Tóquio — Com a medalha de prata no pescoço, Rebeca Andrade pediu licença aos jornalistas que enchiam a sala de imprensa. O telefone da primeira brasileira medalhista olímpica na ginástica artística tocava sem parar. “Espera aí, mãe, estou dando entrevista e já te ligo”, disse a atleta, que transparecia na voz e nos olhos a felicidade do sorriso escondido pela máscara. “Dona Rosa… É um barato. Falou para eu parar de ser malcriada”, brincou, de novo com atenção posta nos repórteres que lhe aplaudiram minutos antes.
Rosa Santos está do outro lado do mundo e não esperava ter contato com os jornalistas na manhã de ontem (noite no Japão) no Centro de Ginástica de Ariake, em Tóquio. Mas bem que deveria. A mãe de Rebeca, atleta do Flamengo há 10 anos, acompanhou de perto o drama da filha nesse ciclo olímpico. A ginasta, considerada desde a infância como uma das mais promissoras do Brasil, quase desistiu do esporte após se ver obrigada a realizar a terceira cirurgia complexa no joelho, em 2019, com apenas 20 anos.
Mas a mãe não deixou. “Ela acompanhou todo o processo, quase sentiu (as dores). Está tão orgulhosa e tão feliz quanto eu estou”, vibrou a ginasta que, agora aos 22 anos, deu a volta por cima, superou os traumas e fez história ao conquistar o tão sonhado pódio olímpico para as mulheres. Antes, só homens haviam conseguido o feito para o Brasil, com quatro medalhas (uma de ouro, duas de prata e uma de bronze).
“Eu passei por muita coisa e coloquei esta Olimpíada como objetivo. E o meu objetivo aqui era fazer o meu melhor, brilhar da melhor maneira possível. E acho que brilhei. Consegui a nossa primeira medalha. Acho que todas as pessoas que passaram pela ginástica feminina do Brasil se veem aqui nesta medalha e estão se sentindo muito orgulhosas de mim”, vibrou.
A alegria de Rebeca era quase um respiro aliviado. Ao longo da final do individual geral, a paulista de Guarulhos, Região Metropolitana da capital, não desviou o foco em momento nenhum. O primeiro movimento da noite foi um Cheng — criado em homenagem ao ginasta chinês Cheng Fei — perfeito no salto. A nota 15.300 a colocou no topo da classificação. Nos três aparelhos seguintes, alternou entre as duas primeiras posições.
Rebeca mostrou que é daquelas atletas de tirar o fôlego de quem a acompanha e arrancou lágrimas de jornalistas após a conquista da prata. Ela mesma, porém, não chorou. “Pedi para o pessoal não chorar, porque eu não choro, meu coração é de pedra... É brincadeira, viu, gente!?”, riu.
Ela passou a maior parte da prova sentada, olhando para o chão, enquanto as outras competidoras executavam os movimentos. A cabeça se erguia apenas para se apresentar e ouvir os aplausos que vinham das arquibancadas.
A extrema concentração dava lugar a uma explosão impressionante no momento das apresentações. A pressão de ser a primeira a competir entre as concorrentes de rotação nos dois primeiros aparelhos não parecia incomodá-la. Rebeca explicou a estratégia utilizada para se concentrar: “Ficar observando o que está acontecendo fora te tira a concentração. E eu precisava estar muito concentrada”, disse.
“Muito da medalha foi o lado psicológico. Eu só pensava em me manter calma e acreditar em mim. Eu estava muito feliz fazendo a minha série. Foi incrível”, completou. O único momento em que a brasileira não sossegou foi antes de entrar em ação na trave. Do lado de fora da área de competição, ela ensaiou os passos para o aparelho em que costuma ter o pior desempenho.
E as distrações na arena eram muitas. Não havia público externo, mas um batalhão de repórteres acompanhava tudo de perto. Nas arquibancadas também estavam atletas que não competiram na final do individual geral, entre elas a lenda Simone Biles. A tetracampeã olímpica desistiu de participar da final do individual geral para cuidar da saúde mental. Ainda não se sabe se ela participará das decisões dos próximos dias. A ginasta brasileira Flávia Saraiva também acompanhou a disputa das tribunas.
Grande estrela da modalidade nas últimas décadas, Biles esteve no local de competições para apoiar as colegas de delegação — entre elas a nova campeã olímpica, Sunisa Lee, que cravou 57.433 pontos. Rebeca fez 57.298. A medalhista de bronze, a russa Angelina Melnikova, fez 57.199.
Representatividade
Mulher, preta e da periferia, Rebeca Andrade não somente escreveu um capítulo significativo da história olímpica brasileira, como se tornou referência para tantos. “Eu sou preta, vou representar o preto, o branco, o pardo, de todas as cores, verde, azul, amarelo. É um orgulho”, disse.
A representatividade também passa pela escolha da música do solo. Apesar dos erros, Rebeca foi muito aplaudida ao som de Baile de Favela, funk de MC João. Com a apresentação, arrancou fortes aplausos e garantiu a medalha.
“O funk é um dos estilos mais escutados no Brasil e, querendo ou não, é a cultura brasileira. Eu gosto, adoro dançar funk, as batidas são demais. É um orgulho para as pessoas que se enxergam no funk e saber que todo mundo gostou, que deu essa repercussão toda com essa música, com essa série”, comemorou.