouro pela terceira vez com os Estados Unidos, mas, apesar do histórico a seu favor, enfrentarão a seleção que lidera o ranking mundial — o Brasil é o segundo — e para quem acabaram de perder na final da Liga das Nações.
Mas elas terão ao lado delas um técnico tricampeão olímpico, e Zé Roberto já mostrou mais de uma vez que ele pode fazer a diferença.
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