VISÃO OLÍMPICA

Tóquio em uma semana: um povo é muito maior que as generalizações

Fui zoado por um japonês, vi uma mulher bêbada cambaleando na rua e descobri que fui mal-educado

Durante os três primeiros dias em Tóquio, quando eu só podia sair do hotel para atravessar a rua e comprar comida, as idas à loja de conveniência eram um respiro. E as conversas com os atendentes logo me fizeram reafirmar quanto são rasas as generalizações.

Numas das saídas, comprei um lámen - uma sopa/macarrão típica do Japão - e fui questionado se levaria comigo um garfo de plástico ou um hashi. Na tentativa de me ambientar ao lugar onde passaria quase um mês, escolhi os pauzinhos.

O atendente olhou nos meus olhos e colocou o garfo na sacola. Olhei de volta e não entendi. Percebendo meu estranhamento, ele brincou: “Você tem certeza que sabe comer com isto aqui?”, questionou, falando do hashi. Respondi que sim e ele tirou onda: “Só por garantia, vou deixar o garfo também”. E deixou.

Rimos e fui embora apressado para o hotel, pois só tinha 15 minutos - determinados pelo protocolo anti-covid-19 — para comprar comida. A lição dessa pequena história foi entender que é impossível classificar um povo como uma coisa só: “japonês é sério”, “brasileiro é descontraído”, “francês é antipático”.

Por aqui, algumas coisas simples, do dia a dia, demonstram isso. Apesar de a cultura local indicar caminhos diferentes, muita gente usa, sim, roupas mais curtas. Há quem atravesse fora da faixa de pedestres e até aqueles que contrariam as orientações sanitárias e deixam a máscara em casa.

Na volta ao hotel, após um dia de trabalho na Ariake Arena, onde estão sendo disputados os jogos de vôlei masculino e feminino, o motorista do ônibus parou abruptamente e saiu do veículo às pressas para socorrer uma mulher - de não mais que 25 anos - que cambaleava na rua. Visivelmente bêbada, ela tropeçou, escorou num poste e ficou por ali mesmo, sem condições de se equilibrar. Cenas que jamais imaginaria ver nas ruas de Tóquio.

Mas é claro: as tradições também são marcantes nas pequenas coisas. Há dois dias, descobri que estava sendo desrespeitoso com os recepcionistas do hotel ao entregar-lhes as chaves do quarto. Por aqui, é sinal de humildade e respeito passar objetos segurando-os com as duas mãos (e as palmas viradas para cima).

Contato físico sem intimidade? Nem pensar. Para cumprimentar alguém, o ideal é se inclinar levemente para frente. É o ojigi, a reverência oriental, que serve para dizer “oi”, “até logo”, “obrigado”, “desculpas”, “prazer em te conhecer”, desde que feito acompanhado das palavras certas.

Um povo é muito maior que as generalizações.

Reprodução - João Vítor Marques é o enviado especial do Grupo Diários Associados a Tóquio e acompanha os jogos olímpicos 2020
Philip FONG / AFP - A bolt of lightning is seen in the background past the Kasai Canoe Slalom Centre, the main venue for canoe slalom during the Tokyo 2020 Olympic games, in Tokyo on July 11, 2021. Philip FONG / AFP
Kazuhiro NOGI / AFP - Drones fly to form an image of the Earth in the sky over the Olympic Stadium during the opening ceremony of the Tokyo 2020 Olympic Games, in Tokyo, on July 23, 2021. Kazuhiro NOGI / AFP
Behrouz MEHRI / AFP - This aerial photo shows the Tokyo skyline and the Olympic Stadium, the main venue for the Tokyo 2020 Olympic Games, in Tokyo on July 19, 2021. Behrouz MEHRI / AFP
Philip FONG / AFP - The Olympic Rings are displayed in Tokyo's Nihonbashi district on July 10, 2021. Philip FONG / AFP
Charly TRIBALLEAU / AFP - (FILES) This file photo taken on May 5, 2021 shows athletes competing in the half-marathon race which doubles as a test event for the 2020 Tokyo Olympics in Sapporo. The public will be asked not to line the route of the Olympic marathon over fears that crowds of fans could spread coronavirus infections, Tokyo 2020 organisers said on July 6, 2021. Charly TRIBALLEAU / AFP