Tóquio — Entrar na Estação de Shinjuku não desperta a sensação de anonimato tão comum aos centros de grande concentração populacional pelo mundo. O crachá com fita nas cores branca e vermelha e a inscrição “Tokyo 2020” é como um identificador não apenas nos eventos esportivos, mas também ao andar pela cidade após 14 dias na “bolha” olímpica.
Poder, enfim, sair dos limites definidos previamente pelo governo local cria sentimentos à primeira vista contraditórios. A liberdade de circular por mais espaços se confunde com a desconfiança de ser sempre observado por uma cidade que nunca parou — nem pela Olimpíada e muito menos pelo estado de emergência decretado para controlar o avanço desenfreado da covid-19.
A Tóquio da vida real observa a Tóquio dos Jogos Olímpicos com desconfiança, temor e, raras vezes, empolgação. São duas faces da maior megalópole do planeta que coexistem desde o início de julho, quando os primeiros dos quase 100 mil credenciados atravessaram oceanos para participar da edição de Olimpíada mais controversa da história. Enquanto atletas de elite emocionam o mundo nas competições, parte significativa da população segue a rotina de trabalho sem grandes modificações.
“Eu acho que a vida não mudou muito com o estado de emergência. De acordo com a mídia, ainda tem muita gente saindo. Mesmo com medidas para evitar a proliferação do vírus, é como se só tivessem mudado as regras mesmo. Então, antes e depois do estado de emergência, realmente não mudou muito. No trabalho de meio período que faço, algumas pessoas pararam de vir por receio da covid-19, mas... foi basicamente só isso que mudou”, contou ao Correio um estudante japonês de 22 anos, que preferiu não ser identificado.
A conversa com o morador precisou ser feita por meio de uma outra pessoa que já vive em Tóquio, contatada por telefone. É estritamente proibido entrevistar a população da cidade, segundo as regras do “Playbook” para a mídia — documento de 70 páginas enviado aos credenciados em que uma série de normas para conter a pandemia são estabelecidas. A intenção da regra é evitar o contato entre estrangeiros e japoneses, ainda que aqueles já tenham recebido liberação para utilizar o transporte público após as duas semanas iniciais no país.
As ruas, os ônibus e os metrôs continuam cheios — contraste evidente em relação às arenas quase vazias devido à covid-19. Raros foram aqueles que decidiram (ou receberam permissão para) trabalhar de casa. A reportagem ouviu relatos até sobre pessoas que, mesmo com a possibilidade de fazer home office, decidiram ir ao trabalho normalmente mesmo em meio ao avanço do vírus. “Eles acreditam que isso é uma demonstração de amor ao que fazem”, disse um brasileiro, morador de Tóquio, ouvido pela reportagem.
Em meio a tantas controvérsias sobre a realização dos Jogos Olímpicos durante um período em que a pandemia se agrava no Japão, não é fácil conseguir que entrevistados aceitem ser identificados — ainda que as declarações publicadas num veículo de comunicação brasileiro provavelmente jamais serão lidas por quem mora em Tóquio. Ser associado à Olimpíada é quase como um risco para muitos, já que a maioria da população é desfavorável ao evento neste momento.
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Carregar o símbolo olímpico nas ruas pode não ser uma boa ideia. Há casos de voluntários que, mesmo no calor de 34ºC, deixam as casas com duas camisas. A primeira é o “uniforme” dos Jogos; a segunda, uma peça neutra com o único objetivo de cobrir a anterior. No metrô, sentir-se diferente não passa exatamente pelos traços ocidentais, mas pela credencial no peito. As mais de 3 milhões de pessoas continuam passando diariamente pela Estação de Shinjuku — uma das mais movimentadas do planeta —, mas a anonimidade inexiste quando se é associado ao evento.
Os apoiadores
O relógio marca 11h05 quando o brasileiro Darlan Romani entra no gramado do Estádio Olímpico de Tóquio para a final da prova do arremesso de peso. Ao ter o nome anunciado pelos alto falantes, ouve poucas vozes de apoio ecoarem pela arena de 68 mil assentos. São os gritos de atletas brasileiros, treinadores, dirigentes do COB e jornalistas. O vazio de dentro, porém, não se repete lá fora.
