A pequena Ana Patrícia não se cansava de insistir com os pais: queria mudar de escola. Aos 10 anos, a garota estudava numa instituição privada, mas sonhava mesmo com o dia em que poderia jogar na quadra recém-construída no colégio estadual. Persistiu tanto que deu certo. Eugênia da Silva e João Batista resolveram atender ao pedido da menina, que hoje protagoniza uma das histórias mais improváveis da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Nesta segunda-feira (2/8), às 22h, Ana Patrícia e Rebecca enfrentam as suíças Verge-Depre e Heidrich nas quartas de final do vôlei de praia olímpico. Se vencerem a partida no Shiokaze Park, as brasileiras se qualificam para a disputa por uma medalha no Japão.
Pati, como é chamada pelos amigos, nasceu em Espinosa, cidade de 30 mil habitantes no Norte de Minas Gerais. A região, uma das mais pobres do estado, tem como biomas a caatinga e o cerrado.
O município fica no Polígono das Secas, no limite com o Sertão baiano, e está a mais de 500 quilômetros do litoral. Mas foi justamente nas areias que ela, agora com 23 anos, decidiu brilhar.
Do Brasil, a mãe de Pati é puro orgulho. "É um esporte elitizado, de quem mora na praia e é de classe média, pelo menos. Para a gente, é muito orgulho sair daqui uma menina para o vôlei de praia, que nunca tinha jogado, não tinha técnica, só tamanho", conta, com alegria na voz, ao Superesportes.
O tamanho, que hoje é diferencial da atleta, já foi motivo de chateação. Na transição da infância para a adolescência, Pati cresceu mais que a média das meninas de sua idade. Só parou ao chegar a 1,94m.
"Por conta da altura, sofri um pouquinho na escola. Foi um período bem difícil mesmo e, querendo ou não, levamos alguma coisa para a vida adulta. O vôlei veio para transformar algumas crenças que eu tinha e para me realizar, não só como profissional, mas também como pessoa", contou, em entrevista ao Comitê Olímpico do Brasil (COB).
"Aqui não tem time de vôlei, futebol, basquete... Por isso, ela jogava muito com os meninos. Alguns desses colegas dela começaram a questionar a altura. Eu acredito, como mãe e educadora, que tudo parte de uma educação pautada em valores. Não foi fácil, mas deu certo, ela conseguiu superar", relembra a mãe, diretora de uma escola em Espinosa.
Descoberta no handebol
Sempre serena e dedicada, Pati se decidiu pelos esportes desde muito nova. Mas chegou o momento em que já estava perdendo a esperança. A garota tinha 16 anos – idade elevada para quem quer seguir profissionalmente no esporte – quando, enfim, foi descoberta.
Mas o sonho jamais teria começado não fosse a persistência da garota. Quando contou aos pais que havia sido convocada para jogar handebol nos Jogos Escolares de Minas Gerais em Janaúba (a 148 quilômetros de Espinosa), ouviu um "não" como resposta.
Eugênia e João Batista estavam preocupados com a viagem. Pati, porém, não desistiu. Lembrou-se de quando, seis anos antes, insistiu tanto que conseguiu convencer os pais a trocá-la de escola.
"Ela nem iria, mas chorava muito. Ela tinha muita vontade de jogar alguma e já estava pensando que ia passar a época dela. Na última hora, a gente deixou, porque uma amiga minha também foi no ônibus", diz a mãe.
Em Janaúba, Pati chamou atenção não exatamente pela performance no handebol, mas pela altura – algo que tanto a havia incomodado na escola. O olheiro Augusto Figueiredo a descobriu e conseguiu convencer os pais a deixar a garota fazer testes em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Não foi fácil, mas eles, no último dia do prazo para aceitar o convite, deixaram. Mesmo sem conhecer tanto a técnica do esporte, Pati passou nas seletivas do vôlei e do vôlei de praia.
Mudou-se para Betim e, seis meses depois, conquistou o ouro na praia nos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim, na China, ao lado de Duda – que disputou a Olimpíada de Tóquio ao lado de Ágatha, mas acabou eliminada nas oitavas de final.
Daí para frente, Pati não parou mais. Foi convidada pelo técnico Reis Castro para deixar as quadras de lado e jogar só nas areias. Aceitou e se mudou para Saquarema, no Rio de Janeiro, para continuar a preparação.
No caminho até os Jogos Olímpicos, mudou-se para Fortaleza e, com Rebecca, teve uma trajetória com algumas dificuldades. Por conta da pandemia, chegaram a ficar um tempo sem ter lugar para treinar.
Sonho olímpico
O último ato antes dos Jogos, porém, foi promissor. A dupla chegou à final da etapa de Gstaad do Circuito Mundial, na Suíça. Na decisão, perdeu para Ágatha e Duda por 2 sets a 0. Conquistar a prata, porém, deu ótimos indícios para a Olimpíada.
Em Tóquio, elas tiveram dificuldades da fase preliminar, com duas vitórias e duas derrotas. A chave do mata-mata, teoricamente, não é das mais fáceis. Nas oitavas de final, derrotaram as chinesas Wang e Xia por 2 sets a 0.
Após a partida, Pati revelou o drama que vive durante os Jogos. A atleta perdeu um tio paterno, morto em um acidente de carro no Brasil. A família tentou blindá-la, mas a notícia chegou pelas redes sociais – isso tudo uma hora e meia antes de ela entrar em quadra.
"Nossa primeira fase não foi da forma que a gente imaginava. Tivemos alguns empecilhos... Infelizmente, um tio meu faleceu e foi algo inesperado, mexeu um pouco com meu emocional. Mas estamos aqui para jogar, não é nenhuma justificativa", disse Pati.
"A vitória é boa pra cabeça, dá uma afirmação de que estamos crescendo numa fase importante do torneio", completou.
As dificuldades insistem em aparecer para Pati. Mas ela quer continuar escrevendo a improvável aventura da menina que saiu da seca mineira para, quem sabe, fazer história nas praias japonesas.
*João Vítor é o enviado especial dos Diários Associados a Tóquio