As águas do Lago Paranoá impulsionaram mais uma conquista para a canoagem do Distrito Federal e do Brasil. No mês passado, a delegação brasileira, com atletas da equipe candanga Amazul, disputou o Campeonato Mundial de Canoagem Oceânica, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, na Espanha, e retornou com duas medalhas de ouro. Uma com Carmen Lúcia, na categoria feminino master, e outra com o paratleta Califa Cury, na KL3.
A Amazul utiliza as estruturas do Clube Naval, no Setor de Clubes Sul, para realizar a preparação para diversas competições. “É um espaço de treinamento magnífico. São 80km de orla, que proporcionam as melhores condições de treinamento para diferentes categorias da canoagem”, avalia o técnico da equipe e presidente da Federação Brasiliense de Canoagem, Paulo Salomão. Para o treinador, a cultura do esporte náutico vem crescendo nos últimos anos, com aumento no número de atletas e maiores destaques nas provas nacionais.
Califa conta que enfrentar o Oceano Atlântico e finalizar a prova é um reflexo da grande capacidade dos paratletas. Para o brasiliense, foi preciso força para não se abalar pelas críticas negativas. “Conquistar esse Mundial foi algo muito grande, porque é a primeira medalha do país em um Mundial de Canoagem Oceânica e mostra que podemos ir além”, diz.
Até subir ao lugar mais alto do pódio, a delegação brasileira encontrou diversas dificuldades antes do início do mundial. Califa conta que o primeiro drama foi saber se poderia entrar Espanha, devido à pandemia de covid-19. Outra adversidade era não conhecer o percurso da prova antes da competição.
Mas, com apoio dos amigos, o brasiliense encontrou forças para superar os 27km. “A vontade de completar a prova e mostrar para o mundo que a paracanoagem é capaz foi maior que qualquer desafio ou onda”, declara.
Com três empregos, a rotina do medalhista de ouro é extremamente puxada. Para se manter no ritmo, Califa Cury comenta que acorda por volta das 4h para treinar e convive com uma dor crônica no joelho direito. Mas isso não o desanima. O título mundial agora se soma aos de campeão brasileiro de canoagem velocidade, na categoria duplo master 500m; brasileiro maratona; brasileiro oceânica; Desafio Yacht 60km; Copa do Brasil Oceânia KL3; Sul-Americano de Oceânica, no Uruguai; e outras diversas conquistas regionais.
Experiência feminina
Carioca de Angra dos Reis, aos 56 anos, Carmen conta que o Mundial na Espanha foi o primeiro pela equipe da capital federal e o terceiro da carreira. Competir ao lado do filho, Luiz Wagner Pecoraro, 28 anos – também integrante da Amazul –, tornou a conquista ainda mais especial. “Quantas mães não gostariam de ter esse momento? Foi um prazer, uma honra e uma satisfação muito grande”, comenta emocionada. “A maneira que o mar se apresentou foi muito bom pra mim, pude colocar à prova todo o meu treinamento, experiência e a minha condição técnica, que resultou na medalha”, completa.
Carmen comenta que os desafios mais difíceis na trajetória sempre foram de caráter financeiro. A atleta deixou de competir em diversos torneios por falta de recursos e também por optar pela participação do filho nos diversos campeonatos. “Eu sempre abri mão para ele participar. Em função disso, as maiores adversidades encontradas eram a respeito de dinheiro para lidar com os gastos da presença nas provas”, revela.
A rotina da atleta carioca é corrida, mas ela aproveita o fato de morar no litoral para conciliar o trabalho com os treinos. “Costumo dizer que eu moro em um lugar especial, sinto-me privilegiada. Sou arquiteta e visito minhas obras remando. Os meus cenários de trabalho são obras de costeira, praia e ilhas. Eu remo todos os dias, em uma média de 20km a 30km”, diz.
Para Carmen, a medalha de ouro no mundial na Espanha coroa uma trajetória de 27 anos na canoagem. “Tenho mais de 20 títulos brasileiros na oceânica, conquista sul-americana e medalhas de prata e bronze nos Mundiais anteriores que participei. É uma história vitoriosa”, avalia.
Entrevista: Paulo Salomão, técnico da Amazul e presidente da Federação Brasiliense de Canoagem
Como é a sobrevivência dos clubes de canoagem? Quais são as dificuldades?
Nossos parceiros hoje são a Marinha do Brasil, o Clube Naval de Brasília, Clube da Aeronáutica de Brasília e o GDF, através da Secretaria de Esportes com o programa Compete Brasília. O grande problema da canoagem brasiliense é a ausência de jovens no esporte. Temos dois grandes projetos de lei de incentivo, mas o maior desafio na captação é não ter um grande polo industrial e empresarial na capital federal.
Qual é o maior desafio na rotina de treinamentos dos atletas da canoagem?
Trabalhamos com as categorias velocidade, maratona, oceânica e por idade. Na paracanoagem, há divisão por embarcações (canoa e caiaque) e por nível de lesão (membros inferiores, cintura e apenas braço). Em cada tipo de limitação, buscamos formas diferentes de contornar, fazendo adaptações individuais para que cada um consiga a melhor conexão possível com o barco.
O esporte de alto rendimento requer grande dedicação às atividades. Muitos de nossos atletas moram em regiões remotas do Entorno e precisam fazer dois treinos diários. Logo, muitos passam o dia no centro de treinamento, realizam os trabalhos, alimentam-se, descansam e partem para o treino no período da tarde.
Nas categorias trabalhadas por sua equipe, quais são as principais competições no calendário?
Nossos próximos desafios são a seletiva nacional de paracanoagem para o Campeonato Mundial de Velocidade; o MolokaBRA, no Ceará, valendo vaga no Campeonato Mundial de Canoagem Oceânica, na Austrália, em 2022; Campeonato Brasileiro de Velocidade, em Cascavel; Campeonato Mundial de Canoagem Maratona, na Romênia; e encerramos o ano com o Campeonato Brasileiro de Canoagem Maratona em Brasília.
Existe algum tipo de iniciativa de captação de jovens talentos para a canoagem?
Temos projetos aprovados na Lei de Incentivo ao Esporte, mas não conseguimos ainda captar recursos para iniciar os trabalhos com jovens. Temos parcerias com os bombeiros, polícia militar e as administrações de cidades interessadas no esporte, mas ainda faltam equipamentos esportivos e remuneração para profissionais.
O GDF apoia de alguma forma a canoagem no Distrito Federal?
O GDF é um parceiro importante no crescimento do esporte com o programa Compete Brasília, que custeia as passagens dos atletas para os campeonatos nacionais e internacionais. Contudo, mesmo com o apoio, os competidores necessitam pagar translado, inscrição, aluguel de barco, hospedagem e alimentação. E como muitos são de baixa renda, recorrem ao apoio de amigos e familiares, por meio de eventos para arrecadação de fundos, com rifas, vaquinhas nas redes sociais e, quando necessário, até pedem nos semáforos para ter a oportunidade de representar nossa capital.
*Estagiário sob supervisão de Fernando Brito
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