Vôlei de Praia

Sem medalhas em Tóquio, vôlei de praia enfrenta gargalos para crescer no Brasil

Um dos esportes que mais rendeu medalhas para o país na história olímpica, modalidade conta com calendário que dificulta renovação, enquanto países de menor tradição crescem com investimento

A atuação do Brasil no vôlei de praia durante os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 ligou um sinal de alerta que vai muito além da decepção pela primeira participação sem medalhas do país em 25 anos. Membro da última dupla eliminada no Japão ao lado de Álvaro Filho, Alison Mamute usou os microfones da imprensa, na última terça-feira (3/8), para pedir reflexão sobre a evolução da modalidade no país. Pontos apontados pelo jogador, como o calendário nacional com poucas etapas e de difícil ingresso, são gargalos para o crescimento. Com isso, jovens atletas encontram dificuldades para se firmar no esporte.

Na avaliação de Mamute, o vôlei de praia no Brasil está “parado”, enquanto outras nações crescem na base de investimento. “O Brasil ganhou ouro em 2016 e não mudou nada. O circuito seguiu o mesmo, mesmo número de etapas, só esperando Alison e Bruno, como era com Ricardo e Emanuel. Quando comecei, nos anos 1990, eram 24 etapas. O que eu quero dizer é para mudar o sistema. O mundo descobriu que o vôlei de praia é um esporte barato, que dá resultado e traz medalha. Temos que conversar e debater sobre isso, até hoje não perguntaram a nossa opinião”, desabafou o atleta em entrevista ao SporTV.

Ponto duramente atacado por Alison, o modelo de disputa do circuito nacional de vôlei está estagnado. Principal competição do calendário brasileiro, o Circuito Brasileiro Open é disputado em sete etapas, além do SuperPraia, torneio com campeão, ranking de entradas e premiação à parte. A temporada tem duração média de nove meses, começando tradicionalmente no segundo semestre do ano. Ele é composto pelas 14 primeiras equipes no ranking de duplas para a etapa, além de duas duplas convidadas pela CBV através de Wild Cards (convite) e oito times provenientes de um classificatório.

Gaspar Nóbrega/COB - Alison durante jogo de vôlei de praia nos Jogos Olímpicos de Tóquio

A forma de entrada no torneio é, inclusive, um gargalo para a evolução da modalidade. Como algumas duplas dependem de apenas um jogo para ingressar, existe o risco iminente de eliminação relâmpago e, consequentemente, falta de retorno esportivo e financeiro. O modelo acaba sendo pouco atrativo, dificultando a renovação de jogadores. As equipes masculinas que foram a Tóquio, por exemplo, estão acima dos 30 anos: medalhistas de ouro na Rio-2016, Alison tem 35 e o brasiliense Bruno Schmidt, 34. Eles jogaram ao lado de Álvaro, 30, e Evandro, 31, respectivamente.

No Circuito Mundial também existem barreiras. Com direito a quatro vagas, a CBV envia as três melhores duplas do Brasil direto para a chave principal da competição. Os demais brasileiros interessados no torneio precisam brigar pela vaga entre si, também em partida única. Para isso, é necessário jogar nos locais onde as etapas estão ocorrendo, muitas vezes na Europa. Desta forma, também ficam à mercê do risco de entrar na areia apenas uma vez e não alcançar o retorno esportivo. O alto custo impede, por exemplo, que duplas jovens do país se arrisquem na empreitada.

Nas redes sociais, o ex-jogador Nalbert, que jogou na quadra e na arena e é um dos nomes mais icônicos da modalidade no Brasil, fez um desabafo no mesmo sentido de Alison. “Vôlei de praia sem medalhas na Olimpíada pela primeira vez. O resultado ruim do vôlei de praia não é por acaso. Quem nos acompanha, sabe que já estávamos avisando isto há tempos. Há de se ter humildade e rever todo o processo. Estamos ficando para trás…", escreveu, em sua conta no Twitter, cobrando mais investimento para o esporte.

Rotatividade de parceiras

Durante os cinco anos do ciclo olímpico para Tóquio-2020 - um extra provocado pela pandemia de covid-19 -, um alto índice de separações de duplas foi registrado na nata da modalidade no Brasil. Os protagonistas do troca-troca foram justamente os donos das vagas do Brasil nos Jogos Olímpicos. No período, Evandro e Álvaro Filho tiveram três parceiros cada; Bruno Schmidt e Alison Mamute dois. O vai-e-vem, consequentemente, provocou um efeito cascata e movimentou outras formações no Brasil.

Yuri Cortez/AFP - O brasiliense e atleta do vôlei de praia Bruno Schmidt disputa os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020

Necessariamente, a troca de duplas no período não está diretamente relacionada aos resultados colhidos pelo país no Japão. O fim de uma parceria, inclusive, é motivado pelos mais variados motivos, entre eles, a decepção com os resultados alcançados com as antigas duplas. Alison, por exemplo, se separou de André Stein por esse motivo. Na sequência, ele fechou com Álvaro Filho, incentivado justamente por Ricardo, ex-dupla do novo parceiro. Antes de jogar com Bruno, Evandro seguiu rumos diferentes de André Stein e Vitor Felipe pelo mesmo motivo.

