LUTA

Conheça Kokugikan Arena, endereço da sorte do boxe brasileiro nas Olimpíadas

Conheça o endereço da sorte dos nossos pugilistas nos Jogos. Kokugikan Arena é o templo de um dos esportes sagrados do Japão e tem tudo para ficar na memória de Abner Teixeira e Beatriz Ferreira

João Vítor Marques - Enviado especial
postado em 31/07/2021 06:00
Semifinalista, o paulista Abner Teixeira garantiu, no mínimo, mais um bronze para o país em Tóquio -  (crédito: Buda Mendes/AFP)
Semifinalista, o paulista Abner Teixeira garantiu, no mínimo, mais um bronze para o país em Tóquio - (crédito: Buda Mendes/AFP)

Tóquio — A região de Ryogoku é quase um museu a céu aberto. Ao caminhar pelos poucos espaços liberados para jornalistas credenciados para a Olimpíada, é possível perceber como parte significativa da história japonesa foi construída. Nos primeiros passos do ônibus até a Kokugikan Arena, monumentos pelo caminho rememoram Tokugawa Ieyasu — primeiro xogum do Xogunato Tokugawa, que durou mais de 200 anos e só foi encerrado na Revolução Meiji, em 1868 — e a Ponte Kototoi, cenário de devastação causada por uma das bombas estadunidenses lançadas em Tóquio durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945. É neste contexto que o Brasil começa a brilhar nesta edição do boxe olímpico.

A modalidade pegou emprestado o templo espiritual do sumô japonês para a disputa dos Jogos. Redesenhada, a arena tem estampadas próximas do teto imagens de grandes rikishis, como são conhecidos os lutadores. O espaço foi construído no formato de tigela e possui peculiaridades em relação às outras instalações olímpicas. As arquibancadas não são formadas por cadeiras, mas por grandes áreas retangulares, nas quais é proibido entrar de tênis. Descalços, os torcedores sentam (em tempos sem pandemia) para acompanhar as grandes lutas. “É parte da nossa cultura. Interessante, não é?”, riu um trabalhador do local ao perceber a curiosidade do estrangeiro pelo modelo de acomodação dos fãs.

A Kokugikan Arena foi construída em 1909, como resposta à crescente popularidade do sumô na Era Meiji. O local foi destruído por um incêndio acidental e o Grande Terremoto de Kanto (1923) e, depois, utilizado pelo exército japonês durante a Guerra. O espaço original se tornou um memorial e foi substituído por um novo, chamado de Kuramae Kokugikan, em 1954. O atual modelo foi inaugurado em 1985 e tem capacidade para 11 mil pessoas (reduzida para 7,3 mil durante a Olimpíada). Este ano, serviu como espaço de vacinação contra a covid-19 — alguns lutadores de sumô foram imunizados no local, como forma de promover a vacina.

Quando o relógio marcou 19h40 (horário japonês) de ontem, a misticidade do local foi ressignificada e ganhou os tons verde e amarelo. Ao som de um funk paulista, o treinador Leonardo Macedo começou a dançar e bater nas placas das arquibancadas superiores. Juntaram-se a ele, em seguida, os boxeadores olímpicos Keno Marley — que pouco antes havia sido eliminado nas quartas de final — e Beatriz Ferreira, melhor do mundo no peso-leve (até 60kg) e a uma vitória da medalha em Tóquio. O barulho tomou conta do ambiente e começou a contagiar o protagonista da noite.

“Meu pessoal não deixou a desejar, gritou muito”, sorriu Abner Teixeira. Aos 24 anos, o paulista se colocou na história como o dono da sexta medalha olímpica do boxe brasileiro. Após um início cambaleante, ele partiu para a trocação nos dois últimos rounds contra Hussein Iashaish, da Jordânia, e garantiu passagem para as semifinais do torneio na categoria pesada (entre 81kg e 91kg). Na Olimpíada, a modalidade não tem disputa pelo bronze. Portanto, o boxeador assegurou ao menos o terceiro lugar. O próximo confronto será com o cubano Julio la Cruz, na próxima terça-feira, às 6h50.

“Não tem tranquilidade. A gente está na guerra. Só acaba quando estiver no pódio, se Deus quiser com a medalha de ouro. A luta pela medalha olímpica é importante como qualquer luta. Está no meu instinto, sou lutador. Qualquer luta que tiver é ir para o tudo ou nada. Lutar por medalha olímpica ou lutar no quintal de uma casa é lutar do mesmo jeito”, disse Abner, que, depois de frustrações no futebol, basquete e atletismo, se encontrou nos ringues. Aos 13 anos, começou a tardia jornada na modalidade. Agora, uma década depois, já fez história.

