Tóquio — Foram 1.797 dias de espera desde 21 de agosto de 2016, quando o Maracanã lotado com mais de 60 mil pessoas se despediu da Olimpíada com chuva, festa e sonoridade tropical. Ontem, quase cinco anos depois, Tóquio recebeu uma Cerimônia de Abertura com um cenário bem diferente. As arquibancadas vazias do suntuoso Estádio Olímpico contrastavam com a trilha sonora de videogames tocada na entrada dos atletas e a tradição do evento que, oficialmente, abre os Jogos.
A pandemia de covid-19 ditou o tom da cerimônia de quase quatro horas, que precisou ser profundamente alterada um ano antes. As cadeiras cinzas do estádio foram ocupadas essencialmente por jornalistas. A presença de público está vetada. Antes da entrada das delegações, foi prestada uma homenagem a todas as vítimas do coronavírus, que ainda castiga severamente o Japão.
O momento foi marcado por uma apresentação. Em seguida, foi respeitado um momento de silêncio, com todos os presentes de pé. A falta de público fez ser possível o inimaginável: escutar o barulho vindo de fora do estádio. Por lá, moradores do Japão — japoneses ou não — recepcionaram os jornalistas na chegada ao evento com acenos. “Eu acredito no poder do esporte” e “sejam bem-vindos a Tóquio” eram algumas das placas erguidas por quem estava por lá.
A recepção calorosa de adultos e crianças nos arredores do estádio, porém, não reflete a percepção da população japonesa em relação à realização dos Jogos Olímpicos em plena pandemia pela primeira vez na história. Diversas pesquisas feitas ao longo dos meses que antecederam a noite da cerimônia mostraram que entre 60% e 80% dos moradores eram contrários à Olimpíada ou ao menos demonstravam temor por uma eventual aceleração na disseminação do vírus devido à chegada de dezenas de milhares de credenciados.
O tradicional desfile das 207 delegações também foi profundamente afetado pela pandemia. Ao todo, cerca de 5,7 mil atletas desfilaram ao longo de duas horas. No Rio de Janeiro, foram mais de 12 mil competidores na Cerimônia de Abertura. A maior equipe na parada foi a anfitriã, recebida sob aplausos dos presentes — os gritos e cantos estão proibidos por conta da pandemia.
Por segurança, vários comitês nacionais limitaram ou proibiram a participação dos atletas no evento. O Brasil, por exemplo, mandou apenas quatro representantes (número mínimo exigido pela organização): os porta-bandeiras Ketleyn Quadros (judô) e Bruninho (vôlei), o chefe de missão Marco La Porta e mais um oficial administrativo.
Pela primeira vez na história, um homem e uma mulher lideraram o desfile. Trata-se de uma iniciativa do Comitê Olímpico Internacional (COI) pela igualdade de gênero — ao menos nos números. Em Tóquio, cerca de 48% dos atletas classificados são mulheres, recorde na história olímpica da Era Moderna, iniciada em 1896. A expectativa é de que nos Jogos de Paris, em 2024, o número alcance os 50%.
Orgulho candango
Nascida em Ceilândia, no Distrito Federal, Ketleyn se tornou a primeira mulher negra a ser porta-bandeira do Brasil. Antes dela, só duas competidoras haviam tido a honra: Sandra Pires (vôlei), em 2000, e Yane Marques (pentatlo moderno), em 2016. A judoca de 33 anos fez história ao conquistar a medalha de bronze em Pequim (2008).
Bruninho foi campeão olímpico no Rio e conquistou duas medalhas de prata nas edições anteriores dos Jogos. Filho do técnico Bernardinho, o levantador é o capitão da Seleção Masculina de vôlei, uma das favoritas ao ouro olímpico no Japão.
Com roupas leves e bem apropriadas para o calor de 30ºC da noite japonesa, a dupla transformou o palco de apresentações do estádio em “avenida”. Sorridentes, Ketleyn e Bruninho pararam duas vezes para sambar — cena não mostrada na transmissão da televisão — e seguiram até o lugar que lhes era reservado.
“Estou superfeliz. Curti cada momento, cada detalhe dessa experiência. O coração bateu mais forte, esse momento parecia que não ia chegar nunca. Desfilamos com muita alegria, transbordando energia positiva e com o coração
na mão”
Ketleyn Quadros, judoca