Evolução dos rivais

Ao longo da história olímpica do vôlei de praia, iniciada em Atlanta-1996, dois países dominaram o circuito e dispararam como os maiores medalhista. O Brasil ocupa o topo da lista, com 13 pódios, seguido dos Estados Unidos, com 11. Porém, nos Jogos de Tóquio-2020, os quatro primeiros lugares dos naipes feminino e masculino foram dominados por nações com menor tradição na modalidade. Com exceção dos americanos, apenas Austrália (três), Suíça e Letônia (duas cada) têm medalhas. Noruega e Comitê Olímpico Russo ganharam a primeira em Tóquio. O Catar disputa o bronze.

No desabafo, Alison comentou o investimento de outros países na modalidade para desbancar os maiores vencedores. “Estamos parados no tempo. Brasil e EUA não dominam mais”, alertou. País algoz de duas duplas brasileiras masculinas, a Letônia é um exemplo da constatação do atleta. Banhado pelo Mar Báltico, a nação do norte europeu tem uma costa de praia de cerca de 500 km e está começando a construir um legado no esporte. O berço da modalidade por lá é a cidade de Jurmala, localizada a cerca de 30 km da capital Riga.

As semifinalistas Tina Graudina e Anastasija Kravcenoka, por exemplo, são a única dupla feminina no país e as primeiras classificadas para as Olimpíadas. “Os patrocinadores não precisam escolher entre times femininos, porque somos as únicas. Estamos começando a nos tornar modelos”, avaliou Graudina. A evolução da Letônia no esporte também é explicada pelo investimento em estrutura para treinos. Em julho, Jurmala investiu 11,25 milhões de euros e iniciou as obras de construção de um novo ginásio, parte do complexo da escola primária Aspazija, para a prática de esportes, incluindo o vôlei de praia.

Com boas temperaturas e até sol durante às noites de verão, a cidade recebe diversos torneios de elite da Europa. “Quando a primeira quadra coberta foi construída na Letônia, isso nos permitiu treinar durante os invernos”, destacou Graudina. No país de quase 2 milhões de habitantes, a febre pelo vôlei de praia ganhou força a partir de 2012, quando a dupla Janis Smedins e Martins Plavins levou o bronze nos Jogos de Londres. Plavins, inclusive, pode conquistar sua segunda medalha olímpica, agora ao lado de Edgars Tocs. A dupla disputa o terceiro lugar nesta sexta-feira (6/8), às 22h. “Lembro de assistir ao jogo e até fico arrepiada ao me lembrar daquele momento. Foi aí que começou o boom e que comecei a praticar”, acrescentou Graudina.

 

Daniel Leal Olivas/AFP - Tina Graudina e Anastasija Kravcenokain, da Letônia, durante o vôlei de praia nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020

No Brasil, banco centraliza investimento

No Brasil, o principal foco de investimento no vôlei de praia e de quadra está centralizado no Banco do Brasil. A instituição tem uma parceria de 30 anos com a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). A entidade é responsável por dividir os valores entre as duas vertentes da modalidade. O apoio abrange patrocínio aos times masculino e feminino da Seleção Brasileira. Competições profissionais e de categorias de base também estão inclusas no acordo. Segundo a instituição, os oito atletas que representaram o país nos Jogos de Tóquio recebem patrocínio individual.

Ainda conforme o banco, entre 2017 e 2020 - período do ciclo olímpico para Tóquio -, houve um aumento de 20% no valor do contrato com a CBV. O patrocínio atual vigora até julho de 2025. Com isso, o investimento também abrangerá a preparação para a próxima edição dos Jogos Olímpicos, marcada para acontecer em Paris, em 2024. A instituição, porém, não detalhou o valor total aplicado no esporte no período.

“Por meio dessa parceria, conquistamos 23 medalhas olímpicas e centenas de títulos internacionais na quadra e na praia, em todas as categorias”, explicou o Banco do Brasil ao Correio, em nota. “Com o vôlei, geramos proximidade com públicos de interesse e conexão dos clientes com a marca. Isso porque acreditamos em resultados – e eles só são alcançados com investimentos de longo prazo. Esse apoio revelou para o mundo o talento e a técnica dos atletas brasileiros, e isso se transformou em um case de sucesso, sendo a parceria mais duradoura do esporte brasileiro, além da mais vitoriosa”, prosseguiu.

Gaspar Nóbrega/COB - Alison durante jogo de vôlei de praia nos Jogos Olímpicos de Tóquio
Miriam Jeske/COB - Vôlei de praia feminino
Angela Weiss/AFP - Definidos os representantes do Mundial da Itália
Yuri Cortez/AFP - O brasiliense e atleta do vôlei de praia Bruno Schmidt disputa os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020
Daniel Leal Olivas/AFP - Tina Graudina e Anastasija Kravcenokain, da Letônia, durante o vôlei de praia nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020