Detido na madrugada de domingo após ser flagrado em um cassino clandestino com cerca de 300 pessoas na Vila Olímpia, Zona Sul de São Paulo, no momento em que o estado atravessa uma fase de restrição de circulação por causa da pandemia da covid-19, o atacante Gabriel aumentou a lista de polêmicas que costuma rodear alguns dos grandes ídolos do futebol. Nomes como Ronaldo Fenômeno, Edmundo, Romário, Adriano Imperador, Ronaldinho Gaúcho e Neymar por muitas vezes ganharam espaço na mídia por problemas extracampo. Psicólogos, profissionais da saúde, um ex-ídolo do Flamengo e uma coaching de alta performance avaliam as más condutas de jogadores que extrapolam o futebol.
Para o psicólogo do esporte Eduardo Cillo, do Comitê Olímpico do Brasil (COB), as celebridades do esporte muitas vezes refletem a falta de preparo ao atingir a fama. “Essa situação se repete e só vai mudando os personagens. Atletas que chegam ao status de ídolos muitas vezes não têm ideia da responsabilidade social que carregam”.
Ainda de acordo com Cillo, as atitudes dessas celebridades têm forte influência sobre as novas gerações. “É bastante preocupante, porque tudo que ele faz repercute. Muitas pessoas têm neles modelos de comportamento. Suas ações têm um poder muito grande”, complementa Cillo.
Para João Roberto Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, parte desse comportamento se deve à postura dos times de futebol. “Os clubes não demonstram preocupação com os comportamentos extracampo de seus atletas. Se o caso de Gabigol e de tantos outros jogadores de futebol ocorresse na NFL, certamente a punição seria bastante rigorosa”, compara.
Dessa forma, completou Cozac, a “impunidade” em relação às polêmicas acaba tendo uma influência no comportamento dos grandes jogadores. “No Brasil, os jogadores de futebol estão acima do bem e do mal. Parecem ter imunidade social e, ultimamente, imunidade biológica. Perdem a chance de dar bons exemplos à sociedade e a todos que os seguem e admiram. A falta de responsabilidade social dos clubes e de seus atletas faz multiplicar os casos que comprometem suas imagens e também das organizações que representam”.
A chegada de Gabriel coincide com o início de uma das fases mais gloriosas do clube desde a Era Zico nos anos 1980. E a adaptação foi imediata. Desde que chegou ao Flamengo, Gabriel ganhou sete dos 11 títulos disputados, e sempre como protagonista. Além do bicampeonato carioca e brasileiro, ele levantou a taça na Libertadores 2019 e faturou, ainda, a Supercopa do Brasil e a Recopa em 2020. Foram 70 gols marcados em 102 partidas.
Cardiologista e médico do esporte, Nabil Gorayeb, de 74 anos, falou sobre a polêmica em torno de Gabriel após o atacante ter sido flagrado num cassino clandestino. “Ele se encaixa no perfil de comportamento de jogadores mais jovens que têm a sensação pessoal de serem mais fortes. Eles acham que, se contraírem alguma coisa, os sintomas vão ser bem fraquinhos”, afirmou o cardiologista, que ficou três semanas internado no hospital por causa do coronavírus, mas agora já se recupera em casa.
Gorayeb afirmou, ainda, que jogadores jovens são mais propensos à exposição pelo próprio estilo de vida. “Muitos moram com os pais, saem com os amigos, recebem visitas, são jovens. É diferente dos casados, que ficam mais com a família”, pondera o profissional.
Impunidade
Ídolo do Flamengo, o ex-meia Andrade entende que Gabriel Barbosa cometeu um erro e precisa saber das suas responsabilidades. “Ele sabe que errou, mas não pode expor uma instituição como o Flamengo. É necessário que alguém converse com ele sobre isso. Mas ele é um jogador jovem, é o primeiro erro que comete e não acho que seja o caso de uma punição”, defende Andrade, que também foi campeão brasileiro do time carioca como treinador, em 2009.
Andrade, que faz um trabalho de capacitação na base do Flamengo e também integra o time de masters do clube, tomou a primeira dose da vacina contra a covid-19. “Tenho 63 anos e sou formado em educação física. Acredito que, em abril, eu receba a segunda dose. Todo o cuidado deve ser tomado com nossa saúde nesta pandemia”, disse o ex-volante.
Para a coaching de alta performance Nell Salgado, a paixão exacerbada do torcedor pelos ídolos coloca os jogadores na condição de mitos. Dessa forma, muitos atletas se perdem. “Eles ficam com aquela ilusão do ‘eu posso tudo’. Não conheço o Gabriel, mas quando começo a trabalhar com um atleta, procuro entender as suas características pessoais e o perfil comportamental para poder mapear a cabeça dele e entender suas reações”.
Nell disse que é preciso analisar as características que aproximam e também as que afastam os jogadores de seu objetivo. No entanto, para conseguir uma mudança de fato, a decisão tem de ser do próprio atleta. “Se ele consegue entender os impactos negativos que essas atitudes vão causar na vida pessoal, profissional e como indivíduo, é um passo importante. Mas é uma decisão dele mudar. Essa percepção tem de ser do atleta. Se não acontecer isso, as atitudes vão continuar e não vai adiantar apontar o dedo depois”, acrescenta.