“Sou o alvo”

Das arquibancadas, em meio ao som estridente da caixa de som, era possível identificar uma voz feminina. O sotaque soteropolitano não deixava confundir: era Bia Ferreira, grande estrela brasileira na modalidade. Lá no alto, apoiava o amigo Abner enquanto descansava da luta que havia vencido duas horas e meia antes. “É maravilhoso estar aqui. Era uma meta, e consegui realizá-la. Mas tenho outra meta, que é buscar a mãe de todas”, disse.

A ambição da baiana de 28 anos é do tamanho do seu talento. Campeã mundial em 2019, chega a Tóquio como uma das principais esperanças de medalha de ouro entre os mais de 300 atletas da delegação brasileira. “A Bia era um diamante bruto. Está lapidado e vai brilhar cada vez mais”, assegurou o técnico Leonardo Macedo, o mesmo que, horas depois, escolheria a trilha sonora para a classificação de Abner. Encantou a todos, menos um dos seguranças japoneses da arena, que lhe pediu para desligar a música durante as entrevistas na zona mista.

Na estreia em Tóquio, durante a madrugada de sexta-feira (tarde no Japão), Bia derrotou Wu Shih-Yi, de Taipei Chinesa, e agora está a uma vitória da medalha. Ela volta ao ringue na terça-feira, às 5h, para enfrentar a uzbeque Raykhona Kodirova nas quartas de final. Vai à luta como favorita, mas a pressão não a incomoda.

“Eu não me prendo ao favoritismo, não. Até esqueço que sou o alvo. Os treinadores que me lembram. Mas eu estou pronta para qualquer uma. Os treinadores me mandam usar isso ao meu favor. Mas eu não me apego a isso. Quando subo no ringue, pode ser contra quem for, se está contra mim eu vou para cima”, disse. “Eles (os treinadores) falam que todo mundo me estudou, então, tenho que ter uma carta na manga, algum extra. Mas não tem essa. Eu sempre estudei os melhores para tentar ser a melhor”, completou.

A estratégia para não se perder no favoritismo é evitar o contato externo e focar totalmente na luta. Por isso, Bia evitou entrevistas ao longo das últimas semanas anteriores aos Jogos. Agora, usa o tempo livre que tem na Vila Olímpica com dois assuntos: “A gente conversa muito com a equipe e vê luta. Eu amo ver luta. A gente tem que estudar”, disse.

“A Bia é uma atleta que tem a genética do boxe. O pai inseriu isso desde que ela tinha quatro anos. Quando mais cedo o atleta começa a treinar, mais características de fundamento ele vai dominar. A Bia tem o boxe dentro dela. Existe um amadurecimento. Ela chegou à equipe com seis lutas e agora tem 120. Com 28 anos, amadureceu como ser humano. Está lendo, buscando conhecimento”, analisou o técnico Mateus Alves, o primeiro a abraçá-la após a vitória na estreia.

Bia é a estrela de uma delegação que, se ganhar ao menos duas medalhas, terá cumprido a meta estabelecida para Tóquio. A tendência é que a jovem equipe masculina brilhe com mais intensidade daqui a três anos, nos Jogos de Paris. Havia a esperança pela medalha de Keno Marley, mas o baiano foi derrotado no último combate antes do pódio. Agora, as expectativas estão na campeã do mundo, em Abner e em outros dois homens: Wanderson de Oliveira e Hebert Sousa. Graziele Jesus e Jucielen Romeu foram eliminadas na primeira luta.

“A gente veio com o prognóstico de uma medalha e com a expectativa de o masculino chegar na disputa. Então, a gente alcançando uma no masculino e uma no feminino, a gente alcança o prognóstico de Tóquio. Porém o Hebert é um atleta talentosíssimo. Pode vir mais uma medalha. O Wanderson tem uma chave bem dura. Estamos satisfeitos com o trabalho que começou em março de 2017”, avaliou Mateus Alves.

 Próximas lutas do boxe brasileiro

Hebert Sousa x Abilkhan Amankul
quartas de final (69kg a 75kg), amanhã, às 6h18

Beatriz Ferreira x Raykhona Kodirova
quartas de final (57kg a 60kg), terça-feira, às 5h

Abner Teixeira x Julio la Cruz
semifinal (81kg a 91kg), terça-feira, às 6h50

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