cerimônia de abertura

O planeta de olho na bolha

Capital japonesa vira oficialmente um mundo à parte na pandemia para a caça a 339 medalhas de ouro por 11.326 atletas. Festa tem brilho de judoca brasiliense e protagonismo de Naomi Osaka

Tóquio — Foram 1.797 dias de espera desde 21 de agosto de 2016, quando o Maracanã lotado com mais de 60 mil pessoas se despediu da Olimpíada com chuva, festa e sonoridade tropical. Ontem, quase cinco anos depois, Tóquio recebeu uma Cerimônia de Abertura com um cenário bem diferente. As arquibancadas vazias do suntuoso Estádio Olímpico contrastavam com a trilha sonora de videogames tocada na entrada dos atletas e a tradição do evento que, oficialmente, abre os Jogos.

A pandemia de covid-19 ditou o tom da cerimônia de quase quatro horas, que precisou ser profundamente alterada um ano antes. As cadeiras cinzas do estádio foram ocupadas essencialmente por jornalistas. A presença de público está vetada. Antes da entrada das delegações, foi prestada uma homenagem a todas as vítimas do coronavírus, que ainda castiga severamente o Japão.

O momento foi marcado por uma apresentação. Em seguida, foi respeitado um momento de silêncio, com todos os presentes de pé. A falta de público fez ser possível o inimaginável: escutar o barulho vindo de fora do estádio. Por lá, moradores do Japão — japoneses ou não — recepcionaram os jornalistas na chegada ao evento com acenos. “Eu acredito no poder do esporte” e “sejam bem-vindos a Tóquio” eram algumas das placas erguidas por quem estava por lá.

A recepção calorosa de adultos e crianças nos arredores do estádio, porém, não reflete a percepção da população japonesa em relação à realização dos Jogos Olímpicos em plena pandemia pela primeira vez na história. Diversas pesquisas feitas ao longo dos meses que antecederam a noite da cerimônia mostraram que entre 60% e 80% dos moradores eram contrários à Olimpíada ou ao menos demonstravam temor por uma eventual aceleração na disseminação do vírus devido à chegada de dezenas de milhares de credenciados.

O tradicional desfile das 207 delegações também foi profundamente afetado pela pandemia. Ao todo, cerca de 5,7 mil atletas desfilaram ao longo de duas horas. No Rio de Janeiro, foram mais de 12 mil competidores na Cerimônia de Abertura. A maior equipe na parada foi a anfitriã, recebida sob aplausos dos presentes — os gritos e cantos estão proibidos por conta da pandemia.

Por segurança, vários comitês nacionais limitaram ou proibiram a participação dos atletas no evento. O Brasil, por exemplo, mandou apenas quatro representantes (número mínimo exigido pela organização): os porta-bandeiras Ketleyn Quadros (judô) e Bruninho (vôlei), o chefe de missão Marco La Porta e mais um oficial administrativo.

Pela primeira vez na história, um homem e uma mulher lideraram o desfile. Trata-se de uma iniciativa do Comitê Olímpico Internacional (COI) pela igualdade de gênero — ao menos nos números. Em Tóquio, cerca de 48% dos atletas classificados são mulheres, recorde na história olímpica da Era Moderna, iniciada em 1896. A expectativa é de que nos Jogos de Paris, em 2024, o número alcance os 50%.

Orgulho candango
Nascida em Ceilândia, no Distrito Federal, Ketleyn se tornou a primeira mulher negra a ser porta-bandeira do Brasil. Antes dela, só duas competidoras haviam tido a honra: Sandra Pires (vôlei), em 2000, e Yane Marques (pentatlo moderno), em 2016. A judoca de 33 anos fez história ao conquistar a medalha de bronze em Pequim (2008).

Bruninho foi campeão olímpico no Rio e conquistou duas medalhas de prata nas edições anteriores dos Jogos. Filho do técnico Bernardinho, o levantador é o capitão da Seleção Masculina de vôlei, uma das favoritas ao ouro olímpico no Japão.

Com roupas leves e bem apropriadas para o calor de 30ºC da noite japonesa, a dupla transformou o palco de apresentações do estádio em “avenida”. Sorridentes, Ketleyn e Bruninho pararam duas vezes para sambar — cena não mostrada na transmissão da televisão — e seguiram até o lugar que lhes era reservado.

“Estou superfeliz. Curti cada momento, cada detalhe dessa experiência. O coração bateu mais forte, esse momento parecia que não ia chegar nunca. Desfilamos com muita alegria, transbordando energia positiva e com o coração
na mão”

Ketleyn Quadros, judoca

 

Recados da chama olímpica

O tema da cerimônia foi “unidos pela emoção”. O mote maior do megaevento como um todo é “seguindo em frente”, em clara referência à pandemia. “Pessoas de todo o mundo passaram o último ano vivendo sob a ameaça da covid-19, e os Jogos de Tóquio ocorrerão em meio a esta pandemia sem precedentes. Nós somos de diferentes idades e nacionalidades e temos diferentes histórias de vida, e agora estamos fisicamente separados. Este é o motivo pelo qual queremos que todos experimentem a mesma empolgação, diversão e, por vezes, desapontamento por meio das performances dos atletas”, explicou a organização.

Ao mesmo tempo em que fez menções ao momento vivido pelo planeta há um ano e meio, a cerimônia não deixou as tradições de lado. A presença de chefes de estado, execução do hino durante o hasteamento da bandeira japonesa, discursos dos presidentes, juramento dos atletas, árbitros e técnicos, a simbologia do lançamento de pombos e, é claro, o momento de acender a pira olímpica foram mantidos.

Do início ao fim do evento, as raízes japonesas foram exaltadas. A parada dos atletas foi ao som de músicas marcantes de jogos, parte importante da cultura local. Houve, ainda, a presença de cantores locais famosos e referências a mangá (história em quadrinhos típicas do país) e ao kabuki (tradicional estilo teatral do Japão).

As memórias de 1964 também foram trazidas à tona seguidas vezes. Naquele ano, Tóquio sediou a Olimpíada pela primeira vez. Atletas de todos os países participantes trouxeram sementes e as plantaram no Japão. Passados 57 anos, troncos de algumas dessas árvores foram usados para a produção dos arcos olímpicos. Houve, ainda, um momento de reprodução humana dos pictogramas que representam cada modalidade (criados no país na década de 1960).

O passado deu lugar ao futuro quando, num dos momentos mais emocionantes da cerimônia, 1.824 drones formaram o emblema olímpico e, em seguida, o planeta terra - tudo isso acima do teto do estádio. Enquanto a bela imagem impressionava os presentes, um grupo de crianças cantava Imagine, música escrita por John Lennon e a japonesa Yoko Ono. Em seguida, artistas consagrados da atualidade assumiram o vocal.

Ao fim, o aguardado momento chegou. Depois de passar pelas mãos de 10 mil pessoas e percorrer dois mil quilômetros em 121 dias, a chama foi carregada por atletas e paratletas emblemáticos do Japão, estudantes e uma enfermeira — em mais uma menção a quem combate a pandemia — até, finalmente, chegar à pira. Ícone do tênis, militante antirracista e símbolo da diversidade, Naomi Osaka foi a encarregada de protagonizar o último ato. Estão oficialmente abertos os Jogos Olímpicos de Tóquio.(JVM)