Os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 não irão ficar marcados apenas por medalhas e recordes durante as disputas. Primeira edição realizada sem a presença de torcedores e em meio a uma pandemia global de covid-19 que vitimou mais de 4,25 milhões de pessoas, a competição organizada no Japão também será lembrada pela voz ativa de esportivas sobre diversos problemas do cotidiano da sociedade. Além dos eventos, o torneio deixou nomes e lições que não podem ser esquecidos quando a festa esportiva chegar ao fim. A cerimônia de encerramento está marcada para o próximo domingo (8/8).
A pauta fora dos gramados, das quadras, das águas, e de outros locais de competições nos Jogos ressaltou que os atletas também têm limites, muitas vezes ignorados pela sede incessante por medalhas e por posições no quadro geral de conquistas entre as 220 nações envolvidas nas Olimpíadas. Ícones do esporte como Simone Biles, Naomi Osaka, Bruno Fratus e nomes menos conhecidos como Krystsina Tsimanouskaya, Laurell Hubbard e Raven Saunders levantaram discussões tão importantes quanto o ouro, a prata e o bronze. O Correio destaca cinco temas que ficaram no centro das manifestações durante os Jogos.
Simone Biles, Naomi Osaka, Bruno Fratus e a saúde mental
O debate sobre o impacto da saúde mental no esporte de alto rendimento voltou aos holofotes durante os Jogos Olímpicos. A necessidade de cuidados foi exponenciada por três vozes. O caso mais impactante foi o da americana Simone Biles. Dona de cinco medalhas na Rio-2016, quatro delas de ouro, a superatleta da ginástica artística chegou ao Japão cercada de expectativa sobre um novo desempenho acima da média. Porém, alegando necessidade de cuidar da mente, a ginasta desistiu de finais olímpicas. Além dela, a japonesa Naomi Osaka e o brasileiro Bruno Fratus também abordaram o tema.
Biles foi quem mais gerou reflexão sobre a importância do cuidado da saúde mental. “Não somos apenas atletas. Somos pessoas, afinal de contas, e às vezes é preciso dar um passo atrás”, ressaltou. Ao fim da participação em Tóquio, a americana relembrou, ainda, o abuso sexual sofrido pelo médico da equipe norte-americana Larry Nassar. O caso explodiu em 2016. “Existem gatilhos que nem conhecemos e eu acho que posso tê-los", disse, ao Today. De volta no salto, última disputa do programa olímpico, a americana contou com o apoio irrestrito da modalidade. Ela deixou o Japão com duas medalhas.
Ao cair no tênis para a número 42 do mundo, a japonesa Naomi Osaka, uma das maiores estrelas do esporte do país sede dos Jogos, também alertou para a questão. “Eu definitivamente sinto que houve muita pressão. Acho que talvez seja porque não joguei nas Olimpíadas antes e no primeiro ano foi um pouco demais”, justificou. O evento, inclusive, foi a primeira competição da atleta após se retirar do Aberto da França, em junho, quando revelou ter "sofrido longos períodos de depressão" desde que ganhou seu primeiro título de Grand Slam, em 2018.
No caso do nadador Bruno Fratus, a conquista do bronze nos 50 m livre foi um desafogo após um ciclo olímpico em que ele precisou conviver com a depressão causada por não cumprir as expectavas pessoais e em torno dele na Rio-2016. "O trabalho não é atravessar uma piscina, mas inspirar e motivar as pessoas que seguem o esporte. Eu usei minha plataforma para falar sobre saúde mental, porque foi algo que me atingiu. Tive dificuldade em um passado não muito distante. E não são só atletas. Qualquer pessoa que cuida da saúde mental, está cuidando da saúde", declarou o brasileiro em entrevista à CNN Brasil.
Krystsina Tsimanouskaya e a ditadura na Belarus
Alegando ter sido coagida e ameaçada após criticar técnicos e dirigentes da Belarus, a corredora Krystsina Tsimanouskaya desertou durante os Jogos Olímpicos após ser forçada a abandonar a competição e voltar ao seu país, governado desde 1994 pelo líder autoritário Alexander Lukashenko, visto como ditador por nações da Europa. O regime reprime opositores, jornalistas e militantes na tentativa de impedir protestos. O caso reacendeu discussões sobre o problema. A atleta conseguiu um visto humanitário da Polônia, que costuma abrigar bielorrussos que decidiram fugir do território.
Laurel Hubbard, a primeira atleta olímpica trans
Os Jogos de Tóquio também trataram de inclusão. A atleta de levantamento de peso neozelandesa Laurel Hubbard marcou a edição ao se tornar a primeira transgênero olímpica. Aos 43, ela competiu na categoria de levantamento de peso de +87 kg e não levou medalha, mas garantiu uma conquista maior para a comunidade, embora tenha reacendido um debate sobre a participação em competições femininas. “Embora tenhamos regras atualmente, elas sem dúvida mudarão e evoluirão à medida que se souber mais sobre os atletas transgêneros e o que isso significa para a participação no esporte”, avaliou.
Raven Saunders e o gesto em apoio aos oprimidos
Mulher negra e ativista dos direitos da comunidade LGBTQI+, a americana Raven Saunders utilizou o momento mais nobre dos Jogos para se manifestar em apoio às pessoas oprimidas. Após receber a medalha de prata no arremesso de peso, a atleta ergueu os braços e cruzou os punhos sobre a cabeça. "Minha mensagem é seguir lutando, pressionando e encontrando valor no que você é, em tudo que você faz", disse ao fim da premiação. A estadunidense recebeu apoio do Comitê Olímpico e Paralímpico do país (USOPC, sigla em inglês). O COI proíbe protestos no pódio, mas não investigará o caso.
A seleções que se ajoelharam contra o racismo
Antes mesmo da pira olímpica ser acessa no Japão, atos de protesto contra o racismo foram realizados. No futebol feminino, jogadores da Grã-Bretanha, Chile, Estados Unidos, Suécia e Nova Zelândia ajoelharam-se antes do início de suas partidas. O gesto se popularizou após a morte de George Floyd, em 2020. Mesmo com a flexibilização de punições por manifestações políticas, com a edição da Regra 50.2 da Carta Olímpica, o Comitê Olímpico Internacional (COI) vetou a postagem de imagens ou vídeos dos gestos antirracistas nas redes sociais oficiais da competição no Japão.