A vizinhança nos arredores do estádio é diversa. Entre prédios comerciais e algumas casas, surge o santuário Hatonomori Hachiman, templo xintoísta repleto de árvores e referências a símbolos marcantes do Japão, como o Monte Fuji. Em meia hora por lá, dezenas de pessoas chegaram para fazer orações ou caminhar pelo parque.
Perto dali, sob forte sol, uns 50 curiosos se enfileiram para foto com os arcos olímpicos que ficam em frente ao museu da Olimpíada. Foi assim o dia todo — e em quase todos os dias desde o início das competições. É uma espécie de contrassenso no país que reprova o evento durante a pandemia, mas mostra uma nova face da Tóquio real: aquela que tenta se infiltrar na Tóquio dos Jogos.
“Na minha opinião, a Olimpíada tem um lado bom e um lado ruim. O lado bom é que energizou a cidade e trouxe para nós, japoneses, a vontade de dar o melhor. O ruim, obviamente, é o coronavírus. Com credenciados andando por aí, as infecções aumentaram”, prosseguiu o morador de Tóquio entrevistado pelo Correio.
Em uma cidade dividida, porém, infiltrar-se na metade que não lhe pertence não costuma ser fácil. A organização dos Jogos oferece um tour por pontos turísticos da cidade aos jornalistas que chegaram há menos de 14 dias. As normas de controle são rígidas e afastam — por meio de placas ou seguranças — os jornalistas da população local, que se aglomera para ver de perto o caldeirão olímpico.
De um lado, a Tóquio que, contrariada — e por vezes empolgada —, assiste à Tóquio olímpica, que, do outro, se prepara para se despedir neste domingo, com a Cerimônia de Encerramento.
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Quando baianos dourados se encontram
Protagonistas das duas medalhas de ouro mais emocionantes da madrugada de ontem, o canoísta baiano Isaquias Queiroz e o conterrâneo dele, o pugilista Hebert Conceição se encontraram, ontem, na Casa Time Brasil, depois seus triunfos memoráveis. Na água, Isaquias concluiu a categoria C1 1.000m em primeiro e conquistou a quarta medalha olímpica. Ostenta um ouro, uma prata e dois bronzes. Na sequência, Herbert protagonizou virada heroica no boxe. Depois de perder os dois primeiros rounds para o ucraniano Oleksandr Khyzhniak, ele era obrigado a derrubar o rival no terceiro assalto para levar o ouro e conseguiu o nocaute.
Isaquias cumprimentou Hebert e ambos fizeram praticamente um carnaval fora de época. “O atleta que eu enfrentei tem um jogo difícil de trabalhar, é um cara muito forte, intenso, é espetacular a forma física com que ele sempre se apresenta nas lutas. É um lutador incrível, respeito muito”, comentou Hebert.
Ele revelou o segredo para sair do ringue com o ouro. “Treinei muito, levei muito a sério todo o trabalho que foi passado durante o ciclo, durante toda minha iniciativa desde que comecei no boxe. Eu tinha perdido dois rounds, tinha mais um. Apesar de a pontuação ser adversa, eu sabia que em três minutos dava para reverter com um nocaute. Se vocês perceberam, no começo do último round eu fui para uma luta franca e falei ‘se tomar nocaute aqui não interessa, estou perdido, agora eu vou buscar o meu’. E sabia que na trocação era loteria. Consegui conectar um bom cruzado, que eu treino muito também quando estou simulando situações de trocação. Essa medalha de ouro é para o Brasil.”
Isaquias dedicou o triunfo ao treinador Jesus Mórlan, que o tornou o primeiro atleta brasileiro a conquistar três medalhas em uma mesma edição na Rio 2016. “Eu me dediquei muito desde 2016 até esse exato momento. A medalha no C2 não veio. Nosso objetivo era representar nosso querido treinador, Jesus Morlán, que faleceu em 2018 e conquistou nove medalhas, com essa de hoje, importantes na nossa carreira. Muito feliz de realizar esse sonho”, disse Isaquias.
“Falei: ‘se tomar nocaute aqui não interessa, estou perdido, agora eu vou buscar o meu’. E sabia que na trocação era loteria. Consegui conectar um bom cruzado. Essa medalha de ouro é para o Brasil”
Herbert Souza (D), ouro no boxe