Tóquio - Há três dias, Thiago Braz chegou ao seu quarto na Vila Olímpica, abriu a porta e olhou para o próprio peito. Pendurada no pescoço estava a medalha do salto com vara na Olimpíada de Tóquio. Trouxe-a para mais perto e se irritou porque não era de ouro. Era o bronze. Mas tudo não passou de um sonho — que se tornaria realidade 48 horas depois, no Estádio Olímpico. Lá, com as arquibancadas vazias — cenário bem diferente da consagração com o primeiro lugar no Rio de Janeiro, em 2016 —, o brasileiro de 27 anos protagonizou uma das histórias improváveis desta edição do evento.
Sim, Thiago Braz chegou ao Japão com o status de atual campeão olímpico. Mas também é verdade dizer que o paulista de Marília era candidato, mas não favorito ao pódio. O atleta viveu um ciclo cheio de percalços e jamais conseguiu repetir a marca daquele dia histórico que teve no Estádio Nilton Santos, há cinco anos, quando saltou 6,03, estabeleceu o recorde olímpico e ganhou o ouro numa disputa épica contra o francês Renaud Lavillenie. Em Tóquio, alcançou os 5,87m.
“A medalha representa a resiliência, porque em cinco anos nada foi fácil para mim. Mas eu me superei, ganhei essa medalha e estou levando para o Brasil, com toda a felicidade e orgulho no peito. Muito feliz pela minha família inteira, que me ajudou e me incentivou a dar a volta por cima. Esses tempos foram muito complicados, fiquei nervoso na qualificatória. Dois dias atrás, eu sonhei que tinha ganhado a medalha de bronze, olhei no peito e não gostei muito, porque queria a de ouro”, contou aos jornalistas.
A frustração no sonho, porém, não se repetiu na vida. Braz sabia que precisaria de uma noite memorável para alcançar o segundo pódio olímpico da carreira. Afinal, foram tempos difíceis antes dos Jogos. Dos 53 competidores do atletismo brasileiro em Tóquio, ele é o único sem clube. Em abril de 2020, ainda no início da pandemia, foi demitido do Pinheiros.
“Não tenho clube, decidiram desse jeito e não posso fazer nada. É triste. Mas não sei se esperaram o tempo das Olimpíadas, não sei o que aconteceu. Também fiquei bem chateado... é triste. Não vou criticar, mas foi triste”, chegou a dizer Braz, depois da eliminatória em Tóquio.
O início do ciclo olímpico era promissor. O paulista treinava na Itália com o técnico ucraniano Vitaly Petrov. A ideia era chegar ao Japão com possibilidades de quebrar o recorde mundial da prova. Porém, com saudades da família, Braz decidiu voltar ao Brasil para treinar com Elson Miranda. Há um ano e meio, depois da demissão do Pinheiros, retornou à Itália para completar o período preparatório para Tóquio novamente com Petrov.
Nos anos entre os Jogos do Rio de Janeiro e de Tóquio, Braz não conseguiu repetir a marca da final olímpica anterior. Mas, mesmo sob tantas desconfianças, brilhou no Japão, conseguiu a melhor marca da temporada e conquistou mais uma medalha. Para isso, mais uma vez, deixou as dúvidas — e Lavillenie — para trás.
O brasileiro garantiu o bronze após uma tentativa sem sucesso de Lavillenie, que não passou os 5,87m. O francês sentiu dores durante a prova e acabou fora do pódio. O primeiro lugar, como esperado, ficou com o sueco Armand “Mondo” Duplantis (6,02m), um dos ícones do atletismo mundial atualmente. O estadunidense Christopher Nilsen ficou com a medalha de prata (5,92m).
Novo ambiente
O Estádio Olímpico de Tóquio era puro silêncio quando Braz foi apresentado nos alto-falantes. O ambiente bem distinto daquele que o embalou rumo ao ouro há cinco anos. Naquele dia chuvoso no Rio de Janeiro, o Engenhão lotado empurrava o brasileiro e vaiava Lavillenie — que, ao perder a medalha de ouro, se irritou e disparou contra a reação dos torcedores da casa.
“É claro que no Rio foi muito mais especial. A torcida brasileira são outros quinhentos. Se pudesse ter público, seria muito legal, muito mais inspirador, mas acho que a mágica dos Jogos Olímpicos não deixou de acontecer. A emoção acaba sendo a mesma. O desejo pela medalha e por honrar o país continuou”, pontuou.
Ao ser eliminado da prova, Thiago acompanhou Duplantis e Nilsen competirem. O sueco já havia garantido o ouro com folga quando decidiu tentar fazer o que ninguém jamais conseguiu: saltar 6,19m. Os recordes mundiais da prova são dele mesmo: 6,15 em ambientes abertos e 6,18m em fechados.
O brasileiro revelou que torceu contra o sueco para manter o recorde olímpico da prova. “Ele que me perdoe. Eu queria que o meu recorde permanecesse. Não é fácil em uma Olimpíada, com toda pressão, ter o melhor resultado. Ele tinha toda a possibilidade de saltar o recorde mundial e olímpico. Acredito que posso bater essa marca”, disse.
E a torcida deu certo. Agora, Thiago Braz quer festejar o bronze, mas com a próxima meta definida. “Eu tinha no meu sonho voltar aos Jogos e ganhar outra medalha. Às vezes, deu vontade de parar, mas tive esse suporte por trás. Eu queria tentar o bi, ainda dá, tem a próxima”, projetou. Em Paris, na Olimpíada de 2024, Thiago Braz terá 30 anos. E ainda crê que pode superar a marca que registrou no Rio de Janeiro.